Parei todos os meus e uma certa nostalgia atingiu o meu corpo com força. 

Só agora havia reparado que não havia visto uma figura materna nessa casa. A mãe deles havia morrido. Tal como a minha. E eu entendia a dor que transparecia no rosto da garota a minha frente. Por isso pousei a minha mão em cima da mesa para ela segurar e a mesma ficou surpresa pelo meu gesto repentino de afeto, mas não recusou. E apertou a minha mão de volta.

— Eu amava tanto ela — a sua voz se quebrou, mas ela não chorou. — Doeu tanto a perder.

— Não fica assim — a minha voz saiu afetada também. Aquela era o tipo de dor que não se desejava para ninguém.

Ela não falou mais nada e no segundo a seguir soltou a minha mão.

— Eu vou para o meu quarto dormir. Boa noite.

Se levantou e foi embora. A deixar-me só naquela mesa e eu logo entendi que ela queria chorar sozinha. Senti-me mal por respirar de alívio quando fiquei sozinha na mesa. Não me sentia preparada o suficiente para dar algum conselho ou apoio a irmã do homem que me sequestrou, apesar dela não ter culpa e ser legal.

A verdade é que eu não sei como me comportar ao lado dela emocionalmente. Se devo deixar o meu lado bom falar mais alto ou agir de acordo com as circunstâncias que seriam: de forma fria porque não sei por quanto tempo irei ficar ali. E se, de alguma forma, conseguir fugir não quero sentir saudades de nada que me lembre esse pesadelo.

Terminei de comer tudo que havia colocado no meu prato e decidi aproveitar a ausência dos homens que viviam na casa para explorar mais o lugar. Primeiro fui para cozinha — o único lugar naquela loucura que valia a pena — fui para a lavandaria, ginásio, biblioteca e já me sentia cansada. Não imaginei que a casa fosse tão grande. Eles devem produzir dinheiro para ter tudo isso, não é possível. Eu vi coisas que só pensei que veria numa outra vida, quando reencarna-se num outro corpo.

Quando fui para o andar de cima em direção ao meu quarto vi uma porta entreaberta e a curiosidade falou mais alto.

Olhei para esquerda e direita para certificar-me de que ninguém me veria. No momento em vi que a barra estava limpa empurrei a porta e um cheiro familiar preencheu as minhas narinas. Quarto do Theron. Legal.

Ele tinha paredes brancas, armário cinzento, criado mudo, cama casal. Tudo simples. A única coisa que me chamou atenção foi o criado mudo onde havia vários porta retratos. Aproximei-me melhor e peguei num aleatório onde tinha uma mulher de cabelos ruivos e com um sorriso contagiante a segurar um buquê de flores. Ela aparentava estar na casa dos vinte anos naquela altura porque as roupas eram bastante diferentes das de agora, mas a mesma era muito bonita.

Essa mulher era muito parecida com Theron. A versão feminina dele e não precisei pensar duas vezes para perceber que Greta havia levado os traços do pai, mas ainda tinha uma característica da mãe que eram os mesmos olhos, ocre.

Peguei outra e nessa a mesma mulher abraçava os ombros de um garotinho com um sorriso do tamanho do mundo e com um dente em falta. Apesar de odiar Theron e o facto de ter-me trago para aqui, em segredo, permite-me achar o mesmo  muito fofo.

Numa outra foto estavam os dois irmãos juntos abraçados a sua mãe como se ela fosse o mundo deles. E não tenho dúvidas de que era mesmo.

Em todas as fotos eles estavam com os mesmos sorrisos. Com as mesmas expressões de felicidade. E isso porque em nenhuma delas o Sr. Robert estava presente.

Não pude ignorar o sentimento súbito de inveja que senti. Eles tiveram a sorte de deixar marcado com ela todos os momentos que viveram juntos. Sempre que eles sentissem saudade podiam olhar para as fotos e sorrir. Coisa que eu nunca poderia fazer porque a medida que vou crescendo, por mais que não queira, o esquecimento é inevitável. Os traços da minha mãe irão desaparecer ao longo dos anos.

NeutroWhere stories live. Discover now