35: Coisas estranhas e corriqueiras

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"Estamos apenas conversando, querida. Pode levar os seus amigos para almoçarem na cozinha?", Antônio quase soou normal, como se nada demais estivesse acontecendo e fosse bastante corriqueiro que ele conversasse com o delegado da cidade. Quase normal. Conhecendo-o há alguns anos, Alexia percebeu que, por debaixo do sorriso tranquilo que ele os ofereceu, havia certo nervosismo.

Contudo, a garota não quis insistir em saber nada naquele momento. Fosse o que fosse, possivelmente seu pai jamais abriria o jogo na frente dos seus amigos. Por isso, ela fingiu que ele a convenceu de que estava tudo bem e apenas assentiu.

"É claro", Alexia concordou, mas, quando fez sinal para que seus amigos a seguissem e passou a caminhar até a cozinha, ela ainda se voltou para o pai de Trina e lhe ofereceu um sorriso. "Tudo bem, sr. Duarte?".

O homem pareceu ter sido pego no flagra fazendo algo extremamente errado, pois suava em bicas e seus olhos verdes, semelhantes aos da filha, se arregalaram um pouco. Ele até pigarreou, como quem perdeu a voz antes de respondê-la:

"Sim, sim. Tudo bem, Alexia. E você?".

"Na medida do possível", ela falou, estranhando ao perceber certa tensão de seu pai pelo canto do olho. Estaria Jorge com receio de o delegado dar com a língua nos dentes e entregar o que eles conversavam? "É melhor deixá-los conversarem".

Dito isso, Alexia passou pelo balcão com os seus amigos logo atrás e os quatro entraram na área da cozinha, onde largaram suas mochilas no chão e se acomodaram à mesa que havia lá.

"Sou só eu ou vocês também estão se roendo de curiosidade agora?", Melanie questionou.

"É claro que não é só você", Judith retrucou. "Aqueles dois estão escondendo algo e deve ser algo podre".

"Podre?", Alexia, sinceramente, esperava que os seus pais não houvessem se metido em algo ruim. A simples suposição a deixava tão inquieta quanto Antônio conversando com o delegado.

"Você não faz ideia do que pode ser?", Carlos Eduardo se voltou para ela, arrumando o óculos no nariz em seu gesto típico.

Alexia balançou a cabeça em negação.

"A única vez em que um dos meus pais teve de ir à delegacia, até onde eu sei, foi quando Jorge prestou depoimento sobre o assalto onde o Gabriel da Giovanna morreu".

"Pode ser algo relacionado a isso", Cadu deu de ombros.

"Mas aí o delegado iria conversar com o Jorge e não com o Antônio", Judith rebateu, óbvia.

"E se o delegado não estiver aqui como delegado e for uma conversa informal?", Melanie ponderou, apoiando os cotovelos no tampo da mesa e o queixo nas costas das mãos unidas. "Eles podem ser amigos, talvez".

"Eu nunca ouvi o meu pai falar sobre o sr. Duarte como um amigo antes", Alexia respondeu.

"Então seu pai quebrou alguma lei, amiga!", retrucou Melanie.

"Não quebrei, não", quase os matando de susto, Antônio surgiu de repente na cozinha.

"Papai!", Alexia o repreendeu, pondo-se de pé. "O senhor está bem?".

Apesar de ele assentir em uma indicação de que sim, aos olhos de Alexia, Tony ainda estava atipicamente nervoso.

"Estou. Só um pouco cansado e com enxaqueca, querida", ele a olhou por um momento mais longo que o normal, o que só serviu para deixar Alexia ainda mais encasquetada, mas então passou os olhos pelos amigos dela e tentou sorrir. "Vou para casa mais cedo, mas o almoço de vocês está pronto", ele indicou o fogão industrial, onde panelas ocupavam todas as bocas. "Fiz diferentes pratos. É só se servirem".

(NÃO) FOI POR ACASO [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora