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Keller

Saímos o mais escondido possível. Lili conseguia ficar linda mesmo naquele vestido horroroso que eu havia pego para ela.
Andamos direto para a floresta. Ela recuou e parou com os olhos fixos na escuridão da floresta à fora.

— Por que estamos indo para dentro da floresta? - perguntou ela assustada.

— Você quer que sua mãe, ou seu pai nos veja saindo pelo caminho principal? Eles me matariam se me vissem com você.

— Claro que não matariam você, bobinho - ela abriu o sorriso mais perfeito que já e eu não resisti e a beijei.

O beijo dela fazia minha pele pegar fogo. Meu coração batia fortemente e minha alma se entrelaçava com a dela. Jamais senti algo por alguém, como sinto pela princesa. Sei que não podemos ficar junto e que seus pais me matariam se soubessem, mas o destino é ao meu favor e às vezes vem com um preço que estou disposto a pagar se for por ela.

— Vamos - peguei sua mão e sumimos na escuridão da floresta.

Andamos e andamos até que vi a luz da taberna e corremos o mais rápido possível para que ela saísse do frio. Eu não me importava em pegar um resfriado, porque sei que não morreria por conta disso.

— Cervejas baratas, aí vamos nós! - ela me olhou, sorriu e correu para dentro da taberna.

— Ei, Lili. Espera! - sai correndo atrás dela e rindo de sua felicidade.

Sentamos em uma mesa e todos à nossa volta olhavam diretamente para Liliam, que ainda não tirara seu capuz e nem iria. A maioria eram servos do castelo que escapavam durante a noite para beber e dormir com algumas prostitutas. Bem conveniente, não?

Liliam

Keller e eu tomamos três rodadas de cerveja e ainda não fizeram efeito em mim. Acho que as bebidas e drogas do outro mundo fizeram meu corpo de ferro, ou não...

— Ora, ora, quem está aqui - um homem barbudo com uma caneca de cerveja se aproximou de nós, olhando para Keller.

— O que você está fazendo aqui? - Keller perguntou. Dava para ver sua perturbação e sua tensão.

— Não sabia que você andava com espadas banhada em prata - o homem sorriu e aquele sorriso amarelo me lembrou de meu estuprador. Que o diabo o tenha!

— Saia daqui - Keller se levantou.

— Olhem a Putinha dele que gracinha - o barbudo se aproximou de mim e eu me encolhi lembrando das cenas que aconteceram.

Keller pulou em minha frente e a expressão de sarcasmo do barbudo mudaram para uma expressão neutra, como se meu guarda o tivesse apavorado com um simples olhar.

— Keller, o que está havendo? - perguntei. Embaixo da mesa eu apertava minhas mãos pronta para fazer um feitiço.

Quando eu disser "corra", você correrá sem fim e não esperará por mim.

Mas Keller... Eu posso ajudar!

Não, Liliam. Você vai correr para bem longe daqui e eu vou conseguir te encontrar logo. Esses caras são perigosos.

Quem são eles?

Coisas do passado, linda.

Olhei com os olhos arregalados e apertei minhas mãos contra os braços da cadeira e posicionei meus pés para correr. O barbudo se aproximava cada vez mais e Keller não iria dar conta de me proteger, porque o cara era gigante.

— Corre!

Keller deu a ordem e sacou sua espada que eu havia lhe dado de presente. Todos os homens ao redor sacaram as suas. Eu me levantei derrubando a cadeira para trás e correndo o mais rápido possível. Não sabia para onde ir. Os barulhos de aço tilintavam dentro da taberna e coisas sendo quebradas ecoavam aos meus ouvidos. Keller não ia dar conta sozinho. Então, voltei e peguei um arco que estava jogado para fora. Peguei algumas flechas e me posicionei perto de uma grande árvore. O ângulo que eu estava dava para ver perfeitamente Keller e os caras.
  Coloquei uma flecha no arco e me posicionei, como quando caçava com meu pai. A única diferença era que eu estava caçando pessoas e tentando não matar uma. Puxei a corda do arco e a trouxe perto do queixo, a disparei contra a janela da taberna. A flecha acertou um dos homens e então, disparei mais outra e outra, até que, os barulhos cessaram e ouvi passos duros vindo em direção à porta. Joguei o arco para longe e corri quando um dos homens me viu e alertou que eu estava por perto. Todos os outros saíram e começaram a atirar flechas contra mim. Nenhuma me acertou até que eu me aproximasse da entrada da floresta. Algo queimou em meu braço e o cheiro de sangue era forte, então olhei de relance por cima do ombro e vi uma que uma flecha havia me acertado.

— Eu acertei ela! - um dos homens gritou.

E eu corri, juntei todas as forças e corri para dentro da imensa escuridão. Corri até o ar começar a me faltar, foi aí que avistei o chalé onde eu passaria a noite com Keller. Corri em direção e me tranquei lá dentro.
  Meu braço ardia e a flecha teimosa não queria sair de mim. Andei até achar uma vela e acendê-la, mas logo mudei de ideia, já que eles veriam a luz.
  Olhei para minha mão que estava ensopada de sangue e segurei o cabo da flecha.

— Vai ter que ser assim, Liliam - disse para mim mesma.

Respirei fundo pelo menos umas cinco vezes antes de agarrar com força aquela maldita flecha fincada no meu braço. Puxei com força e soltei um berro de dor. Meu braço queimou com a segunda puxada e com a terceira. Parecia que eu iria morrer. Uma flecha jamais doeria para sair tanto deste jeito. Algo estava errado.

Mais uma puxada com muita força e conseguir remover aquele pedaço de madeira e ferro de dentro de mim. Senti que meus olhos ficaram amarelos e o lobo insistia em querer sair, então respirei fundo várias vezes até me acalmar. A dor ainda era insuportável.
  Ouvi passos fortes pela floresta e as vozes dos caçadores que estavam atrás de mim. Tapei minha boca com uma das minhas mãos e a outra pressionava o ferimento. A janela me iluminava e eu não tinha forças para fazer um sequer feitiço. Tive a brilhante ideia de tentar me arrastar para o canto escuro e morrer ali como indigente.
  A porta se abriu. Eu não conseguia enxergar nada com a vista embaçada de lágrimas e dor. Botas deram passos largos e uma silhueta apareceu com a luz da lua.

— Lili? - era a voz de Keller.

— Aqui - saiu mais como um chiado, do que um sinal.

— Ah, meu Deus! - Keller me pegou pelo braço ferido e eu gritei — Shhh! Eles ainda estão por aí. Você consegue fazer um feitiço para chamar suas primas?

Balancei a cabeça em sinal de não. Eu não estava aguentando falar e algo apertava minha garganta. Minha vista estava turva e meu braço queimava cada vez mais. O ar já não encontrava mais o caminho para meus pulmões e me mexer já não era mais uma opção. Eu estava paralisada?

— Keller - grunhi —, meu braço está queimando muito - mordi o lábio inferior para não gritar.

— Eu não consigo ver nada - murmurou ele.

— Eu derrubei uma vela ali no canto - avisei para que ele pudesse pegar.

— Não tenho fogo e não consigo fazer com nada que tenha aqui - ele soltou um palavrão e jogou a vela longe com raiva.

  Tentei respirar com dificuldade. O cheiro do sangue era insuportável e Keller se mantinha perto a todo momento.

— Me arraste para perto da janela, mas tranque-a - dei a ordem.

  Keller pensou por alguns segundo e então, levantou-se e me segurou por baixo dos braços me puxando para perto da janela. Eu mordia um pedaço de pano que rasgara do meu vestido para não gritar e alguém nos encontrar. Meu braço queimava e eu já não conseguia mais me mexer direito e muito menos respirar. Meu guarda passou os dedos compridos pelo ferimento, enquanto eu mordia mais forte o tecido. Vi que ele levara o dedo perto do nariz e cheirou fazendo uma careta. Seus olhos verdes com as pupilar dilatadas se arregalaram ao ver o estado que se encontrava meu braço e que eu estava com um pedaço de tecido rasgado em minha boca.

— É veneno! - ele olhou pela janela desesperado — Preciso te tirar daqui. Agora!

Eu me apoiei no pequeno balcão feito de carvalho e me levantei. Minha visão borrou e meus joelhos falharam. O som ficou abafado quando escutei a voz de Keller gritando meu nome. Bati a cabeça no chão, mortificada pela dor que estava sentindo e então tudo apagou.

O Brilho Da Meia-NoiteWhere stories live. Discover now