TWENTY FOUR

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Os últimos acontecimentos pareciam ter vindo como um turbilhão de cenas de filmes norte-americanos. O veículo que dirigia, após a colisão cruel contra o gradeado, entrou em um estágio que ia além das janelas estilhaçadas e arranhões na lataria, apresentou uma perda total segundos depois de uma cortina de fumaça transpassar pelo capô entortado. E, para melhorar a nossa sorte, devido ao número reduzido de passageiros possíveis, necessitamos deixar o outro para trás. Junmyeon julgou mais correto permanecermos juntos ao invés de um grupo seguir por terra e outro sobre rodas. Embora minha mente criasse as mais macabras sensações de culpa, não me arrependia de ter batido contra as grades. Na verdade, algo dizia-me que as baboseiras fantasiadas em meu subconsciente não eram realmente injúrias de minha parte, pois antes do despertar daquele alvorecer mortal, sequer as tivera.
  Enquanto caminhávamos por entre os corredores, algo chamou-nos a atenção, uma porta estranhamente discreta ao final do passadiço. O cheiro que atravessava pela única fresta abaixo de si, beirava o inimaginável. Este que fez-me rememorar uma excursão organizada pelo quartel onde meu pai era comandante, ao passo que o odor calamitoso do abatedouro que visitamos era análogo àquele. Lembrei-me também de que o edifício fora fechado há cinquenta e oito anos por causa de um escândalo de assassinato. O dono do local havia matado sua esposa com vinte e sete punhaladas, usando uma faca de modelo questionável, perante a justificativa de criar façanhas em sua mente sobre a mulher que, por sua beleza extravagante, o homem dizia estar traindo-o com algum de seus funcionários. Para o choque de muitos, Paul Todd enterrou sua mulher, ainda viva, no último andar do edifício que continuou utilizando por mais três anos. Médiuns diziam que a alma de Sarah Todd vagou durante anos, junto à infestação de animais abatidos por ali. Embora o odor não fosse o pior que eu já senti, era inevitável não tampar meu nariz instantaneamente.

— Oh! Esse lugar cheira pior que o Yoongi — Namjoon disse.

O comentário foi o motivo perfeito de forma a tentar quebrar a tensão refletida nos ombros arqueados de todos nós.
   “Necessitamos de algo distante para não nos perdermos no próximo”, a frase perpetuou por entre meus lábios sussurrando internamente. Aquelas foram as últimas palavras que meu amigo do Brasil disse antes de jogar-se de cabeça em seus maiores sonhos. Talvez aquela piada pudesse ser considerada algo longínquo, correto? Ou talvez fosse apenas eu buscando um motivo para ignorar as inseguranças que me aprisionavam, fitei os garotos sorrindo que, mesmo estando à deriva de uma morte batendo literalmente à nossa porta, estavam contentes em estarem juntos. E, naquele momento, percebia o quão importante era uma família, sendo de sangue ou uma que escolhemos durante a vida e isso fez-me lembrar da palavra Ohana, trazida à tona seu significado, por um dos filmes da Disney. Um de meus favoritos, esbocei novamente o sorriso sincero diante a recordação de Taehyung apresentando-me a animação.

— Eu jurava que isso era impossível. — Jonghyun sorriu, apoiando-se em Jin, pois seu ferimento permanecia em uma gradativa melhora, principalmente depois da colisão.

— Meu namorado é cheiroso. Parem com isso — Hoseok defendeu o moreno antes de esconder o gargalhar exalado por uma piada pronta. — Ele apenas se esquece do senso de limpeza de vez em quando.

— Jung Hoseok? — Yoongi esboçou um olhar incrédulo para o namorado que não conseguia mais esconder o risinho contagiante e nasalado.

Um barulho aflorou atrás do metal já lacrado por Junmyeon, unhas arranhavam a porta de maneira desajeitada, o que nos fez cessar os comentários. O barulho se assemelhava ao ritmo de uma das músicas que ouvimos no Maverick. Fiz um sinal para prosseguirmos e sobre os ombros bem malhados de Jimin, pude ver outro corredor, dessa vez, largo e longo o suficiente para termos que aumentar a velocidade e cheio de janelas de vidro que nos possibilitavam ver uma sequência de objetos similares a caçambas de lixo. Meu estômago embrulhou de forma a fazer-me querer despejar os poucos alimentos que ainda residiam nele quando o conteúdo dentro deles se mostrou: pernas dilaceradas e picotadas em pedaços, braços pálidos, mas não o bastante para provar serem de mortos-vivos, empilhavam-se verticalmente e se prendiam aos inúmeros vergalhões no topo das paredes e abdomens ulcerosos enfileirados como peças de manequim prestes a serem expostos uniam-se ao gotejar medonho e coagulante do líquido viscoso, formando uma poça de morte. Em contrapartida, em cima de uma mesa, dedos cortados feitos cubos de legumes sobre pratos cujos talheres ensopados por pedaços estranhos de pele o acompanhava em uma completa e macabra carnificina. Ainda eram pessoas. Seres humanos.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora