1979

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Algo muito diferente aqui. Início pesado e infelizmente necessário, espero que gostem, beijos

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Março de 1970

- Vocês acham mesmo que essa palhaçada vai durar por muito tempo? Saibam que não! Abaixo à ditadura, povo no poder!

Nós gritávamos em meio à multidão, em linha de frente aos malditos soldados em cima dos seus cavalos. Lúcia ao meu lado segurava um dos cartazes com nossos protestos. Avançávamos tentando protestar quando de repente outros soldados avançaram contra nossos já nos batendo. Toda aquela multidão foi dispersada. Eu escutava os gritos de dor, desespero ao mesmo tempo que havia perdido meus amigos em meio todo àquele povo. Eu rodeava no mesmo lugar tentando achar Camila, era a pessoa que mais me preocupava. Quando nos conhecemos ela não era do tipo comunista como eu, confesso que por muita convivência ela embarcou nos meus ideais que eu. E quer saber? Me orgulho muito disso.

Eu sabia que se ficasse ali por muito tempo eles iriam me pegar, corri. Corri o máximo que podia, já estava acostumada. Eu me enfiava nas ruas estreitas do Rio de Janeiro, já sabia exatamente por onde ir e como escapar. Mas, naquela tarde parece que era diferente, eles estavam atrás de mim, como se eu fosse a próxima a ser capturada. Provavelmente era uma ordem do maldito do general Emílio Médici. Mesmo assim eu não desistiria, sentia o ar me faltar, o suor escorrer por todo o meu corpo. Pensava na minha família, em Camila, em quem eu poderia lutar para que tudo aquilo pudesse acabar o mais rápido possível.

Olhei para trás percebendo que não estava mais sendo perseguida, corri mais um pouco me enfiando em um beco estreito. Encostei meu corpo ali, logo em seguida curvei-o tocando meus joelhos tentando controlar a respiração. Uma gota do meu suor pingou no chão e somente a imagem de Camila vinha na minha cabeça. Voltei a ficar ereta e encostei a cabeça no concreto fechando os olhos, me preparando para sair dali e tentar voltar para casa.

Quando abri os olhos e ia seguir percebi quatro soldados em uma ponta do beco e mais três na outra. Eu sabia que era o fim da linha, não havia o que fazer, eu estava em uma encruzilhada e como um filme se passou todo o sofrimento das pessoas que eu amava em minha cabeça, aquilo me partiu no meio, muito mais do que toda a violência da qual eles me seguravam, muito mais do que todas as porradas que eles haviam me dado antes de me puxarem para fora, muito mais do que toda a dor que senti ao vê-los se divertirem junto com o seu chefe ao rasparem os meus cabelos e despejarem jatos d'águas no meu corpo nú.

Outubro de 1979

Finalmente a Lei da Anistia havia sido promulgada. Tenho certeza de que se Lauren estivesse aqui no Brasil ela se orgulharia. Já são 9 anos do maldito exílio em Londres. 9 anos sem que eu nem pudesse ter dito que estava completamente apaixonada por ela. Éramos tão jovens, tão sonhadoras, mas tudo foi interrompido porque apenas lutávamos pelo que é correto. Nesses anos todos, eu jurei para mim mesmo e para Lauren que não abandonaria a nossa luta, fui para as ruas quando necessário, eu usei a inteligência quando preciso e agora estou aqui comemorando essa maldita dessa lei que a traria de volta. Ver o sofrimento de Clara todo esse tempo cortava o meu coração, nenhuma mãe merece ficar longe dos filhos contra a vontade. Eu conseguia de certa forma acompanhar as músicas que Lauren compunha na Europa, ela não deixava de protestar o que me enchia ainda mais de gás. Por Deus, como eu me orgulhava daquela mulher!

O fato é que nunca tivemos nada e eu não sei em que momento eu me apaixonei por Lauren e nem se era recíproco. Eu sabia que me declarar para ela não era o problema, até porque ela não era o tipo de pessoa que se importava com homossexualidade. Nesse momento algo me despertou dos meus pensamentos, era o momento do seu desembarque. Lauren estava voltando ao Brasil de cabeça erguida. Sabíamos que a ditadura estava sendo enfraquecida aos poucos. Todos estavam aqui. Lúcia, Dinah, Normani, Clara, Michael e eu.

One Shots - CamrenWhere stories live. Discover now