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Jayden foi o primeiro a se mover.

Ele saiu em disparada em direção à escadaria e eu, movida pelo calor do momento, segui-o. Senti a visão turva e um zumbido pavoroso no ouvido, pois, quando alcancei meu primo, parado na metade da escada, pude avistar o corpo desfalecido de Nelly próximo a porta de entrada.

Uma poça escarlate emoldurava-a e olhando-a como se aquilo fosse uma espécie de obra mórbida de Van Gogh, um homem robusto de estatura mediana com a mão direita empunhada de uma pistola estava parado na entrada.

O tio de Jayden se debatia, mais para a direita da sala, sendo segurado por dois homens altos e musculosos. Podia ver o desespero estampado na face daquele homem, que gritava palavras incompreensíveis para mim na sua língua materna.

Contudo, Jayden parecia entender, tanto que deu meia volta e começou a me empurrar escadaria acima novamente. Assustada, apenas segui o fluxo, pois não assimilara ainda a imagem fúnebre reinando em nossa sala que, até pouco tempo, estava ocupada por adolescentes eufóricos com os hormônios a flor da pele.

— O que está acontecendo? — questionei, enquanto ele continuava me empurrando na direção do seu quarto.

— Você é burra ou quê? Não percebeu o que fizeram com a minha mãe? Vai logo, Charlie!

Deixei-me ser levada, uma vontade imensa de chorar se apoderou de mim, entretanto, eu sabia que se fizesse isso poderia nos comprometer seriamente. Os caras estavam subindo as escadas, podia ouvir os passos apressados deles. Jayden trancou a porta e abriu a janela em uma velocidade incrível, olhando para mim como se fosse me fuzilar.

— Vamos, Charlie, desce! — eu obedeci. Ainda estava com o pé dolorido e por isso fui bem devagar, cuidando para não errar os degraus da velha escada e despencar de novo. A porta do quarto começou a ser malhada, a qualquer momento aqueles homens estariam dentro, por isso eu precisava ir mais rápido.

Jayden começou a descer, mesmo que a escada fosse frágil demais para aguentar nós dois. Quando cheguei em solo firme, ele pulou os últimos degraus, quase caindo em cima de mim, e começamos a correr para a área da piscina; precisávamos contornar a casa para eles não nos verem. Só escutamos o baque surdo da madeira quando a escada despencou no chão.

No processo de correr desenfreadamente, comecei a mancar um pouco mais. O meu pé estava doendo muito e eu não conseguia acompanhar o ritmo de Jayden, que parou de correr e me lançou um olhar irritado.

— Anda logo, porra! — ele agarrou o meu braço com mais força e eu já estava com lágrimas nos olhos por estar forçando aquele pé. Pelo visto, tinha sido mais grave do que eu pensava. Na verdade, você sabe disso, não é mesmo?

— Não consigo, tá doendo... — gemi, pulando em um pé só. Não cai porque estava segurando em Jayden.

— Droga, Charlie! Droga! Não posso te deixar aqui — o tom de voz desesperado dele me fez ficar angustiada.

Um novo barulho de tiro se fez audível e eu estremeci. A cerca viva que separava nossa casa da do vizinho era bem baixa e se pulássemos, poderíamos chamar ajuda, por isso comecei a me aproximar dela sem dizer mais nada.

— Vem, podemos sair por aqui. Sra. Porter é tão velha que nem deve estar escutando essa bagunça toda e não vai nos ver sair pelo seu quintal.

— Eu não posso deixar o meu tio e a minha mãe para trás, Charlie — disse ele, para meu espanto. O que Jayden estava querendo dizer com aquilo? Não, não podia ser o que eu estava pensando.

— Mas... nós precisamos sair daqui, eles vão te levar e eu... Jayden, por favor!

Nesse instante, escutamos vozes dizendo "venham por aqui" e Jayden se aproximou de mim, pegou em minhas mãos e olhou profundamente em meus olhos:

— Pule e corra o mais rápido que puder. Procure ajuda, faça o que for preciso, mas fique viva — pediu-me, quase suplicante. As lágrimas se intensificaram, eu não estava preparada para aquele desfecho. — Vai, Charlie, por favor.

Sem dizer mais nada, eu me apoiei nos galhos mais fortes das murtas da Sra. Porter e impulsionei meu corpo. Jayden deu uma bela ajuda e assim me vi do outro lado sem dificuldades. Queria que ele viesse junto comigo, mas eu sabia que não conseguiria dissuadi-lo.

Comecei a correr no instante em que escutei a voz de um dos homens. Foi doloroso deixar Jayden para trás, mas eu precisa cumprir o que ele me pedira.

O quintal da Sra. Porter era bem grande e dava para o outro lado do bloco. Meu pé doía demais, por isso me escorava sempre que podia no intento de sair dali e chamar ajuda. Sabia que tinha um telefone público há dois quarteirões no ponto de ônibus escolar, então praticamente me arrastei até lá, chorando e tentando não pensar no que encontraria quando voltasse.

Contudo, alguém chamou a polícia primeiro. Um dos nossos vizinhos, provavelmente, um que não fosse tão surdo quanto a Sra. Porter. Quando consegui ligar, quem me atendeu disse que a polícia já tinha sido acionada.

Então, um tanto mais aliviada, voltei para casa.

O percurso foi longo.

Desgastante.

O que encontrei ao voltar foi um corpo desfalecido perto da porta de entrada e o mais completo silêncio.

Além da bagunça da festa que há muito findara.

Meu coração disparou e eu ainda teimei em procurar pela casa algum vestígio de meu primo, do seu tio, de todo mundo... mas não havia nada. Somente o corpo de Nelly estirado naquele carpete manchado de sangue.

Exausta, cai ao seu lado e comecei a chorar, esperando que a ajuda chegasse logo. Talvez pudessem encontrar Jayden e fazer alguma coisa por ele, pois para Nelly era tarde demais. Contudo, eu me enganei.

Quando os oficiais chegaram, eu não consegui reagir. Vi Nelly sendo posta dentro de um saco preto e em seguida sumiram com ela, enquanto alguns caras tiravam fotos da cena do crime e isolavam a casa com aquela maldita fita amarela. Faziam-me mil perguntas e eu, em provável estado de choque, não conseguia responder. Só dizia: eu não queria que isso tivesse acontecido.

Repeti essa frase um milhão de vezes desde então.

Isso não significava que eu tinha matado Nelly. Contudo, sentia que tinha uma parcela de culpa em tudo aquilo. Era inevitável.

Então, trouxeram-me para cá. Recebi os devidos cuidados e tenho repetido este depoimento sem parar. Logicamente, você é a única que teve o relato completo, desde o princípio.

Eu não sei onde está meu primo. Não tenho ideia do que aconteceu com meu pai quando chegou em casa, nem consigo me lembrar do rosto do assassino de minha tia e a imagem dela sendo levada naquele saco preto, como se fosse um monte de lixo, fica se reproduzindo em minha cabeça como um looping sem fim.

Agora, eu sou acusadade tê-la matado, mas acredite, eu não a matei. Então podem me perguntar de novoe de novo, essa é a minha verdade e você não vai conseguir me fazer dizer ocontrário. 

O Quarto ao LadoWhere stories live. Discover now