FOUR

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Nuvens carregadas indicavam que logo uma precipitação envolveria o céu tristemente. Uma névoa fria e lúgubre baixou no veículo percorrendo cada centímetro quadrado e embaçando completamente a janela por onde eu enxergava perfeitamente horas antes o embasbacar dos pássaros que voavam para um destino pouco melhor, caso existisse. Durante toda a tarde percorremos pela interestadual que, a partir daquele ponto, encontrava-se vazia. Teria a população escutado o comunicado e apenas se escondido por trás das cortinas? Ou tornaram-se um ser sem alma nos primeiros momentos de terror e ao menos gozavam de uma saída? Refleti sobre isso quando recostei o rosto sobre o vidro marcado pela melancolia trazida pelas digitais que se espalhavam pela superfície transparente.

  Taehyung tentou por átimos um sinal que fosse para fazer o rádio funcionar, mesmo que pouco. Procurou por qualquer estação que não estivesse morta como as pessoas, todavia, o chiado era recorrente. Assim, conformou-se pela desesperança. Porém, Seokjin voltou a se empenhar na busca. O capitão estava convencido que estava cedo demais para desistir. Estacionou o automóvel o mais afastado das árvores que conseguira, no parqueamento de uma loja qualquer de calçados. Kim suspirou, assim como eu, em alívio ao notar um rastro de voz falhada soprar palavras que se repetiam várias vezes: uma mensagem gravada.

    Olá, cidadãos. Se está ouvindo ess... Sou o tenente... da Delegacia de Wise Cit... Em nossa... temos mantimentos e... Caso esteja próximo a mim, ainda exist... um lug... seguro.

A transmissão finalizou após a quinta vez, embora meu irmão almejasse uma boa frequência para que pudéssemos ouvir perfeitamente aquelas palavras, ainda que gravadas. Perdia-me por entre a possível longa distância ao rememorar que a cidade mencionada ficava há alguns quilômetros de onde estávamos.

— Vocês ouviram? — meu irmão indagou e seus olhos se revestiram de esperança mais uma vez. — Precisamos ir até essa delegacia.

— Não seja tolo, Taehyung. — Seokjin manteve o olhar fixo ao amontoado de sapatos jogados na calçada devido à quebra da vitrine. — Isso não passa de uma mensagem gravada que mal conseguimos ouvir por completo. — Virou-se para meu irmão. — A probabilidade de ainda existir algo naquele lugar é quase zero. Você viu o que aconteceu com a quarentena.

— Para mim é uma ótima possibilidade — finalmente permiti que meu pensamento interrompesse a conversa. — É uma delegacia e realmente há armas, não apenas uma faixada. Afinal, o que temos a perder?

— Você — Jin murmurou baixo, quase inaudível. Contudo, os lábios avermelhados do capitão não poderiam estar mentindo quando os li através do espelho.

Eu? Pensei, recostando novamente sobre o banco. O que todos sabem que eu não sei?

— Realmente, Seokjin. Grande perda para uma sociedade em colapso: três sobreviventes sem rumo. — Voltei a balbuciar uma ironia para não me perder em pensamentos questionáveis e duvidar da credibilidade do que restava da minha família. Evitei os olhos perfurantes de ambos. — Já pensaram que talvez seja nossa única opção?

— Ele tem razão, Seokjin — Taehyung disse e depositou a mão sobre a coxa do outro.

— Até no caralho do apocalipse eu seguro vela. — Revirei os olhos antes de gargalhar.

Taehyung fora o primeiro a conhecer o capitão e, por muitos meses, teve sentimentos por ele. Talvez tenha sido o seu primeiro amor, daqueles de que você jamais se esquece. Quando descobri, enquanto procurava por anotações sobre uma matéria que havia perdido no caderno de meu irmão e me deparei com um desenho de coração colorido em tons pastéis e as iniciais T e S dentro dele, não conseguia parar de fazer piadas. O gosto de ver meu irmão irritado era saboroso demais. Em contrapartida, Seokjin nunca mostrara quaisquer sentimentos senão carinho como um irmão mais velho. Lembro-me de que fora durante esse período que Taehyung descobriu sua verdadeira orientação sexual e afirmou, batendo no peito, que sofrer por homens era muito pior, já que nunca havia sentido nada similar por uma garota.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora