19: Mágoa

53 18 2
                                    




"Alexia!".

O fato de ainda ouvir a voz de Sara chamando-a atrás de si era o que a mantinha em movimento, mas houve um momento em que Alexia simplesmente não aguentou mais os pulmões queimando e parou. A sua vista estava tão embaçada pelas lágrimas que ela sequer conseguia vez aonde estava e que direção havia tomado.

"Alexia...", ela ouviu Sara dizer, agora bem mais perto e em um tom baixo, resfolegado.

A garota não ousou responder.

"Por favor, me deixa explicar", Sara continuou.

Alexia sentiu a amiga roçar os dedos em seu braço, fazendo menção de segurá-la, mas se afastou de supetão e virou para olhá-la com raiva através das írises molhadas.

"Explicar o quê, Sara?", sua voz soou irreconhecível aos próprios ouvidos, irada de uma maneira que jamais se sentira antes. "Que você está namorando o garoto que sabe que eu gosto há um tempão e escondeu isso de mim?", a garota cerrou os punhos, respirando fundo.

À sua frente, Sara também tinha lágrimas nos olhos, o que só serviu para deixar Alexia ainda mais brava. Fora ela quem havia sido enganada, afinal.

"Alê...".

"Como eu sou burra", constatar os sinais fez a dor dentro da garota triplicar, porque muitas pistas que ela não viu antes dançavam em sua mente agora, como se zombassem do quanto ela havia sido ingênua. "Vocês dois sumindo, sempre ocupados...".

"Alexia!", Sara exclamou. "Não fale como se eu houvesse planejado tudo pelas suas costas. Só aconteceu. Nem eu e nem o Lipe tivemos culpa...".

"É claro que não", rebateu a garota, amarga. "Você só sabia que eu gostava dele e ainda assim...", ela sequer conseguia completar, tamanha traição sentia.

"Por favor, Alexia. Tenta entender. Eu estava destruída por causa do Caíque e o Felipe sempre foi tão carinhoso. As coisas simplesmente aconteceram", novas lágrimas surgiram e fizeram a voz da garota tremer enquanto ela tentava se explicar, mas Alexia não queria ouvir. Ela estava furiosa demais para tentar entender qualquer coisa além do fato de que a sua própria melhor amiga, a quem confiara tudo, havia sido a primeira a apunhala-la pelas costas.

"Cala a boca!", ela exclamou. "Não há nada que você diga que me fará de perdoar, Sara. Você sabia que eu gostava do Felipe. Sabia!".

"Por favor, Alexia...".

Quase como se o destino quisesse tornar ainda mais deprimente aquela cena, a garota limpou as lágrimas com o antebraço bem no momento em que viu Felipe surgir correndo até estar ao lado de Sara, a quem abraçou e confortou antes mesmo de lançar um único olhar para Alexia.

"Será que você pode nos ouvir antes de surtar?", o modo como ele falou, quase como se a repreendesse, fez Alexia soltar uma risada incrédula de quem percebeu o quanto as coisas haviam, de fato, mudado.

O Felipe de um mês antes, que não namorava Sara, jamais falaria assim com ela. Como se Alexia fosse a errada da história e não a garota que ele abraçava, acariciando os cabelos crespos presos em um coque.

Foi a primeira vez que ela se sentiu como se sobrasse e aquilo doeu. Não havia apenas sido traída, mas também perdido as únicas pessoas em que havia permitido se apoiar nos últimos cinco anos, além de seus pais.

Balançando a cabeça como se negasse isso, Alexia virou e voltou a correr para longe do casal, ignorando o formigamento que subia por suas pernas desacostumadas ao exercício e o a ardência em seus pulmões.

Dessa vez, enquanto ela se afastava, Sara não correu atrás dela apesar de ter chamado mais uma vez o seu nome, o que Alexia ignorou.

Daquele dia em diante, ela apenas esperava nunca mais precisa vê-los. Nunca mais.

xXx

Quando a sua mente desanuviou o suficiente para que ela conseguisse pensar em outra coisa além do recém-descoberto relacionamento entre os seus melhores amigos, Alexia mandou uma mensagem para Antônio pedindo que ele a buscasse e enviou a localização do único parque do bairro, onde ela o esperava.

Como não queria se arriscar a encontrar Sara ou ter que explicar o seu estado para a mãe dela, Alexia decidiu abandonar a bagagem que levara na casa da garota. Seria um sacrifício e tanto, mas talvez pudesse pedir para Nelsa mandar tudo pelo correio depois. No momento, Alexia só não queria encarar tudo aquilo.

Sentada em um dos bancos do parque, que naquele momento estava praticamente vazio, ela secou as últimas lágrimas e ficou encarando o chão enquanto esperava os pais, torcendo para que ninguém estranho a notasse e se aproximasse. Não era nada ingênua no que dizia respeito à maldade alheia e por isso não confiava em estranhos. À essa altura, Alexia sequer sabia se devia continuar confiando em conhecidos depois do que Sara havia feito.

Ela a havia magoado tanto, tanto...

Era óbvio que Alexia sabia haver a chance de Felipe gostar de alguém que não fosse ela, mas nunca pensou que esse alguém pudesse ser Sara e que ela o corresponderia. Ela era a única que sabia da sua paixonite. A única em que Alexia havia confiado.

Aquilo a deixou tão sem chão que a garota precisou de um esforço gigantesco para não tornar a chorar, o que veio junto de uma buzina que a fez pular de susto e erguer o olhar a tempo de ver Antônio e Jorge saltarem do carro e seguirem apressados até ela.

"O que aconteceu, Lex? Você se machucou? Brigou com a Sarinha?", Antônio a metralhou de questionamentos enquanto ela levantava do banco, aproveitando para checar se a garota não havia quebrado nada.

"Apenas vamos embora, pai", Alexia se sentia cansada demais para ainda ter que explicar tudo.

"Como assim? Cadê as suas malas?", Tony continuou, levemente transtornado.

"Papai...", Alexia praticamente implorou por uma intervenção de Jorge com os olhos.

Quando Antônio perdia as estribeiras, era sempre o seu companheiro quem o colocava nos trilhos outra vez. Ele era a calma e a fonte de paciência daquela estranha família.

"É melhor nós entrarmos, Tony", Jorge disse. "Seja o que for, a Alexia parece cansada e tenho certeza que ela pode nos explicar tudo depois, se quiser".

"Como assim, se quiser?", exaltou-se Antônio. "Nós encontramos a nossa filha sozinha e com o rosto inchado no meio da rua, depois de ela ter nos garantido que estaria com a amiguinha...".

"Por favor, papai", àquela altura, a cabeça de Alexia latejava de dor e ela só desejava sair de Natal e voltar para Horizonte do Norte o mais rápido possível, o que era irônico. "Apenas vamos embora".

Talvez tenha sido a maneira como a voz da garota tremeu devido às lágrimas que ela ainda segurava ou a forma como Alexia parecia desesperada como nunca antes, mas Antônio cedeu.

"Tudo bem", disse ele. "Nós vamos, mas não pense que ficará sem me dar respostas".

Como não pareceu que havia outra forma de convencê-lo, Alexia assentiu. No entanto, quando chegasse em casa faria de tudo para não falar com os pais sobre o fato de que, aparentemente, a amizade entre ela e Sara havia inesperada e dolorosamente acabado junto com todos os seus planos para aquela viagem.

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.
(NÃO) FOI POR ACASO [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora