02: Saudade que dói no peito como mil agulhadas

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Até os seus doze anos, ela foi Daniela.

Esse foi o nome escolhido por sua mãe biológica para acompanhá-lo pelo resto da vida, mas possuí-lo era doloroso. Uma lembrança constante de tudo o que perdera por causa de uma doença silenciosa.

Durante toda a infância, fora apenas Daniela e sua mãe no mundo, compartilhando amor em uma ligação profunda. Uma ligação que só veio a se romper quando a morte veio de encontro à sua mãe e a garota se viu sozinha aos dez anos de idade, sem mais ninguém com quem contar.

Para Daniela, não houve outro caminho além de se tornar mais um dos órfãos da Anjos Desafortunados, um nome que vinha muito bem a calhar para se referir a crianças que, assim como ela, não tinham mais ninguém.

Foram dois longos anos em que o seu mundo se resumia às paredes daquele orfanato antes de algo mudar. Quando Antônio e Jorge surgiram junto da diretora para conhecer os órfãos, Daniela não se permitiu ter esperança. Com doze anos, ninguém queria adotá-la. Todos os pais que ali iam sempre procuravam por bebês ou crianças pequenas o suficiente para não lembrar de que elas haviam tido uma vida antes da adoção, o que definitivamente não era o seu caso. Se havia algo que não havia sido perdido depois da sua chegada ali, eram as memórias que possuía.

Ninguém iria querê-la.

Ninguém iria se importar com ela pelos próximos seis anos, quando enfim faria dezoito anos e então estaria fora das asas do Estado e completamente só.

Pelo menos era isso que Daniela pensava até Antônio se aproximar, interessado pelos seus rabiscos. Com um sorriso gentil, ele a encheu de perguntas que a garota respondeu sem muita vontade, apesar de isso não ter parecido ser um problema para ele.

Dias depois, quando Daniela estava lendo no quarto que dividia com mais seis garotas, uma das madres que cuidava do bem-estar dela e dos outros foi chama-la para uma conversa com a diretora.

Ao entrar na sala que era designada à mulher, Daniela encontrou não apenas a diretora de olhar amável, mas também Antônio e Jorge com expressões nervosas que foram explicadas quando a madre lhe informou que eles tinham intenção de adota-la, dentre todas as crianças.

Daniela não conseguiu acreditar, é claro.

Ela esperou que aquilo se desfizesse em sonho ou que a diretora informasse ter avido um engano, mas não aconteceu. E quando Antônio se ajoelhou na sua frente e perguntou se ela queria ser sua filha, a garota assentiu e agarrou aquela chance que lhe era dada.

"Sim, eu quero", foi o que disse.

Daniela havia soado mais ansiosa do que pretendia, mas isso fez Antônio sorrir para ela e para Jorge, que também tinha a sua própria sombra de felicidade nos lábios.

Durante vários dias, semanas e até meses, eles a visitaram no orfanato enquanto o processo de adoção corria com lentidão. E mesmo que a garota soubesse que ambos pareciam gostar dela, ela teve medo de que mudassem de ideia de repente e cansassem de toda aquela demora.

Foram momentos difíceis e de muita insônia e ansiedade até o dia tão esperado finalmente chegar. Até Antônio e Jorge se tornarem seus pais e a levarem para receber a sua nova certidão, onde além dos novos sobrenomes Daniela também havia pedido por um nome novo. Um nome escolhido por eles, como se ela houvesse acabado de nascer.

Alexia, foi o que ela leu no documento e não mais Daniela. Alexia de Castilho Fontana, filha de Antônio Fontana e de Jorge Castilho.

A partir daquele instante, deu-se início à sua segunda vida.

Uma segunda vida que a levara até Horizonte do Norte aos dezessete anos de idade, onde ela agora esperava pelo ônibus após a aula, sentada no banco da parada enquanto ouvia Marina And The Diamonds nos fones de ouvido.

(NÃO) FOI POR ACASO [COMPLETO]Where stories live. Discover now