Não irá demorar nem dois segundos.

O meu subconsciente tentou convencer-me e aceitei o seu conselho. Peguei na maçaneta, girei e empurrei a porta, tendo a visão de um cómodo repleto de quadros de pintura e tintas.

Instantemente lembrei-me de quando me esbarrei com Haden pela segunda vez numa curva qualquer. Ele tinha uma sacola plástica cheia de materias de pintura. Ele pinta. E muito bem. Não sabia nada sobre essa área, mas sabia reconhecer uma coisa bonita. Apesar de serem um pouco estranhas…

— O que faz aqui? — levei um susto quando escutei a voz de Haden ao meu lado.

— Meu Deus! — gritei, com a mão no peito. — Porque apareceu assim? — o dei um pequeno tapa no ombro. — Eu podia ter uma paragem cardíaca agora mesmo sabia?

— Não exagera — desdenhou.

Fiquei calada, o encarando. Os seus cabelos castanhos estavam um pouco húmidos, fazendo-me concluir que ele estava no banho.

— O que se passa? — redarguiu, estranhando o meu silêncio.

— Não está zangado comigo?

— Porque estaria zangado com você?

Gesticulei ao redor e falei:

— Por entrar aqui.

Ele deu de ombros.

— Na verdade, já sabia que você é fofoqueira e eventualmente encontraria esse lugar — não perdeu tempo em provocar-me.

Indignada, abri a boca e voltei a fechar.

— Fofoqueira? — repeti, com os braços cruzados. Ele segurava o riso. — Eu não sou fofoqueira. Sou curiosa. A uma enorme diferença aí.

— Se prefere se iludir assim, tudo bem.

— Besta — murmurei, enquanto olhava ao redor. Até que um quadro chamou a minha atenção. Quase que escondido num canto. Andei na sua direção e peguei, a avaliando. Era uma daquelas pinturas esquisitas, onde haviam homens estranhos. Alguns nus e outros com pedaços de panos tampando as partes íntimas. — O que é isso? — questionei.

— Uma pintura romana.

Vendo uma oportunidade para retribuir a sua provocação, apontei para a parte íntima de um homem no quadro.

— É impressão minha ou você inspirou-se no tamanho do seu… — não terminei por conta da vergonha, mas sei que ele entendeu. — Para pintar isso?

Ao invés de ficar tão irritado quanto eu, o mesmo apenas riu. Riu tanto que quase ficou sem ar, os seus olhos até estavam vermelhos e lágrimas no canto dos seus olhos.

— Porque está a rir? Deveria se sentir ofendido — fingi estar irritada.

— É que achei muito engraçado.

— Mas não deveria.

Ele limpou o canto de os seus olhos e pegou no quadro, para deixar num canto. Abraçou os meus ombros e guiou-me para porta afora.

— Não fica assim. Você pelo menos tentou — beijou o meu pescoço, fazendo-me desenvencilhar dos seus braços por conta do arrepio que senti. — Porque está a fugir? — brincou.

— Quero distância de você — menti.

Ele jogou as mãos para trás em rendição.

— Está bem — deu três passos para trás. — Assim está bom?

— Muito.

— Então, eu não sei cozinhar por isso encomendei comida. Pode tomar banho enquanto fico a sua espera na sala. Ok?

— Sim, pode ser — o dei as costas e comecei a andar em direção ao quarto onde estava.

Antes de tomar banho, abri o armário que ali tinha e encontrei a minha roupa limpa — como eu já previa.

Fui tomar banho, usei a roupa limpa e fui até o encontro de Haden. No início, comemos em silêncio por minha causa, já que eu havia pedido distância — e ele deu mesmo —, mas eu não aguentei com o meu próprio pedido e tratei de puxar assunto. É claro que ele não falou logo comigo, dizendo que estava extremamente magoado com a minha atitude, apenas para me sabotar.

— Você está a ser mau — resmunguei, a levar o pedaço de piza até a boca. — De propósito.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Só estou a fazer o que você pediu.

— Eu estava a brincar, e você sabe disso. Bastardo.

Ele riu.

— Eu não sei nada sobre você — soltei, de forma aleatória. Como se tivesse me apercebido desse facto agora.

E o ambiente subitamente, foi preenchido por um silêncio pétreo. Ele já não tinha o mesmo sorriso que minutos atrás.

— Também não sei nada sobre você — devolveu, de forma amarga e sem pensar muito abri a boca no segundo a seguir.

— Chamo-me Falyn Lake, irei completar dezoito anos daqui a alguns meses e antes de viver no orfanato, vivia numa casa com os meus pais. Éramos felizes até minha mãe descobrir que tinha câncer incurável e morrer. O meu pai ficou distante de mim, e maior parte do tempo tratava-me como se eu não existisse, acho que eu lembrava muito a minha mãe e isso dava cabo dele — não sei exatamente porque estou a contar isso a ele, mas decidi continuar. — E então, numa bela manhã de quinta feira, ele levou-me para igreja. Disse que era para tentarmos encontrar a nossa paz de novo. Quando chegamos, fomos nos sentar e minutos depois ele disse que precisava atender uma ligação lá fora e bom. Foi a última vez que o vi. Lembro de o ter procurado por tudo que era canto, até desistir e sentar nas escadas da igreja com o rosto molhado de lágrimas… e uma senhora perguntou o que se passava. Contei tudo e ela disse que cuidaria de mim — o rosto da Sra. Rebeca apareceu na minha mente, fazendo-me torcer a boca em desgosto. — Mas, enfim. Essa é a minha história.

— Sinto muito por seu pai — foi a única coisa que ele disse, e apesar do clima estranho, pude sentir o afecto nas suas palavras.

— Não sinta. Ele foi um babaca covarde — disse, dá forma mais rancorosa que consegui. Mesmo depois de já se terem passado anos, ainda o odeio. — Agora, fale-me um pouco sobre você.

Ele não estava a olhar para mim agora. O garfo na sua mão parecia mais interessante que qualquer coisa ao seu redor.

— Haden — o chamei.

— Não tenho nada para dizer — murmurou.

— É sério? — desacreditei.

— Acho que já está tarde — olhou para o seu pulso, mesmo que não tivesse um relógio. — Estou com sono.

Cruzei os braços, com uma cara de poucos amigos.

— Qual é o problema de contar-me? — exigi uma resposta. — Não confia em mim?

O mesmo suspirou, frustrado.

— Já está tarde — repetiu, irredutível.

— Não acredito nisso — levantei-me, e andei em direção ao quarto. Desiludida comigo mesma por achar que só porque o contei uma parte da minha vida ele faria o mesmo.

Fechei a porta com um pouco de força e sentei-me na cama. Refletindo sobre o que aconteceu. Sinceramente? Ele tem a razão dele. Haden não é obrigado a me contar nada e não podia ficar irritada com isso. É uma atitude estúpida. Não podia o forçar a nada, porque ele não fez isso comigo. Eu abri a boca de pura e espontânea vontade.

Precisava pedir desculpa a ele e faria isso amanhã.

NeutroWhere stories live. Discover now