Capítulo 2 - A Ordem do Rei

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Sabendo que contar ao pai encadearia uma série de reações, Gabriel resolveu conversar primeiro com seu informante, Yvon Whitred, um humano do mercado clandestino da cidade. Ele poderia dar informações valiosas sobre o ocorrido.
Yvon não era um humano por completo, era um numpo , um feiticeiro onde a magia se manifestava de forma diferente. Ele conseguia saber onde todos estavam, em qualquer lugar. Gabriel tinha que confirmar algumas informações antes de contar ao pai.
Ao chegar na casa de Yvon que ficava na Rua da Amoras, na Zona Fauna, um lugar repleto de árvores e animais. Era o lugar preferido das fadas, já que lembrava bastante de seu mundo natal, Faerys. Era possível ver alguns humanos andando em direção a centro comercial, algumas fadas com suas orelhas levemente pontudas também conversavam tranquilamente com esses humanos.
A casa de Yvon ficava perto de uma árvore alta, Gabriel bateu na porta de madeira. Ninguém pareceu notar que o príncipe do castelo estava ali.
― Yvon! ― Gabriel gritou pelo velho.
Ninguém respondeu.
― Yvon!
Novamente, ninguém respondeu.
O Sol estava começando a se pôr no horizonte. Essa noite seria quente, assim como o dia. Depois de alguns minutos, Yvon abriu a porta, sua barba era branca e longa, combinando com a túnica da mesma cor. Ele olhou Gabriel de cima a baixo.
― O que você, Griffen? ― Era assim que Yvon o chamava. Os olhos castanhos do velho estavam cansados. ― Estava ocupado preparando meu chá de camomila...
― Posso entrar para conversarmos? ― Gabriel ficou parado ali esperando a resposta do velho.
Yvon revirou os olhos.
― Pode entrar, vossa majestade ― disse dando passagem para Gabriel.  
A casa de Yvon ficava abaixo do nível da rua, então Gabriel teve que descer uma longa escada reta até chegar no único cômodo da casa de Yvon. O lugar era até aconchegante: uma cama ficava aos fundos e uma cozinha do lado extremo a cama. Uma mesa redonda cheia de papeis tomava conta de todo o centro.
― Preciso saber uma coisa ― falou Gabriel ao sentar-se em uma das cadeiras envolta da mesa. ― Você soube sobre o assassinato das Bruxas na Zona Montra?
Yvon puxou outra cadeira e sentou-se.
― Lógico que ouvi ― relatou com uma paz na voz. ― Elas eram do Clã Heda, o único clã que temos na cidade, para dizer a verdade.  Parece ironia já que eles que atacaram essa cidade a 20 anos.
― Bruxos do Clã Heda foram mortos... isso quer dizer que pode haver uma guerra ― afirmou Gabriel. ― As bruxas não levaram o Tratado muito a sério logo no começo... ― Gabriel lembrou do que contava os livros da biblioteca. Mas depois de muita conversa, deu tudo certo. Elas selaram a porta do Templo de Ariel para chamar nossa atenção em relação ao que aconteceu com uma família do clã.
― Não acho que as bruxas possam culpar os humanos ― acrescentou Yvon. ― Segundo relatos, os corpos estavam com partes do corpo arrancadas, mas não pareciam ter sido arrancadas a força ou por alguma arma.
― Como assim? ― perguntou Gabriel.
― As partes arrancadas estavam simetricamente cortadas em linha reta ― contou Yvon. ― Se tivessem sido realmente arrancadas, o tecido da pele teria sido danificado. Mas não estava. Você sabe que existe somente uma coisa que pode fazer isso?
Gabriel parou por um momento. 
― Magia?
― Sim, alguém com acesso a magia conseguiu fazer isso ― afirmou Yvon ao cruzar os braços. ― Alguns feiticeiros que estavam ao redor me disseram que não conseguiram detectar nada. Nenhuma magia. O vazio. Então, isso nos leva a pensar que os humanos podem ter matado, mas... também pode ser uma pessoa que não deixa rastros de magia por onde passa.
Gabriel começou a juntar os fios em sua mente, e percebeu que fazia sentido.
― Yvon, tenho mais uma pergunta.
― Pode perguntar, garoto.
― E ela, você tem alguma notícia?
Yvon sabia de quem Gabriel estava falando. Era um dos segredos que Gabriel mantinha guardado, mesmo que muitos soubessem. O dia da Torre Norte...
― Ela está em Canthum com Delfim Clair ― Yvon informou sem pestanejar. ― Sinto que ela logo viajará para Zmaj, posso sentir isso. Aquela garota não para quieta em um único lugar. 
― Muito bem... ― Gabriel não esperava menos dela. Mesmo que estivessem distantes, ele a amava sem pensar, mesmo que ela não retribuísse mais esse amor. 
― Faz quanto tempo?
― 2 anos.
― Nossa, como o tempo voa. ― Yvon se levantou da cadeira. ― Sei que vocês tiveram um tempo muito difícil juntos, mas você precisa seguir em frente.
― Não consigo. Nunca vou me perdoar pelo que fiz a ela. ― Gabriel admitiu. ― Mas não vim aqui para ficar remoendo o passado. Agora que tenho informações suficientes para contar ao meu para que ele tome as devidas providências.
― Espero que ele tome... ― disse Yvon. ― Se isso continuar, pode ter certeza de que as coisas não vão ficar boas. ― Ele foi até a escada. ― Agora, se me der licença, preciso terminar de preparar meu chá.

***
Na mesa de jantar estava Gabriel, seus pais e seus dois outros irmãos. Os únicos que não tinham herdado a magia. Todos comiam em silêncio. As paredes eram altas e feitas de pedra branca, por entre as pedras, o ouro prevalecia. Gabriel entedia que aquilo era uma forma de indicar poder. 
No teto, lustres enormes balançavam com alguns panos que iam de canto a canto. As janelas eram vitrais que retratavam várias cenas: humanos, elfos, vampiros, lobisomens, bruxas, e feiticeiros. Ao longo da sala era possível ver várias imagens de humanos lutando ao lado das fadas, feiticeiros ajudando a curar humanos feridos. Um vitral em especial deixava Gabriel intrigado, uma estrela dourada com pontas tendo símbolos diferentes: um símbolo do infinito, uma lua, uma flor, um par de asas, e dois círculos entrelaçados.
Quinque Sanguinis, uma voz disse no fundo de sua mente.
Depois de vagar em seus pensamentos, voltou o olhar para seu pai.
Owen Griffen era alto, pele clara, cabelos castanhos, assim como Gabriel e, em sua cabeça, uma coroa em formato de cauda de dragão se sustentava. Sua mãe, Lia Griffen, era o oposto, a pele cobreada brilhava em meio a luz das velas, seus olhos eram verdes como folha. Em sua cabeça, uma coroa semelhante à de Owen.
― Pai ― disse Gabriel depois que engoliu um pedaço de frango. ― A Magia do Pacto está voltando.
Seu pai largou os talhares no prato.
― Gabriel... ― Owen fechou os olhos e de um longo suspiro. ― Podemos esperar até o final do jantar para conversar sobre isso? Eu sei que o Templo foi atacado, mas podemos esperar. ― Ele abriu os olhos e deu uma olhada para os irmãos de Gabriel, Ana e David.
― Ah, tudo bem.
Depois que os irmãos subiram para os quartos, Gabriel e os pais seguiram para o escritório. O lugar era feito de tapeçarias retratando eventos históricos do Grande Continente: A Guerra da Noite, a Batalha das Trevas, os Tempos Sombrios... e alguns que Gabriel não conseguia lembrar. Basicamente, uma versão têxtil da sala de jantar. Owen foi para trás de sua mesa que estava cheia de papeis e cartas dos outros reinos.
― Diga, Gabriel. ― A voz do pai não expressava emoção. ― Diga o que você descobriu sobre a Magia do Pacto.
― Bem, essa manhã, assim que cheguei ao Templo de Ariel, a porta estava selada com magia ― explicou Gabriel enquanto olhava para os pais. ― Eu senti a magia em meus dedos, era a Magia do Pacto...
Owen ficou com sua expressão ainda mais rígida.
― E Cameron relatou que tivemos um ataque aos bruxos aqui na cidade ― a voz dele trazia toda autoridade do mundo. ― Bruxos mortos, e mais bruxos buscando vingança por essas mortes. O Tratado sendo quebrado... Kylos tinha previsto isso.
A rainha parou ao lado do filho, com os braços junto do corpo.
― As Bruxas vão querer alguma resposta, essa foi uma forma de chamar nossa atenção ― Lia tinha sua voz suave com uma pena. A pele da rainha brilhava pela luz das velas. ― Precisamos acabar com isso antes que chegue aos outro Reinos. Se Canthum souber que...
― Ninguém vai saber... ― disse o rei cortando a rainha. ― Ninguém fora das muralhas da Metrópole pode saber que quebramos o Tratado. Há não ser que algo aconteça nos outros reinos, e acho que isso não vai demorar.
― Mas não quebramos ― começou Lia a dizer. ― Alguém está quebrando o Tratado por nós.
Gabriel tinha que revelar a informação que tinha em mãos.
― Pai, coletei algumas informações com meu informante ― disse com firmeza na voz. ― Segundo ele, os cortes nos corpos estavam simetricamente perfeitos. Quando arrancamos um membro, o tecido desprendido do corpo fica danificado, mas não nesses. E minha mãe sabe que somente uma coisa poderia dar um corte perfeito...
― Magia. ― Respondeu a rainha.
― Mas não tinha nenhum resquício de magia no lugar.
Rei pareceu ficar pálido.
― Se alguém com magia indetectável fiz isso para quebrar o Tratado ― ele se sentou em sua cadeira. ― Então, a situação é mil vezes pior do que eu imaginava. ― Ela começou a massagear com dedos por entre as sobrancelhas.
O rei ficou parado um tempo sem saber o que dizer. Gabriel sabia que o pai estava pensando em um plano, algo que pudesse ajudar. Ele olhou para Gabriel, seus olhos pareciam estar vendo a alma do filho.
― Quando você sentiu a magia de Heda na porta do Templo... ― sua voz estava distante. ― Você tinha certeza de que aquele tipo de magia era mesmo a de Heda?
― Sim... A magia de Heda tem um cheio podre, mas também é quente ao toque, como um grande cobertor.  ― Gabriel não estava entendendo o motivo da pergunta do pai. ― Mas não entendo. O que isso tem relação?
― Nada... ― Seu pai voltou a olhar para os papéis na mesa. ― Temos que marcar uma reunião com Frida para colocar um fim nisso. Enquanto esperamos pela reunião, você vai tentar achar o assassino.
Ficou ereto na mesma hora, sentiu o frio correr por sua espinha. As amarras de sua magia afrouxaram um pouco. Ele sabia que alguém ficaria responsável por descobrir quem que era o assassino, mas não que fosse ele. Seus poderes vacilaram um pouco. 
― Mas pai... minha magia está controlada ― Gabriel deu um passo à frente. ― E se eu não conseguir controlar como na última vez.
Ele lembrou do acidente da Torre Norte.
― Não se preocupe com isso ― disse a rainha virando o olhar para filho. ― Sugiro que você vá aos feiticeiros a nordeste daqui. Maika pode te ajudar de novo, vou mandar uma carta para ele. Depois, encontre alguma pista sobre o assassino. Procure alguma coisa nos livros de Maika.  
― Ok, tudo bem. Mas...
― Chega, Gabriel! ― Rei vociferou. ― Você vai e foda-se se o povo descobrir sobre sua magia. Está na hora de acabar com esse preconceito do povo.
Gabriel ficou mudo.
― Você vai partir amanhã durante o Dia de Reagan ― ordenou o rei. ― Será mais seguro. Você terá até o dia do Tratado para achar o assassino, isso é daqui sete dias. Quero reassinar o Tratado com tudo limpo. ― O rei começou a ir para o lado oposto da sala. ― Pode ir para o seu quarto.
Gabriel curvou-se e saiu sem dizer mais nada.
***
― Eu esperava qualquer coisa ― começou Gabriel a dizer para Cameron enquanto conversavam em seu quarto. ― Mas que eu fosse investigar alguma coisa? Aquele homem está louco!
Ele parou por um momento.
― Desde o incidente da Torre Norte não me sinto seguro com minha magia fora da muralha da cidade ― Gabriel estava olhando para o amigo com terror nos olhos. As luzes das casas iluminavam quase que cidade inteira, uma imagem que sempre lhe fascinou.
Depois que seu pai lhe deu a ordem de ir atrás do assassino, Gabriel perdeu levemente o controle sobre os poderes. O cadeado estava ficando frouxo, ele não poderia perder o controle. Seus poderes eram como uma linha entrelaçada a alma, quando ficava muito frouxa o poder que ali contido era espalhado pelo corpo inteiro.
Monstro! Eu disse que não aguentava!
Ele sentiu a bile do estômago subir pela garganta.
― Cara ― disse Cameron olhando para o amigo que estava pálido ―, você está bem?
Gabriel focou no olhar em Cameron repleto de preocupação. A linha foi apertada mais uma vez e tudo voltou ao seu devido lugar, foi um pouco doloroso para Gabriel, mas aquilo era o preço por colocar o poder tão escondido em seu interior.
― Estou bem ― respondeu depois um longo tempo. Respirou fundo. Mais uma vez. ― Agora, acho que estou.
― Sua mãe pediu para você ir até Maika Koupry, não foi? ― Cameron tinha ido até a mesa de cabeceira do quarto de Gabriel e pegou um copo d’água que ali estava. Ao entregar para Gabriel viu que suas mãos tremiam. ― Ele pode te ajudar a controlar mais uma vez.
Gabriel sentou-se na cama e fechou os olhos para pensar por um segundo. Não poderia sair do castelo em meio a um povo que tinha medo da magia, seu coração acelerava a cada pensamento em relação a sair pelo mundo e descobrirem sua magia.
― Tudo bem que ele pode ajudar ― disse Gabriel pôr fim ao abrir os olhos e ver Cameron lançar um olhar de preocupação. ― Mas, mesmo assim, o medo de algo dar errado, de perder controle, de ser descuidado como da última vez, é grande. Se meu pai pensou nisso, talvez seja uma boa 
― Assim, eu espero ― disse Cameron ao sentar-se ao lado do amigo e colocar um braço envolta de seu ombro e puxá-lo para um abraço carinhoso. ― Tudo vai dar certo.

Místicos - As Crônicas De Myustic - Livro 1Where stories live. Discover now