— Senhor Ramone, senhorita, é um prazer recebê-los hoje à noite — a moça, Valery, como informa o broche, nos cumprimenta, entregando-nos os cardápios. — Me avisem quando decidirem.

Ela se afasta e eu abro o menu; quase engasgo quando vejo os preços. Volto a fechá-lo.

— Você devia aproveitar e pedir tudo o que tem aí — Antony diz, brincalhão. — É por conta da casa.

— Fica para a próxima. Eu ainda estou meio enjoada, não quero vomitar na mesa, nem nada do tipo.

Ele ri, levantando as mãos em sinal de rendição.

— Sendo assim, não vou me opor.

Quando Valery volta, deixo a escolha do jantar por conta de Antony. Ela nos deixa com copos de água, alguns pães, e logo se afasta outra vez.

Gera-se um silencio na mesa, e fica mais constrangedor a medida que Antony não desvia o olhar do meu. Eu mantenho o olhar, decidida a não ser a primeira a ceder. Ele relaxa na cadeira acolchoada, erguendo sua sobrancelha irritante. Não pisca. Desisto em menos de um minuto quando meus olhos começam a arder e ele ri, piscando um olho para mim.

— Seus amigos não vão sentir sua falta na praia? — decido romper o silêncio.

— Duvido muito. E por falar nisso — ele se inclina um pouco para frente —, não acredito que você foi mesmo.

— E não era para ir? — questiono.

— Era, sim, mas confesso que não achei que iria. Você só comparece aos eventos da escola. — Antony não diz isso em tom de deboche. Soa neutro, normal. Ele está apenas constatando um fato. — Mas você mencionou um suborno, certo?

Minhas bochechas queimam de vergonha. Ainda não consigo acreditar que deixei isso escapar.

— Só foi uma coisa que minha irmã disse que me daria se eu saísse hoje. Ela anda meio frustrada comigo porque não consigo ser uma adolescente... "normal".

— E o qual seria a definição de adolescente normal para a sua irmã? — ele pergunta, parecendo interessado de verdade.

— Que eu fosse uma versão feminina do Colin Tate — eu digo e ele ri.

Uau. Festas, bebidas e garotos, então.

— O que é ridículo. Eu nunca conseguiria tomar todo o álcool que Colin ingere sem entrar em coma alcoólico.

Antony é interrompido no meio de uma gargalhada com a chegada de nossos pratos e bebidas. É salada de fusilli, cheio de legumes, queijo e frango desfiado. O garçom nos serve, desejando-nos uma boa refeição.

— Por que você está fazendo isso? — pergunto um tempo depois, logo após algumas garfadas no prato.

— Isso o quê? — indaga distraído.

— Sendo legal comigo. É estranho.

Antony suspira e larga o garfo, tomando um gole do suco antes de voltar os olhos para mim.

— Você fala como se a gente sempre tivesse se odiado.

— Antony, não se faça de desentendido. Até antes do recesso você vivia implicando comigo. Ou você, de repente esqueceu que somos como cão e gato? — Estou exagerando, eu sei. Só quero entender o que está acontecendo aqui.

— Mas isso não quer dizer que eu te odiasse, Lia. Eu só gostava de irritar você — ele me lança um sorriso de lado.

— Ah, claro, porque isso é muito reconfortante de saber — debocho.

— Vou ser sincero — ele diz, e eu presto atenção. — Eu sempre te achei inteligente e uma pessoa legal, o problema sempre foi comigo. Sério. Acontece que eu queria muito ganhar as eleições do grêmio naquele ano, não por motivos diplomáticos como você, admito, e quando não aconteceu o meu eu adolescente idiota descontou a frustração em você. E depois, quando entendi que você não tinha nada a ver com isso, eu já estava... meio que acostumado a te ter irritada comigo no meu dia. — Antony ri, parecendo lembrar de alguma coisa — Você lembra do nosso trabalho no segundo ano, da Ivana?

Gemo com a lembrança. Ivana tinha nos posto em dupla para um trabalho de literatura. Era bem simples: recitar versos de um poema extenso. Mas acontece que Antony não levou nada a sério. Ele não queria decorar suas partes do texto, queria aparecer com o papel em mãos e ler! Eu lembro de discutir com ele, e me preparar para apresentar o poema inteiro sozinha. Então ele apareceu no dia, como se nada tivesse acontecido, falando suas partes decoradas com perfeição.

— Meu Deus, você me tirou do sério — comento, passando a mão da testa, quase lembrando da dor de cabeça que ele me causou.

— Eu nunca ri tanto na minha vida como naquele dia quando cheguei em casa, lembrando de você querendo me agredir com aquele livro.

Inexplicavelmente eu rio um pouco também. Vendo agora, a minha atitude foi um tanto exagerada, de fato.

— Mas o que você quer dizer com isso, exatamente?

— Eu vou chegar lá, apressadinha. Então foi aí que eu percebi que nunca desgostei de você de verdade. E nesse recesso eu tive uma experiência com meu avô, sobre lembranças e essas coisas. Sobre as impressões que você deixa nas pessoas. E eu notei que não queria terminar esse ano deixando você com a má impressão que tem de mim.

Encaro Antony Ramone aqui, nessa mesa, no terraço de um restaurante chique, sob as estrelas e com uma das sinfonias de Beethoven soando ao fundo. Ele está certo. Provavelmente terminaríamos a escola sem nunca termos tido uma conversa agradável um com o outro. E no futuro, se alguma vez eu me pegasse pensando sobre meus anos no ensino médio, ele seria sempre lembrado como o atleta irritante e mimado que me tirava a paciência.

Eu quero perguntar qual a impressão que ele tem de mim, mas não tenho coragem. Talvez não seja tão ruim, se ele está tentando se redimir por tudo. E a verdade é que não posso colocar a culpa toda nele. Eu também não facilitei as coisas. Sempre o julguei pelo o que ele aparentava ser, pelo o que eu acreditava que ele fosse.

Diante do meu silêncio, Antony me dá um sorriso e volta sua atenção para a comida.

Quem é você de verdade, Antony Ramone?, a pergunta vem na ponta da minha lingua, mas a engulo de volta bem a tempo de não cometer este deslize.

Será que eu quero saber realmente quem ele é?

Cada Vez MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora