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— Então você está no último ano do colegial, correto? — perguntou o doutor Lean Heughan, anotando tudo de forma compenetrada num bloco de notas.

— Exatamente. Meus horários não são os melhores para o senhor, mas prometo ser bastante comprometida.

Para falar a verdade, eu não estava prestando muito atenção no que ele me perguntava. Eu sabia que era a minha chance de emprego, mas fala sério, quando vi o anúncio, não imaginei que o cara era tão gato! O doutor Heughan tinha acabado de se formar e pelo que me falou, só abriria o consultório na parte da tarde e início da noite por causa de seus "compromissos", fiquei morrendo de curiosidade para saber quais eram seus compromissos e se ele tinha namorada, mas não era assim tão sem noção, então mantive a postura séria do início ao fim.

— Bem, isso não é exatamente um problema. Meus horários também são diferenciados e acho que podemos nos entender em relação a isso — disse ele, ainda anotando em seu bloco.

— Entendo e acho que consigo sair uma hora antes do horário normal, pois já adiantei algumas coisas no ano anterior.

— Ótimo, para trabalhar aqui a única exigência é que vista roupas claras e não use muita maquiagem, você entende? Para passar uma imagem pacífica aos clientes. — Meneei a cabeça positivamente, olhando para ele fixamente. — Estou realmente precisando contratar alguém e confesso que você foi a pessoa mais qualificada que apareceu até o momento, mesmo que seja ainda uma estudante.

— Eu concordo com suas exigências, doutor. Realmente preciso desse trabalho, então pode contar que vou fazer tudo direito — tentei convencê-lo, sentindo-me ansiosa por sua confirmação de que a vaga era minha.

O trabalho em si era bem fácil. Eu deveria chegar por volta das quatro, abrir o consultório e atender a todos os telefonemas, anotando os horários de cada cliente e passando os recados importantes para ele, também deveria recepcionar os clientes quando chegassem até que fossem atendidos. Sairia às oito da noite e nos dias de menos movimento, poderia sair antes do horário caso não tivesse mais clientes. Qual é, eu não podia ser um desastre completo e não conseguir fazer aquilo. Sem falar que o "salário" era muito bom, considerando que era um emprego meio período.

— Façamos o seguinte, você virá amanhã fazer uma experiência e se tudo ocorrer bem, darei uma resposta definitiva. O que acha? — Dr. Heughan deu um sorriso digno de propaganda de creme dental e me fez menear a cabeça afirmativamente. Era uma chance e para quem nunca tinha trabalhado, aquele voto de confiança era tudo o que eu precisava.

A fim de mostrar que realmente estava botando fé na minha permanência, ele me entregou a cópia da chave da recepção e me explicou o que fazer quando chegasse no dia seguinte. Mostrou-me minha mesa e o que continha em cada gaveta e eu absorvi cada informação com um entusiasmo extra, pois, ter um chefe gentil e gato... Ah, não era para qualquer um!

Fui embora saltitando de feliz e até me esqueci por um instante de todos os problemas. Não existia mais Nelly, nem meu pai... Nem o término com Angus e muito menos o meu dilema com Jayden. Era apenas eu, conquistando o meu lugar no mundo. Talvez a exigência do meu pai tenha sido realmente boa para me fazer acordar para a vida, mas isso eu só descobriria na prática.

Na volta para casa, resolvi passar no cemitério e levar uma flor para minha mãe. Sua morte ainda me machucava muito e devido ao clima que se instaurou em nossa casa, sua ausência era quase insuportável. Sei que de onde ela estivesse, olharia por mim a cada instante e isso fazia com que me sentisse mais confiante. Permiti-me chorar sobre sua lápide, lembrando os nossos momentos juntas, pois éramos melhores amigas e quando fui embora, minhas forças pareciam revigoradas. Estava preparada para enfrentar tudo.

Pelo menos, era isso o que eu pensava.

Quando cheguei em casa, meu pai já tinha chegado e Nelly preparava o jantar, enquanto Jayden jogava videogame na sala. Assim que entrei, recebi um olhar severo de meu pai e já sabia o que viria a seguir: sermão.

— Olha só quem resolveu dar as caras — comentou ele, irônico. — Por onde esteve?

— Você não disse que eu tinha que arranjar um lugar para morar e "procurar o meu rumo"? Pois bem, era exatamente isso o que eu estava fazendo — respondi sem me alterar, fingindo que não sabia de nada sobre a conversa entre ele e Jayden. — Acho que vai gostar de saber que fui chamada para fazer uma experiência, se eu me sair bem, tenho um emprego garantido e posso até conseguir bancar minhas despesas.

Pelo visto, minha fala atraiu a atenção de Nelly que surgiu da cozinha com os olhos arregalados. Um ponto para mim, zero para Nelly! Se ela achou que ia me derrubar facilmente, estava enganada.

— Isso é uma excelente notícia, Charlotte, mas acredito que tenha me exaltado ao dizer que era para sair de casa — disse meu pai, parecendo desconcertado com a situação. Eu tinha certeza de que naquele instante ele estava vendo um reflexo de minha mãe, que sempre conseguia lhe surpreender quando ele achava que ela nem sonhava com o que ele pretendia dizer. — Estou contente pelo seu emprego e bem, pode voltar a usar o seu carro, desde que o abasteça com o seu dinheiro.

— Obrigada.

Não disse mais nada, não demonstrei entusiasmo e nem carinho. Apenas caminhei com passos firmes em direção a escada, subindo os degraus com aquele gostinho de vitória tomando cada parte do meu corpo. Nelly devia estar louca de raiva, pois começou a discutir com meu pai. Só conseguia ouvir os gritos dali de cima, mas não me importei. Ele procurou aquilo para si mesmo.

Fui em direção ao meu quarto e parei por um instante, olhando a porta ao lado e soltando um longo suspiro. Agora, restava-me apenas saber como lidar com Jayden, pois aquela sua postura de bom moço intercedendo por mim não me enganava.

Ele queria alguma coisa.

E eu não sabia, mesmo, o quanto estava certa naquele instante.

O Quarto ao LadoWhere stories live. Discover now