Prólogo - Há 22 anos

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As asas do dragão batiam com tanta agressividade que espantavam a ave de fogo em alguns momentos. A lua roxa brilhava sobre a pequena brecha entre as nuvens. O ar estava com cheiro de enxofre. As escamas do dragão vibravam a cada cuspida de fogo, pareciam um arco-íris vivo.

― Você não vai vencer! ― A voz da ave ecoou pelo ar, mas somente o dragão podia ouvir. Suas penas se tornaram flechas que voaram no ar em direção ao seu adversário.

Não vou? ― A voz do dragão era grave e rígida.

O dragão lançou uma linha de fogo esverdeada que iluminou o céu de canto a canto, o mesmo fogo que poderia acabar com aquela ave. Ambos não queriam fazer isso consigo mesmos, mas era necessário fazer já que não podiam controlar seus instintos.

A ave avançou pelo ar e cravou as garras nos olhos do dragão, jorrando sangue negro pelo ar, quase como ácido. Ele estava completamente cego depois daquilo, mas seus outros sentidos foram apurados. Conseguia sentir o cheio da ave, de carvão queimado. O dragão bateu as asas e atacou a ave. Seus chifres pontudos perfuraram o ar e, assim, a ave grasnou na mesma hora.

Desgraçado! ― Sua voz estava tremida devido à dor que sentia ― Kaime, não tem que ser assim!

― Quando você percebe que está perdendo ― disse Kaime - Você desiste rapidamente. Você sabe que vai morrer, Kyara.

As penas de fogo de Kyara começaram a perder seu brilho no mesmo instante que ela soltou o último grasno.

Eles estavam lutando abaixo de um vilarejo, onde as pessoas viam aquele espetáculo pensando que podia ser algo tão divino que passaram a rezar vendo aquela cena.

Você não vai fugir! ― Kaime disse logo que recobrou a consciência de seus atos.

Ele ganhou impulso, colocou as asas junto ao corpo fazendo um mergulho no ar. Ele tinha um alvo fixo: Kyara. Os olhos dele pareciam bolas de fogo (mesmo que ele não enxergasse), devido à sua força em pegar Kyara. Em uma fração de segundos, ele a capturou com as presas enormes e afiadas. Não notou que as presas machucaram a ave, e sangue escorreu pelo ar.

Kyara ficou com a penugem branca, pois as chamas em suas penas apagaram. O dragão aterrissou em uma área plana que era iluminada pela lua através de uma brecha entre as nuvens. A grama era verde, um verde tão vivo que brilhava.

O dragão caminhou pela área plana voltando à sua forma original. As pernas dianteiras se tornaram braços humanos fortes, as pernas traseiras se tornaram pernas na mesma tonalidade dos braços: acobreada. As escamas se afundaram dentro da pele junto com os chifres. O rosto monstruoso de dragão virou um rosto masculino fino e rígido com olhos vermelhos ― os ferimentos nos olhos foram curados magicamente quando a ave ficou sem seu brilho ―, o cabelo era encaracolado até as orelhas.

Ele usava uma camisa de flanela e uma calça de cetim vermelha. As roupas estavam com um pequeno rasgo no peito.

A ave havia se transformado em uma garota de cabelos vermelhos, trajando um vestido branco. Sua pele estava mais pálida que leite, mas, quando tinha vida, era levemente alaranjada.

Kaime a deitou na grama com o sangue escorrendo pelo peito. O vestido branco passou a ficar em um vermelho escarlate.

― Queria poder voltar no tempo para consertar as coisas ― ele começou a dizer―, desculpe-me pelas coisas que eu disse. Kyara, eu te amo.

A voz dele estava realmente triste. As lágrimas escorreram de seus olhos. Kaime nunca sentiu tanto medo e tristeza ao mesmo tempo como naquele momento. De todas as vezes que acontecia, aquela era a primeira vez que se sentia muito sozinho.

Os olhos de Kyara se abriram lentamente, e eles eram como diamantes azuis. Ela colocou a mão na nuca de Kaime, e o puxou para um beijo. O beijo deles era indescritível para ambos. Conseguiam sentir o calor que ambos compartilhavam em si.

Amarás intensamente da mesma forma que morrerá também.

― Eu te amo ― ela disse em meio ao beijo. ― Não se preocupe, pode partir.

Ao dizer isso, o corpo de Kyara entrou em chamas até se queimar por completo. Kaime se afastou dali, deixando o corpo dela desaparecer sobre a grama. Ele secou as lágrimas enquanto via o corpo de sua amada sumir. Ele não podia fazer nada para acabar com aquilo, a não ser olhar.

― Até logo. ― Kaime disse enquanto se levantava. Andou para longe de tudo aquilo, e podia ouvir o barulho dos ossos sendo consumidos pelas chamas, mas não quis se virar para ver, pois era algo torturante. ― Até a próxima vida.

O assassino, quando se arrepende de seus crimes, não pode se virar para ver o que fez. É um dos piores castigos.

Kaime já tinha sido castigado o bastante com o Ato.

Místicos - As Crônicas De Myustic - Livro 1Where stories live. Discover now