Capítulo 18 - dia 57

17 2 0
                                    

Ela continuava contando os dias em uma velha agenda, de modo que sabia que era uma terça feira o dia em que o argentino carrancudo declarou que conseguira descobrir como redirecionar os geradores para  iluminar  um  único  andar.  Depois  de  muitas explicações   técnicas   feitas   com   seu   sotaque incompreensível, ele afirmou que poderiam manter o gerador funcionando por alguns meses utilizando o combustível dos carros na garagem. Para isso, porém, seria preciso fazer a limpeza do subsolo, algo que a equipe havia definido desnecessário e perigoso em razão da escuridão absoluta e da enorme quantidade de possíveis esconderijos para as criaturas.

Marcaram  uma  grande  reunião  envolvendo todas as partes para definir o andar que deveriam habitar  e  aumentar  o  tamanho  da  equipe,  para terminar  o  serviço  o  mais  rapidamente  possível. Muitos queriam permanecer no quinto andar, mas eram muitas escadas a subir quando precisassem sair em busca de suprimentos. Se precisassem carregar algum ferido, por exemplo, era alto demais. Queriam também  ter  alguns  andares  de  distância  da  rua. Escolheram o terceiro e, depois de abrirem todas as portas e janelas para deixar que o vento ajudasse com o cheiro, iniciaram a mudança. Levaram a tarde inteira para  fazer  malas  e  carregá-las  escada  abaixo.  Ao anoitecer,  Samanta  fez  uma  enorme  refeição  com pedaços de frango, batatas e macarrão para todos.

Ricardo  carregava  suas  garrafas  de  vinho barato pra cima e pra baixo. O estoque dele devia ser fenomenal. Ela supôs que ele seria egoísta o bastante para sair em busca de suprimentos e carregar apenas uma grande caixa de vinho para si mesmo, o cretino. Ele evitava o olhar dela, ignorando completamente sua existência, bem como a da pequena Mia, mas ela nunca deixou  de  prestar  atenção  em  cada  um  de  seus movimentos.  Sabia  por  experiência  própria  e  não muito distante que o ser humano é a criatura mais perigosa que existe.

Definiram a melhor estratégia possível para limpar o subsolo. Os quatro integrantes da equipe de limpeza, incluindo ela, se dividiriam em equipes, cada um levando alguns novatos em sua companhia. Duas equipes se responsabilizariam para cada andar da garagem, uma equipe vasculhando os vãos entre os carros  e  outra  equipe  na  retaguarda  para  evitar ataques surpresa.

As equipes foram divididas aleatoriamente e precisou   que   quase   todos   os   sobreviventes participassem. Samanta e o marido ficariam para trás com as crianças, bem como o argentino, uma peça essencial  para  o  funcionamento  do  gerador.  Uma senhora de idade, apelidada de Margarida, também foi deixada  em  segurança,  assim  como  seu  neto adolescente,  o  único  que  conseguia  convencê-la  a tomar seus remédios quando a velha tinha surtos histéricos e decidia que queria tirar a própria vida. O resto dos sobreviventes foi armado e preparado. Até mesmo Ricardo acabou cedendo, depois de diversos protestos, e concordou em participar da operação sob a ameaça do Argentino em deixar o apartamento dele fora do circuito. Ela duvidava que aquilo pudesse realmente ser feito, mas simpatizou muito mais com o autor da mentira quando percebeu o quanto aquilo afetava o garoto.

Separaram  facas  e  pedaços  de  madeira arrancados da estrutura dos sofás dos apartamentos abandonados  para  sempre.  Os  mais  experientes receberam as lâminas. Ela cogitou levar o arco do pai, julgando que poderia ser um bom treinamento, mas a falta de luminosidade a deixou insegura. Carregou a arma  que  recebera  do  pai,  mas  não  a  revelou  a ninguém. Sabia muito bem que o barulho do disparo apenas deixaria as criaturas ainda mais sedentas e descontroladas, mas não queria arriscar e decidiu que seria  uma  boa  opção  levá-la  em  caso  de  uma emergência.

Separaram  algumas  camisetas  brancas,  das quais cortaram longas tiras de tecido para serem amarradas nos braços e tornar mais fácil identificá-los com a escassa iluminação do lugar. A equipe dela incluía o mais novo dos irmãos médicos e Marcelo. Nenhum deles jamais se encontrou em uma situação de combate, mas ela também nunca havia passado por isso  até  a  epidemia  se  instalar,  e  já  podia  ser considerada  uma  expert  àquela  altura.  Além  das semanas que passara na limpeza, a cicatriz em seu rosto inspirava certa confiança, embora não fosse nada relacionada com o que enfrentavam naquele momento. Junto à sua equipe, no segundo subsolo da garagem,  havia  uma  segunda  equipe  em  sua retaguarda, que incluía André, o ator de Santos, Aline e Tatiana, as inseparáveis garotas de programa, e seu líder, Guilherme, um garoto de 23 anos extremamente inteligente com quem ela vinha compartilhando suas tardes de limpeza nas últimas semanas. A equipe incluía ainda Ricardo, mas ela tinha certeza que ele ficaria imóvel ao lado da porta de aço maciço da escada, pronto pra fugir correndo justo no momento em que poderia ajudar. Ela tinha certeza também de que ele estaria bêbado e fedendo a vinho barato. Com muita sorte, não carregaria uma garrafa verde junto com ele.

Dia Zero (Saga Zero #1)Where stories live. Discover now