As horas que seguiram pareciam intermináveis. Ele acordou inúmeras vezes de seu estupor, sem entender onde estava ou o que havia acontecido. Sentia o vento frio que escapava por entre as cortinas pesadas carregando consigo o cheiro de carniça das ruas. Sentida mãos quentes tocando seu corpo, mas não conseguia definir sua origem. Sentia o corpo dolorido, mas não parecia ter forças para arrumar uma posição mais confortável. Sentiu uma dor aguda no braço e acreditou ter sentindo o cheiro de sangue, mas não conseguia definir se era seu.
Entre os momentos em que acreditava estar acordado, sua mente era atormentada por sonhos estranhos. Flashes do passado, que ele acreditava ter esquecido. Perguntou-se se era realmente tão desagradável a sensação de curar a própria amnésia. Em seus sonhos, seu passado esquecido se misturava ao presente obscuro. Entre as memórias resgatadas, às vezes reconhecia o rosto de Christina. Sabia que era um sonho pelo fato de que ela não apresentava nenhuma cicatriz em sua mente.
Quando finalmente abriu os olhos de verdade, encontrou-se preso, amarrado à cama. O quarto era igual ao que ocupara nas semanas anteriores, mas os quadros nas paredes eram diferentes. Estava em outro lugar. Gritou por ela. Gritou enlouquecidamente chamando seu nome e desejando que a pessoa responsável pela sua presente situação não a houvesse ferido. Gritou pelo que lhe pareceram horas, até sentir a garganta seca e rouca. Então os gritos se tornaram uma tosse irritante. Foi nesse instante que ela entrou no quarto.
Quando a sensação de alívio ao vê-la viva relaxou seus músculos, sua tosse se acalmou, mas sua voz permaneceu um sussurro rouco que não conseguia alcançar os ouvidos dela. Queria lhe dizer o quanto estava feliz em vê-la, o quanto estava aliviado em saber que ela havia voltado para resgatá-lo. De repente, formou-se em sua mente a pergunta “Por que você ainda não me soltou?”, mas as palavras nunca foram pronunciadas. A resposta estava estampada no olhar frio e distante dela: Ela ainda não o soltara porque fora ela quem o amarrara. Ele foi tomado por um calafrio de medo.
“Você teve tempo de lembrar quem você é enquanto estava dormindo, Fernando?”
Ele tentou responder, mas a mistura da rouquidão e do pavor o deixou mudo.
“Não precisa responder. Não faz diferença.”
Ela se aproximou trazendo em mãos uma das garrafas de água mineral que ele havia separado ao lado da mochila. Erguendo levemente a cabeça dele, ela permitiu que os lábios secos tocassem o gargalo e molhassem a garganta machucada do homem que há alguns minutos chamava seu nome em desespero.
“Fique quietinho um pouco, daqui a pouco a sua voz volta, você está apenas com a garganta seca.”
Ela deixou-o sozinho, amarrado pelas mãos e pés. Ele olhou em volta desesperadamente e só então viu o que ela havia deixado para ele. No criado mudo ao lado da cama, estava a foto da menininha loira que assombrava seus sonhos. Os olhos azuis, o mesmo sorriso doce que o encantou agora o encaram parecendo zombar dele. Teve vontade de gritar novamente, mas sabia que sua garganta ainda não estava em condições de exagerar o esforço das cordas vocais. Apertou os olhos e sentiu as lágrimas se formando. Dentro de sua mente, repetiu tudo o que conseguiu entender de sua última interação com ela.
“Meu nome é Fernando. Ela me conhece do passado. Ela me odeia. Meu nome é Fernando. Ela me conhece do passado. Ela me odeia. Meu nome é Fernando. Essa vagabunda me conhece do passado. E a vadia me odeia.”
Entendeu afinal que os sonhos não estavam se misturando em sua mente. A imagem que tinha dela sem a cicatriz no rosto era real. Era uma lembrança.
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Dia Zero (Saga Zero #1)
HorrorNo meio de uma crise de saúde mundial, São Paulo é tomada por uma epidemia que faz com que os mortos levantem em busca de carne humana, isolando do mundo uma garota despreparada que se vê forçada a enfrentar uma nova realidade na solidão completa de...