Capítulo 19 - Dia 156

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As    horas          que    seguiram pareciam intermináveis. Ele acordou inúmeras vezes de seu estupor, sem entender onde estava ou o que havia acontecido. Sentia o vento frio que escapava por entre as cortinas pesadas carregando consigo o cheiro de carniça das ruas. Sentida mãos quentes tocando seu corpo, mas não conseguia definir sua origem. Sentia o corpo  dolorido,  mas  não  parecia  ter  forças  para arrumar uma posição mais confortável. Sentiu uma dor aguda no braço e acreditou ter sentindo o cheiro de sangue, mas não conseguia definir se era seu.

Entre os momentos em que acreditava estar acordado, sua mente era atormentada por sonhos estranhos. Flashes do passado, que ele acreditava ter esquecido.  Perguntou-se  se  era  realmente  tão desagradável a sensação de curar a própria amnésia. Em seus sonhos, seu passado esquecido se misturava ao presente obscuro. Entre as memórias resgatadas, às vezes reconhecia o rosto de Christina. Sabia que era um  sonho  pelo  fato  de  que  ela  não  apresentava nenhuma cicatriz em sua mente.

Quando finalmente abriu os olhos de verdade, encontrou-se preso, amarrado à cama. O quarto era igual ao que ocupara nas semanas anteriores, mas os quadros nas paredes eram diferentes. Estava em outro lugar.  Gritou  por  ela.  Gritou  enlouquecidamente chamando  seu  nome  e  desejando  que  a  pessoa responsável pela sua presente situação não a houvesse ferido. Gritou pelo que lhe pareceram horas, até sentir a garganta seca e rouca. Então os gritos se tornaram uma tosse irritante. Foi nesse instante que ela entrou no quarto.

Quando a sensação de alívio ao vê-la viva relaxou seus músculos, sua tosse se acalmou, mas sua voz permaneceu um sussurro rouco que não conseguia alcançar os ouvidos dela. Queria lhe dizer o quanto estava feliz em vê-la, o quanto estava aliviado em saber  que  ela  havia  voltado  para  resgatá-lo.  De repente, formou-se em sua mente a pergunta “Por que você ainda não me soltou?”, mas as palavras nunca foram pronunciadas. A resposta estava estampada no olhar frio e distante dela: Ela ainda não o soltara porque fora ela quem o amarrara. Ele foi tomado por um calafrio de medo.

“Você teve tempo de lembrar quem você é enquanto estava dormindo, Fernando?”

Ele  tentou  responder,  mas  a  mistura  da rouquidão e do pavor o deixou mudo.

“Não precisa responder. Não faz diferença.”

Ela se aproximou trazendo em mãos uma das garrafas de água mineral que ele havia separado ao lado da mochila. Erguendo levemente a cabeça dele, ela permitiu que os lábios secos tocassem o gargalo e molhassem a garganta machucada do homem que há alguns minutos chamava seu nome em desespero.

 “Fique quietinho um pouco, daqui a pouco a sua voz volta, você está apenas com a garganta seca.”

Ela deixou-o sozinho, amarrado pelas mãos e pés. Ele olhou em volta desesperadamente e só então viu o que ela havia deixado para ele. No criado mudo ao lado da cama, estava a foto da menininha loira que assombrava seus sonhos. Os olhos azuis, o mesmo sorriso  doce  que  o  encantou  agora  o  encaram parecendo  zombar  dele.  Teve  vontade  de  gritar novamente, mas sabia que sua garganta ainda não estava em condições de exagerar o esforço das cordas vocais.  Apertou  os  olhos  e  sentiu  as  lágrimas  se formando. Dentro de sua mente, repetiu tudo o que conseguiu entender de sua última interação com ela.

“Meu nome é Fernando. Ela me conhece do passado. Ela me odeia. Meu nome é Fernando. Ela me conhece  do  passado.  Ela  me  odeia.  Meu  nome  é Fernando. Essa vagabunda me conhece do passado. E a vadia me odeia.”

Entendeu afinal que os sonhos não estavam se misturando em sua mente. A imagem que tinha dela sem a cicatriz no rosto era real. Era uma lembrança.

Dia Zero (Saga Zero #1)Where stories live. Discover now