Capítulo 10 - Dia 29

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Dormiu muito pouco na primeira noite acompanhada. Já estava acostumada ao silêncio do apartamento vazio, mas aquela pequena menininha gemeu e se contorceu a noite toda, agarrada a seu corpo.  O dia já estava amanhecendo quando finalmente conseguiu pegar no sono. Agora abria os olhos com dificuldade, ardendo em virtude da claridade que invadia o quarto. Levou alguns minutos para perceber que estava sozinha na cama e que ela estava molhada.

Levantou assustada, até que percebeu que a garotinha havia molhado a cama e agora se escondia de vergonha. Em silêncio, com movimentos lentos pelo medo de assustar sua nova hóspede, procurou-a pelo apartamento e, quando não a encontrou, olhou direto para a porta, temendo que houvesse fugido enquanto dormia, mas o trinco de segurança permanecia fechado pelo lado de dentro. Rapidamente, entendeu o que estava acontecendo. Voltou ao quarto, sentou-se no carpete ao lado do armário e falou com a porta, ainda fechada.

“Querida? Querida, você está aí?”

Não recebeu sequer uma única palavra como exposta, mas escutou um fungado baixinho, aquele barulhinho tão característico de choro de criança, um resmungo inocente de partir o coração.

 “Querida, não precisa se esconder. Eu sei que você deve estar assustada e com saudades da sua casa, não é mesmo?”

Mais uma vez, sem resposta, mas o fungado parou e escutava barulhos que indicavam movimento. Presumiu que ela estaria balançando a cabeça em resposta à sua pergunta, provavelmente com o dedo novamente encaixado na boca.

“Sabe, eu também fico assustada com tudo isso. Todo mundo fica. Não precisa se esconder por causa disso.”

Sentindo que este era o momento propício, abriu a porta do armário e a viu sentada entre os casacos, o coelho de pelúcia nos braços, o dedo na boca, olhos vermelhos de tanto chorar. A garotinha franziu a testa em reação à inesperada luminosidade que invadiu seu esconderijo e a olhou com olhos brilhantes, enormes pontos de interrogação azuis.

“Vamos fazer o seguinte, você vem comigo e, enquanto eu preparo o café da manhã, você toma um banho bem quentinho. Que tal?” - E estendeu a mão aberta convidando-a a lhe acompanhar.

Os olhos azuis continuaram a encará-la por alguns instantes, mas ela acabou cedendo e segurando sua mão, fazendo-a sorrir para aquela pequena criaturazinha indefesa.

Levantaram-se juntas, as mãos ainda atadas. Foram até o banheiro, aonde despiu o pequeno corpo frágil das roupas sujas de urina, ligou o chuveiro quente e deixou-a entrar na água sozinha.

“Precisa de ajuda?”

Ela balançou a cabeça de um lado para o outro e surgiu então o primeiro sorriso, com um buraco entre os dentes da frente. Ela se perguntou se alguém havia tido o cuidado de lhe trazer algum presente da “fada dos dentes” mas concluiu que isso não importava agora. Deixou a porta semicerrada e foi para a cozinha.

Colocou algumas fatias de pão na torradeira e separou um pote de geleia de morango, copos, uma garrafa de leite e achocolatado em pó. Não era muito, mas achou que seria o suficiente para fazê-la sentir um mínimo de familiaridade.

Escutou o chuveiro ser desligado, pegou um antigo roupão e correu para o banheiro abrindo os braços daquele enorme uniforme atoalhado, cobrindo-a e secando o seu corpo de forma bem rápida, arrancando algumas risadinhas curtas de sua nova companheira. Ajudou-lhe a vestir as calcinhas que trouxera no corpo após se certificar que já estavam secas, mas ela se recusou a vestir roupas, querendo manter o roupão branco como neve, felpudo e grande demais para ela. Andava descalça pelo carpete, o rosto virado para trás para assistir a enorme calda que a seguia arrastando-se pelo chão. As duas riam-se em voz alta, por razões que sequer seriam capazes de explicar. Comeram juntas até sentirem-se satisfeitas.

Dia Zero (Saga Zero #1)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora