27: Silêncio repleto de coisas não ditas

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O silêncio era algo comum entre os membros da família Basile, principalmente durante as refeições. No entanto, aquele silêncio, o repleto de coisas não ditas que atormentavam a mente de cada um, estava começando a incomodar Filippo.

"Giovanna não vai comer conosco outra vez?", o pai, que acreditava veemente que a filha estava exagerando para chamar a atenção, perguntou. "Não quer ir para a escola, não quer falar com ninguém e agora não quer comer. Talvez devêssemos mesmo manda-la para um hospital psiquiátrico, onde pessoas doentes de verdade vão fazê-la perceber que...".

"Pare", era uma ordem clara, mas a voz da mãe soou sôfrega. "Pare de tratar a sua filha desse jeito, Lorenzo. Como espera que a Gigi se abra conosco ou busque melhorar quando age como se ela estivesse atuando, brincando com algo sério? A nossa filha está doente".

"Por causa de um marginal que morreu enquanto burlava a lei?", Lorenzo desdenhou, negando-se a acreditar. "Giovanna só age dessa forma porque sabe que alguém passará a mão na sua cabeça, e esse alguém é sempre você, Roberta", afirmou ele.

"O que você quer que eu faça?", defendeu-se Roberta. "O garoto não prestava e está morto, mas a nossa filha gostava dele e está viva. O problema aqui é que ela não quer estar mais e você se nega a acreditar que a Gi precisa de ajuda e não de um pai que acha que tudo o que ela faz é para chamar a atenção".

"Para mim, chega!", enraivecido e já sem apetite para continuar à mesa, Lorenzo pôs-se de pé. "Se quer ser a mãe boa e fazer parte desse teatro, que seja, mas eu não. Se a Giovanna quiser algo de mim, terá de esquecer aquele bandido e se comportar como deve".

"Lorenzo...", Roberta bem tentou continuar a conversa, mas o homem abandonou a mesa e não tardou a deixar a sala de refeições, fazendo-a soltar um suspiro de desânimo.

"Não liga para isso, mãe. Aposto que ele já está se arrependendo do que disse", tendo escutado toda a conversa em silêncio, Filippo enfim se pronunciou e tomou a mão da mãe sobre o tampo da mesa, a fim de demonstrar que estava do seu lado.

"Espero que sim, querido", Roberta sorriu para o garoto, mas então soltou a mão dele ao perceber algo. "Está quase atrasado para o colégio e ainda nem vestiu o uniforme, Filippo".

O rapaz fez careta.

"Na verdade, eu estava pensando em faltar...".

Desde o ocorrido de duas semanas antes, ninguém mais parecia ter outro assunto a discutir a não ser sobre a morte de Gabriel e o sumiço de Giovanna em decorrência disso. Dessa forma, era inevitável que conhecidos e até desconhecidos enchessem Filippo de perguntas, o que totalmente o desgastava. Ele não tinha nada a dizer sobre Gabriel quando sempre o detestou, e Giovanna.... Bem, a última coisa que a irmã precisava era que todo mundo soubesse das condições em que ela estava agora.

"Nem pensar, Filippo. Você já faltou umas cinco vezes nos últimos dez dias letivos", Roberta tratou de refutar o pedido do filho. "Se continuar desse jeito, como espera se sair bem nas provas ou até mesmo no ENEM? A Giovanna não está indo por ter atestado médico, mas você...".

"Já entendi, mãe. Já entendi", ele a interrompeu, pondo-se de pé e revirando os olhos quando ficou de costas para ela. "Nada de faltas para mim hoje".

"E nem nos demais dias letivos do ano", Roberta deixou claro, quando o rapaz já estava quase saindo da sala de refeições, e Filippo sequer soube como expressar o quanto achou aquilo injusto.

Quando ele subiu a escada para o andar superior e chegou ao corredor onde ficava o seu quarto e o da irmã, acabou se assustando de forma perceptível ao se deparar com a figura de Giovanna encostada no parapeito que dava vista para a sala abaixo.

"Caramba, Gi", levando uma mão ao coração que, naquele momento, batia rápido, Filippo soou dramático. "Por que você está acordada a essa hora?".

"Quem é que consegue dormir com o papai gritando tão cedo?", retrucou a garota, oferecendo-lhe um sorriso amargo.

Eram apenas duas semanas que separavam a garota de agora da que ela era antes de conhecer a sensação de perda pela primeira vez, mas a aparência de Giovanna fazia parecer que anos haviam se passado.

Tendo ela perdido bastante peso nesse período, o rosto estava mais fino e os ossos da clavícula mais visíveis. O cabelo, outrora sempre impecável, estava seco e quase sempre sujo. A pele, naturalmente oliva, havia empalidecido e deixado a menina parecida com um espectro, apenas um fantasma da Giovanna que um dia fora. Era como ver alguém cuja alma morreu e o corpo se negava a deixá-la ir.

"Eu sinto muito, Gigi", para Filippo, não havia muito o que dizer, além disso.

Ele não lamentava a morte de Gabriel, é claro. Fazer isso quando nunca gostara dele seria hipócrita o suficiente para enojá-lo. Mas Filippo lamentava que, tendo ele morrido, aquilo afetasse a sua irmã ao ponto em que ela mais parecia querer morrer também.

Quase como se o irmão houvesse dito algo de errado, lágrimas surgiram nos olhos da garota e passaram a escorrer em silêncio, mesmo não sendo exatamente por causa de Filippo. De alguma forma, dada a perda, chorar a todo momento era algo que passara a fazer parte do seu dia-a-dia.

"Vem cá".

Não sendo o melhor do mundo com palavras faladas, Filippo puxou a irmã para um abraço e deixou que ela chorasse no seu ombro pelo tempo que, para ele, foi de apenas um ou dois minutos, mas que a voz da sua mãe o fez saber que não fora apenas isso.

"Ainda de pijama, Filippo?", pronta para uma bronca, Roberta questionou. "Tem só cinco minutos para ficar pronto, se ainda quiser carona!".

Eu nem mesmo quero ir para a escola, pensou o garoto com certa amargura. Porém sabendo que a mãe pouco ligava para isso, ele tratou de se desvencilhar de Giovanna.

"Não posso faltar hoje, então me prometa que ficará bem na minha ausência", muito sério, ele a pegou pelos ombros e a fez olhá-lo nos olhos.

"Pode ir tranquilo".

"Você não me prometeu, Gigi", Filippo a repreendeu, inclinando a cabeça e fazendo cara de cachorro abandonado.

Sem conseguir se conter, a menina sorriu, mesmo que o sorriso em si não refletisse nos seus olhos.

"Eu prometo, tá bom? Agora vá, antes que a mamãe fique mais brava".

"Como se isso fosse possível...", o rapaz deu uma espiada no andar de baixo, onde Roberta parecia concentrada em algo no celular, e então balançou a cabeça em negação.

Dado como tudo havia sido nosúltimos dias em que fora obrigado a ir para a Fernão Moreira, Filippo nãoesperava muito das cinco horas em que ficaria preso lá naquela manhã. Só esperavaque, nem que por interferência divina, não fossem tantos que o enchessem defalsa preocupação ao perguntarem sobre a sua irmã. Tudo o que ele e a própria Giovannamenos precisavam era o sentimento de pena alheia.

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(NÃO) FOI POR ACASO [COMPLETO]Where stories live. Discover now