Capítulo 20 - Dia 58

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Enquanto os sobreviventes em melhor estado carregavam os mais fracos escadaria acima, ela sentiu o cheiro de sangue assim que alcançara a porta do quinto andar. Deixou Guilherme amparando Carolina e empunhou de volta a faca suja que repousava em seu cinto.  Ouviu  os  gritos  ininterruptos  de  Samanta através de uma porta fechada enquanto seu marido jazia no chão do corredor. Tendo tido as pernas arrancadas até a altura do joelho, ele arranhava a porta com vigor em uma tentativa enlouquecida de tirá-la de seu caminho e alcançar o quarto em que sua esposa  cuidava  das  crianças.  Ela  se  aproximou lentamente  e  apenas  quando  seus  pés  tocaram  o carpete do longo corredor conseguiu olhar em volta e descobrir  que  pelo  menos  uma  das  criaturas  da garagem havia conseguido subir as escadas. Sussurrou em silêncio para si mesma.

“A porta. A porta da escadaria estava aberta.”

Aquele leve sussurro foi suficiente para atrair a atenção de João, ou pelo menos a carcaça apodrecida na qual ele estava se transformando a olhos nus. Quando o que restara dele se virou em sua direção, ela viu seu olhar leitoso olhando-a e salivando. João não existia mais, aquela criatura havia tomado seu corpo. Ela permaneceu imóvel aguardando ele alcançá-la se arrastando pelo carpete com os braços.

 “Sinto muito.” - Ela cravou a faca na altura da  têmpora dele, jorrando sangue no hall de mármore. O sangue dele ainda estava vermelho e quente, não havia passado tempo suficiente para que o coração imóvel deixasse de alimentar suas veias com oxigênio, de forma que seus fluídos ainda não haviam sido substituídos  pela  viscosa  solução  negra  que  as criaturas da garagem espirraram ao serem acertadas.

Conseguiu  sentir,  atrás  de  si,  que  o  grupo  de sobreviventes já havia alcançado a porta ao escutar o barulho inconfundível de um deles vomitando sobre o ladrilho e o subsequente cheiro ácido de bile que queimava suas narinas. Olhou para eles tentando se lembrar de todos que haviam descido junto a ela naquela manhã.

“Onde está ele? Cadê o Ricardo? Alguém o viu depois que toda aquela merda começou?”

Foi Marcelo quem quebrou o silêncio.

“Ele não estava entre os nossos mortos e eu não o vejo há horas. Acho... Acho que ele fugiu quando percebeu a gravidade da situação.”

“A porta. A porta estava aberta. Ele correu de volta pela escada e deixou a porta aberta.”

Essa troca de palavras foi o suficiente para atrair  a  atenção  de  todas  as  criaturas  recém transformadas que vagavam a esmo pelo corredor. Escutaram os passos arrastados e os grunhidos antes de  poderem  ser  surpreendidos  pelas  versões renascidas  de  seus  antigos  companheiros.  Ela  foi pessoalmente responsável por destruir qualquer um que chegava até ela. Todo o ódio que sentia por Ricardo  naquele  momento  era  suficiente  para transformá-la  em  uma  incansável  máquina  de destruição. A cada criatura que ela atingia, aguardava ansiosamente   para   que   a   próxima   chegasse, saboreando cada momento como uma preliminar para o momento em que a versão menor e covarde de Ricardo  finalmente  chegasse,  mas  ele  nunca  veio.

Todas aquelas pessoas estavam mortas por causa dele, mas aquele desgraçado havia conseguido escapar, se esconder em um dos apartamentos em segurança.

Atrás dela, o resto do grupo diminuto lidava com as criaturas que atravessavam o hall da escadaria do outro lado do prédio e agradecia em silêncio por ter escutado o grito choroso e humano de Samanta, pois isso lhe dava toda a certeza que precisava de que a sua pequena Mia estava em segurança. Naquele momento, tudo que importava era que ela conseguisse arrancar a cabeça de Ricardo com os próprios dentes da mesma forma que elas criaturas deveriam ter feito mas não foram capazes.

Dia Zero (Saga Zero #1)Where stories live. Discover now