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Quando eu era pequena, minha mãe sempre dizia que eu deveria encarar as situações da vida com um olhar positivo, pois nada podia piorar ao ponto de ficar insuportável. "Nós só recebemos a cruz que aguentamos carregar", costumava metaforizar. Bem, parece que dona Ana estava errada.

Para começar, ela tinha morrido de um jeito muito estúpido para que eu pudesse aceitar. Então, Nelly foi assassinada em nossa casa e a imagem de seu corpo estendido no carpete não sai de minha mente. Como se já não fosse o bastante, recebo agora a notícia de que o meu pai está morto. Como tudo isso pode ter acontecido comigo?

Por que comigo?

Um cheiro forte atinge minhas narinas. Desperto aos poucos e a primeira coisa que vejo são os olhos felinos de Laoghaire. Lean está ao seu lado e é ele quem me apoia para me sentar. Estou em um estofado de couro e minha cabeça ainda dói. Quero fingir que não sei o que está acontecendo, mas é impossível ignorar o que me foi dito. Meu pai está morto.

— Como isso aconteceu?

As palavras saltam de minha boca. Laoghaire deixa o lenço que tem em mãos sobre uma mesinha de centro bem na minha frente e passa a me encarar.

— Não sabemos ainda. Fomos acionados pelos vizinhos que disseram tê-la visto entrando na casa minutos antes do ocorrido. Quando chegamos, a porta estava aberta e o seu pai no sofá com uma bala na testa — ela faz uma pausa dramática. — Não pudemos fazer nada.

Sinto-me revoltada. Duas mortes. Duas pessoas da minha família. Duas suspeitas sobre minhas costas. Abaixo a cabeça, pensativa. Nada disso parece fazer sentido.

— Eu já tinha saído. Lean estava comigo.

— Sim, ele já nos contou e estamos averiguando a veracidade dos seus álibis. — Laoghaire se levanta, voltando ao normal. O seu normal. — Acredito que você esteja correndo perigo, Charlotte — diz ela, de repente. — Se não é você quem está fazendo isso, então alguém tem motivos o suficiente para querer aniquilá-la.

Dou um riso irônico. Só agora ela percebeu isso? Tenho vontade de lhe dizer muitas coisas, mas fico em silêncio, pensando em tudo o que está acontecendo em minha vida. Estou sozinha no mundo. Só me restou Jayden e eu nem sei onde ele está.

Quando penso nele, um engulho vem até minha garganta. Levanto a cabeça e encontro os olhos calmos de Lean. Bem, não posso ser hipócrita. Eu também o tenho. Mesmo assim, não posso deixar de pensar em meu primo. Tudo parece tão confuso que nem sei explicar.

— Não sou só eu quem está correndo riscos. Você ainda não me deu notícias de Jayden.

Ela franze a testa, visivelmente incomodada com minha colocação. Então, aponta a porta de maneira prática:

— Ainda não sabemos nada sobre ele. Se me dão licença, temos muito trabalho pela frente. Vou pedir para que os escoltem e vou reforçar a segurança do seu prédio — ela diz olhando para Lean. Depois sorri para mim. — Ele me disse que está ficando em seu apartamento.

— Temporariamente — apresso-me a dizer.

— Continue lá. Neste momento, não é bom que fique sozinha.

Prefiro não contestar. Não tenho cabeça para isso. Meu mundo ainda está girando de forma intensa. É muita coisa para processar. Pouco tempo depois, estou voltando com Lean para o apartamento. Ele desiste do consultório para ficar comigo. Deve estar achando que vou explodir a qualquer momento, e ele não está errado.

Penso nas palavras de Laoghaire... "Neste momento, não é bom que fique sozinha". Qual o conceito dela de "sozinha"? Porque posso ter uma multidão ao meu redor, no fundo, eu ainda vou estar sozinha.

Não existe solidão pior do que a de dentro de nós.


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⏰ Last updated: Dec 20, 2018 ⏰

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O Quarto ao LadoWhere stories live. Discover now