Capítulo 20 - Balde de água fria

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- Porque trancasse o curso? Não precisa responder se não quiser. – eu disse.

- Ah, de boa. É que precisei viajar para um campeonato de surf no Rio de Janeiro. E você? Também veio morar aqui por causa da faculdade? – respondeu Kauê.

- Sim, sim. E trabalhar também. A vida aqui é menos difícil.

Ele riu.

– Disse bem. Menos difícil. Fácil nunca é. Curte surf?

- Olha, eu estou até envergonhada, mas preciso te confessar uma coisa!

- Eita! O quê? Já sei! É uma olheira espiã que vai me levar para as equipes de surf na Austrália. Acertei?

Dessa vez eu que sorri. Kauê era o cara mais divertido que eu já havia conhecido em um ano.

- Infelizmente não. Mas seria um prazer.

- Aaah... Então qual é o segredo?

- Promete que não vai cair pra trás? Acho melhor se segurar aí na cadeira ou algo perto.

- Oh mina, já estou grilado.

- Ainda não conheço o mar.

- Não creio. Tá de caô comigo.

- Muito sério! Meus pais me levaram à praia quando eu tinha meses de nascida. Tenho a foto, mas é como se eu nunca tivesse estado ali.

- Que bad...

- E depois que vim morar em Recife aconteceu tanta coisa... Fui deixando pra depois, pra depois. E é isso.

- Oh linda, você precisa conhecer de verdade o melhor lugar do mundo. Aproveita que é verão, porque depois é só dilúvio.

Pensei que ele ia me convidar pra ir com ele, mas não.

- Valeu. Vou seguir tua dica quando eu tiver tempo. Coisa rara.

- E não se diverte não? Precisa relaxar um pouco também. Escuta essa música e fica de boa.

"Custe o tempo que custar
Que esse dia virá
Nunca pense em desistir, não
Te aconselho a prosseguir"

(Pensamento – Cidade Negra)

Já conhecia as músicas de Cidade Negra, mas foi bom ouvir pensando por essa perspectiva.

Passamos o feriado conversando. Eu passava o dia inteiro ligada no celular e estava doida para voltar às aulas e encontra-lo. Na quinta-feira, super animada, cheguei à faculdade e Kauê não foi. A professora passou trabalho em dupla e fiquei sem saber se faria com ele ou não. Preferi não socializar muito com a turma, mas quase não deu gente mesmo, então foi tranquilo.

Assim que deu o intervalo enviei mensagem para meu novo amigo, dizendo sobre o trabalho e perguntando se queria fazer comigo. Até sexta à noite ele ainda não havia respondido nada. Fui à aula e novamente ele faltou.

Não questionei. Havia muita gente faltando e até postando no grupo informando que ia faltar porque ainda estava viajando ou brincando o carnaval. Mas a questão que me agoniava não era isso, é que passamos seis dias conversando ininterruptamente e de repente ele sumiu. Por quê? Como disse, não questionei. Mas fiquei curiosa e querendo falar com ele.

- Viajando?

- Oi, Jéssica. Foi mal. Acabei o namoro e to meio na bad, não quero muito papo não. Pode colocar meu nome sim.

E-I-TA! Ele tinha namorada e eu nem sabia! Mas agora ficou solteiro...

- Tudo bem! Estou aqui para o que precisar.

Fiz sozinha o trabalho de Introdução à Radiologia. Era para a aula da quinta, mas Kauê faltou segunda e terça-feira, e também não deu muito sinal de vida. Fiquei na minha. Na quarta-feira ele apareceu.

- Ei. Eu vou hoje! – dizia sua última mensagem no meu celular.

Já havia começado a aula de Química e nada de Kauê chegar. Alguma química muito estranha começou a acontecer dentro de mim, porque comecei a ficar ansiosa demais em pensar que seria praticamente a primeira vez que nos veríamos pessoalmente, duas semanas após o início do período. Nem consegui prestar atenção direito na aula, só pensando que ele chegaria a qualquer momento.

Quando o professor liberou para o intervalo e saí da sala, o loiro mais lindo da faculdade apareceu no final do corredor, vindo em minha direção e abrindo os braços. Abraçou-me.

- Boa noite! – Cumprimentou-me e beijou minha testa. – Tô péssimo. Só vim porque preciso resolver umas coisas.

Permaneci calada. Era uma situação tão esquisita que fiquei sem saber como falar, como reagir.

- Tá indo à cantina? – Perguntou-me.

- To sim. Vai? – Respondi.

- Vou, me espera. – Ele entrou na sala e colocou a mochila numa cadeira. Depois fomos juntos, tomar café e suco.

Alto, forte... Ninguém menos que o modelo da faculdade. Ou seja, praticamente toda garota queria ter o privilégio de estar na companhia daquele ser maravilhoso. Quem não? E a privilegiada era eu. Puxou a cadeira para eu sentar e quando foi sentando-se também, falou sério:

- Jéssica, não se apaixone por mim.

Ouvi aquilo e ouvi a saliva que engoli imediatamente.

- Nem tenho por quê. – Mentira, eu tinha sim. Quem não se apaixonaria por ele? – A última coisa que eu quero é me apaixonar. – Disse e isso era verdade. Nem queria, nem podia. Eu tinha um plano de vida e precisava segui-lo até poder voltar para minha cidade.

– Também não se apaixone por mim, Kauê. Por favor. Eu vim pra cá exclusivamente para estudar e não quero que nada me tire o foco.

Ele riu, mas havia verdade na minha fala.

- Gabi, minha ex, disse que foi um erro ter me conhecido.

Aquela foi a primeira noite de várias conversas com carinhos, abraços, beijos na testa, na mão, nos braços, no pescoço, no rosto, no cabelo... E o cabelo dele crescendo cada dia mais, a barba ficando por fazer, o corpo engordando, o rosto ficando pálido, até Kauê sumir de vez, lá pelo fim de Março.

Apenas um mês que nos conhecíamos e já estávamos tão apegados. Ele era meu grude e seu afastamento fez falta não apenas a mim, mas a todos que rapidamente se acostumaram a nos ver sempre juntos, como sombra um do outro. Se os professores o viam sem mim, perguntavam: "Cadê Jéssica?" Se me viam sem ele, perguntavam: "Cadê Kauê?". Se um entrava na sala sorrindo e gargalhando, o professor da aula sabia que o outro viria logo atrás morrendo de rir também. Até os corredores da faculdade sabiam que eu e Kauê já não conseguíamos mais nos desgrudar e andava solta a fofoca de que éramos namorados. E realmente era quase como se fôssemos. Até que abruptamente nos separamos depois que passei a lhe confidenciar meus casos.

Mas até que esse dia chegasse, foi de quatro a cinco finais de semana de muita convivência. Kauê indo comigo à casa de Maria Clara, ao banco, ao médico, ao aniversário de Paula. Qualquer coisa que eu ou ele íamos resolver, um estava com o outro. E mesmo que eu notasse que ele parecia cada dia mais estranho e introspectivo, não sabia como ajudá-lo. Acabei me afastando também, quando me vi extremamente desiludida e sem o direito de levar problemas ao meu amigo.

Era oito de Março, Dia da Mulher, quando recebi no celular uma mensagem de um número que eu ainda não conhecia:

- Oi menina bonita, boa noite! =)

- Boa noite!

- Feliz dia da Mulher! =)

- Obrigada. Quem é?

- É Jonas, irmão de Letícia. Lembra? Peguei teu número naquela viagem que fizemos.

Sexta às OitoOn viuen les histories. Descobreix ara