Distante o bastante para flutuar no mar seco e estrondoso.

Um zumbido elevado e metálico foi seguido pelo ruído de uma chave virando-se e uma maçaneta abrindo uma porta leve a ponto de não emitir som. Meus olhos estavam fechados, lacrados por inúmeros desesperos, e o medo corrompia-me pouco a pouco. O corpo estava dolorido como se tivesse sido jogado literalmente aos cães. Quando a coragem de fazer os cílios desgrudam-se uns dos outros aflorou, fora derrotada de imediato ao ouvir a mesma voz doentia que tentou separar-me de meu pai. Esta que, naquele singelo ar metódico e marcado de devaneios, pude sentir queimando-me ao salientar que era o mesmo timbre do qual buscava matar-me há semanas. Senti uma agulha adentrar minha derme e surfar até a veia que se saltou ainda mais. A dor era como rosas cálidas, sem cheiro, sem vida, sem nada.

— Senhor Jeon — o homem chamou e o eco da maçaneta novamente preencheu o local.
   Poucos segundos depois, a escuridão debateu-se como os estímulos perturbadores da maldita perfuração diabólica.

— Sentimos muito, mas acreditamos que seu filho pode não resistir ao novo processo — voltou a dizer, colocando-se na frente quando papai tentou adentrar o ambiente para ver-me. Os pontos cardíacos, na tela ao lado da maca, passaram a mostrar uma única linha.

Minha vida pareceu passar como um fio de navalha, como se meu destino, desde o início, fosse finalizar exatamente ali, naquele quarto bege e sem graça. Diante a maca que estava quente comparada a meu corpo, clamei por um momento a mais, talvez uma nova chance de sobreviver. Não queria morrer daquela maneira.

No primeiro segundo, todo sinal de dor havia desaparecido e uma luz destacou o cenário paradisíaco que se formou ao final da escuridão fúnebre pela qual atravessava em alta velocidade, desencadeando um misto de tranquilidade, prazer, contentamento e bem-estar. Sensações estas que alguns chamariam de indescritível. Durante o quinto estágio, senti que estava fora de meu corpo, por um tempo via-o estirado sobre a maca metálica.
    O sistema nervoso central era responsável pelo sonho, o que poderia causar tais fenômenos. Então seria apenas minha imaginação percorrendo o corredor que esboçava os momentos marcantes de minha vida? Devido àquele cruel florescer de lembranças, sorrisos e caretas, acampamentos e noites em claro lendo um bom thriller, observando as experiências novas de meu irmão e matando-me para seguir as exigências de papai, um enjoo torturante revirou-me o estômago.
   O penúltimo segundo pareceu fazer meu corpo vibrar feito um aparelho celular implorando para ser atendido, como se quisesse que eu parasse de flutuar e regressasse ao jovem Jeon Jungkook deitado no mais profundo desespero interno. E quando mais sete cessaram, era como se meu corpo estivesse recarregado e tivesse sido reiniciado, a pele alva coloriu-se não apenas pelas linhas esverdeadas que saltaram, mas por um tom mais escuro que o costumeiro. Qualquer dor que existira havia partido como se eu sequer a tivesse sentido.

— Você precisa abrir os olhos. — Autoritária, a voz feminina fora rude naquele momento, fazendo-me abrir finalmente os olhos.
 
Tudo à minha volta estava tomado pela vegetação densa e obscura de uma floresta que de certa forma parecia familiar. Eu já estive ali, pensei convicto. Levantei-me e limpei a roupa branca que me envolveu, retirando o acúmulo da terra amarronzada que se formava na área do abdômen.

— Eu estou aqui, Jeon — soou atrás de mim. Entretanto, aquela não era a costumeira mulher que me atormentava, era conhecida e estava tão arrependida que poderia sentir em meu interior.
   Virei, procurando-a e o muro extenso e alto voltou à minha frente, o mesmo que vira mais cedo.

Algo bateu na porta, fazendo-me acordar do pesadelo estranho e incompreensível. Mortos-vivos não conseguiriam encontrar tão facilmente o segundo andar, não somente por ter a ausência dos resquícios humanoides, mas por não terem desferido um só golpe barulhento, mesmo que somente uma pancada em um obstáculo qualquer. Novamente algo estremeceu a porta, desta vez, incontrolavelmente.

— Que porra? — Taehyung questionou, levantando-se desesperado, assim como os demais.

— Fale baixo — sussurrei. — Venham para esse lado. — Apontei para a parede onde tinha a única saída. — Precisamos ser rápidos.

Nenhum sinal de vida fora mostrado quando a porta se abriu, nenhuma silhueta se formou na oscilação do iluminar, apenas o silêncio outra vez. Em contrapartida, bombas de fumaça invadiram, arremessadas para dentro sem piedade.

— Cubram os narizes. — Tossi, buscando abrir a minúscula janela à minha frente.

O gás usado para atingir multidões descontroladas devido à sua propagação lenta e, principalmente sem letalidade, atingiu-me as narinas, irritando-as instantaneamente junto à queimação nos olhos e lábios, além da pele parecer soltar dos ossos.

— Hoseok! — Namjoon gritou, arrastando-se de encontro ao médico que fora o primeiro a despencar brutalmente de encontro ao chão.

— Droga.

Em questão de segundos, todos começaram a desabar gradativamente, um após o outro. Não pela ausência de proteção contra o ataque de súbito, mas porque a fumaça penetrava cada porção de ar ao nosso redor, transformando tudo em uma sinfonia insana e tempestuosa. Minhas orbes, no primeiro momento, queimaram como quando descascava uma cebola, antes da sensação ser substituída pela cegueira temporária. E nada, absolutamente nada, poderia romper o desespero aprisionado em meu peito.
  Para piorar o cenário similar a quando maratonava programas policiais, pude sentir um joelho mal-intencionado me empurrando contra o assoalho empoeirado. Meu rosto deslizou quando a pressão se intensificou, lesionando parte da têmpora esquerda.

— Perdoe-me, filho — a voz de meu pai propagou-se como um sussurro. Permitiu um calafrio percorrer da ponta de meus pés até o fio mais alto dos meus cabelos. Aquela voz não estava somente em meus sonhos, ela era real.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMDonde viven las historias. Descúbrelo ahora