Capítulo 5

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Expliquei para Gabi tudo o que foi conversado na reunião durante nossa viagem de volta. Ela ouviu tudo atentamente e até chegou a ler os dois documentos que eu possuía. Quando chegamos foi a vez de explicar tudo para a minha família. Minha avó achou a situação muito engraçada, quer dizer, quem diria que uma menina do interior do interior do Brasil iria ganhar um sorteio indo viajar para o outro lado do mundo com tudo pago? Fala sério.

Meu pai ainda achava uma loucura; meu irmão também ficou animado com a ideia, mas foi porque me pediu para trazer um videogame novo; agora minha mãe ficou tão empolgada, mas eu sei que foi totalmente influenciada pela conversa da Gabriela.

Ficamos batendo papo enquanto as duas me ajudavam a fazer as malas. O clima em Seul durante junho/julho era ameno, mas como a boa goiana que sou, não deixei de levar casacos e moletons.

- Sabe, eu fiquei pensando sobre o documento de confidencialidade.

- Hum, e o que você pensou? - Perguntei escolhendo quais sapatos levaria.

- O que a Se-ri falou é muito verdade. Aquelas fãs de lá são loucas! Elas tratam os idols como se fossem crianças, e esquecem que são adultos que podem namorar ou casar.

- Você também pira quando alguém que você gosta interage com outra pessoa, não nega porque eu já vi. - Minha cara de "não vem com essa" faz ela olhar pros lados.

- Não é isso Manu, algumas levam isso pro lado pessoal. Não são todas, é obvio, mas as vezes o próprio fandom fica de saco cheio.

- Do que vocês estão falando? - Minha mãe fica com a maior incógnita no rosto e isso me faz rir um pouco.

- Ei, já pensou se você volta namorando? Meu Deus! - Agora Gabi muda o assunto para um rumo perigoso e minha mãe já muda de confusa para uma maliciosa.

- Você sonha um pouco demais, não acha?

- Não é impossível filha, pega algumas camisolas bonitas. - A olho repreendendo o tom sugestivo.

- Isso! Leva alguns pijamas bem sexy, nunca se sabe...

- Pelo amor de Deus, vocês estão ficando doidas. - Reviro os olhos tão forte que acho que eles não vão voltar.

- Eu sei o tipo ideal de cada um! E tenho que dizer que você não combina fisicamente com nenhum deles, mas também não tá tão longe. - Ela fala como se quisesse me consolar.

- Acho que coreanos tendem a preferir gente que possuem os mesmos traços, tipo, o olhinho puxado, cabelo liso, essas coisas. - Eu não poderia me importar menos com isso.

Sei que cada país tem algum padrão de beleza, e eu não vou me abalar por causa disso, eu me acho bonita, e se eles me acharem que bom, e se não acharem o problema não é meu.

- Talvez, mas eles seriam loucos se não achassem você linda. - Os olhinhos piscando... essa menina não tem jeito.

- Você é a pessoa mais bajuladora do mundo sabia disso? - Saio rindo do banheiro com alguns produtos na mão.

- Por que você tá levando tanta coisa? Você não vai ganhar um cartão de crédito? Pode comprar essas coisas lá. - Agora é minha mãe que diz, organizando a bagunça que fizemos na cama.

- E se eles desistirem dessa ideia? Posso muito bem chegar lá e ouvir que não vou ter mais, aí eu vou ser uma garota sem cartão de crédito, sem roupa e sem cosméticos. Falando nisso, preciso ir ao banco. Vou levar um dinheirinho reserva. - Calço o tênis e arrumo o cabelo. - Podem terminar de arrumar as malas para mim? Já tá tudo separado, só organizar.

Elas assentem e eu saio. Chamo Arthur para ir comigo, eu estava devendo um sorvete para ele. Ele anda meio estranho esses dias, cabisbaixo e ver ele assim me incomoda.

- Arthur, tá tudo bem?

Depois de engolir um pouco do sorvete, ele balança a cabeça falando que sim, tá tudo bem.

- Então qual é o problema? Você anda meio estranho esses dias. - Deixei claro que estava preocupada.

- É que... - Ele tem receio de falar. - É que você acabou de chegar e já tá indo embora de novo, para mais longe ainda. Não era assim que eu tinha planejado nossas férias.

Meu coração apertou e engoli o bolo que formou na minha garganta. Ele estava triste porque todos os planos que ele tinha feito não iriam acontecer e saber disso me deixou mais triste ainda e com sentimento de culpa. Eu era uma péssima irmã mais velha.

- Não fica assim, eu não vou demorar, são poucos dias e logo logo eu vou estar de volta e vamos poder fazer o que você quiser. Não esquece que te prometi um videogame novo. - Tentei animá-lo mas tudo o que ele me deu foi um sorriso fraco.

Eu não queria deixar ele assim.

Será que minha mãe está assim também? E meu pai? Eu tô deixando todo mundo triste e só o Arthur não consegue esconder?

Eu entendo o lado deles. Eu passo 5 meses longe, trocando apenas algumas ligações, mensagens, chamadas de vídeo e mandando meus pequenos vídeos para que pudessem me ver e matar um pouco a saudade, e quando tenho oportunidade de ficar um tempo com eles, eu simplesmente vou embora.

Fico com esses pensamentos até a hora do jantar quando decido que essa vai ser uma noite da família, filmes, pipoca e muitos doces. Foi incrível ter esse momento com eles, e penso que eles sentiram isso também.

Nos dias seguintes eu tentei passar o máximo de tempo com todo mundo. Acho que precisávamos disso, eu pelo menos precisava. Minhas amigas, eu consegui ver apenas no meu último dia. Não deixamos de manter contato e colocar todos os assuntos em dia (principalmente sobre o sorteio) nos rendeu muitas horas de chopp e torresmo em um bar que era nosso ponto de encontro preferido. Prometi lembrancinhas para todo mundo.

Quando acordei, o primeiro pensamento que me veio a mente foi: hoje eu embarco para Coréia do Sul.

As malas já estavam prontas, então só precisei me arrumar. A despedida no aeroporto foi rápida, muitos eu te amo e se cuida.

Na hora do check-in descubro coisas interessantes. A primeira, era que meu voo duraria 22horas e 17 minutos.

 A segunda, era que minha passagem estava cadastrada na classe econômica premium.

A terceira, era que eu estava impressionada em todos os níveis que a palavra "impressionada" estava.

Eu sempre voei em classe econômica e nunca cheguei a sequer pensar na possibilidade de ultrapassar o quanto meu bolso permitia.

Andando até o avião, eu estava o tempo todo conferindo para ver se eu achava um erro que mostrasse o contrário, mas não, eu iria de verdade passar todas aquelas horas de voo em uma classe executiva premium muito cara. Essa gente não brinca em serviço.

Entrando, a única coisa que percebo são homens de negócios em ternos que provavelmente custariam mais que meu celular; mulheres tão elegantes que fez eu e minhas roupas confortáveis procurar logo nosso assento para ninguém olhar torto.

Mas ei, não eram eles que iriam passar quase 24 horas dentro de um avião. Eram sim sua burra, é uma viagem de conexão única.

Depois do piloto anunciar que iríamos decolar, encosto minha cabeça no assento quase todo deitado, fecho meus olhos, e dou um longo suspiro.

Eu realmente tive coragem de fazer isso. O sentimento que estou enfrentando agora era o mesmo que eu tive que enfrentar a dois anos atrás quando estava indo para o Paraguai. Uma mistura de medo e euforia. Era uma nova aventura, e eu estava disposta a enfrentá-la de cabeça erguida, custe o que custar.





TEN DAYS WITH USDonde viven las historias. Descúbrelo ahora