- Porque trancasse o curso? Não precisa responder se não quiser. – eu disse.
- Ah, de boa. É que precisei viajar para um campeonato de surf no Rio de Janeiro. E você? Também veio morar aqui por causa da faculdade? – respondeu Kauê.
- Sim, sim. E trabalhar também. A vida aqui é menos difícil.
Ele riu.
– Disse bem. Menos difícil. Fácil nunca é. Curte surf?
- Olha, eu estou até envergonhada, mas preciso te confessar uma coisa!
- Eita! O quê? Já sei! É uma olheira espiã que vai me levar para as equipes de surf na Austrália. Acertei?
Dessa vez eu que sorri. Kauê era o cara mais divertido que eu já havia conhecido em um ano.
- Infelizmente não. Mas seria um prazer.
- Aaah... Então qual é o segredo?
- Promete que não vai cair pra trás? Acho melhor se segurar aí na cadeira ou algo perto.
- Oh mina, já estou grilado.
- Ainda não conheço o mar.
- Não creio. Tá de caô comigo.
- Muito sério! Meus pais me levaram à praia quando eu tinha meses de nascida. Tenho a foto, mas é como se eu nunca tivesse estado ali.
- Que bad...
- E depois que vim morar em Recife aconteceu tanta coisa... Fui deixando pra depois, pra depois. E é isso.
- Oh linda, você precisa conhecer de verdade o melhor lugar do mundo. Aproveita que é verão, porque depois é só dilúvio.
Pensei que ele ia me convidar pra ir com ele, mas não.
- Valeu. Vou seguir tua dica quando eu tiver tempo. Coisa rara.
- E não se diverte não? Precisa relaxar um pouco também. Escuta essa música e fica de boa.
"Custe o tempo que custar
Que esse dia virá
Nunca pense em desistir, não
Te aconselho a prosseguir"(Pensamento – Cidade Negra)
Já conhecia as músicas de Cidade Negra, mas foi bom ouvir pensando por essa perspectiva.
Passamos o feriado conversando. Eu passava o dia inteiro ligada no celular e estava doida para voltar às aulas e encontra-lo. Na quinta-feira, super animada, cheguei à faculdade e Kauê não foi. A professora passou trabalho em dupla e fiquei sem saber se faria com ele ou não. Preferi não socializar muito com a turma, mas quase não deu gente mesmo, então foi tranquilo.
Assim que deu o intervalo enviei mensagem para meu novo amigo, dizendo sobre o trabalho e perguntando se queria fazer comigo. Até sexta à noite ele ainda não havia respondido nada. Fui à aula e novamente ele faltou.
Não questionei. Havia muita gente faltando e até postando no grupo informando que ia faltar porque ainda estava viajando ou brincando o carnaval. Mas a questão que me agoniava não era isso, é que passamos seis dias conversando ininterruptamente e de repente ele sumiu. Por quê? Como disse, não questionei. Mas fiquei curiosa e querendo falar com ele.
- Viajando?
- Oi, Jéssica. Foi mal. Acabei o namoro e to meio na bad, não quero muito papo não. Pode colocar meu nome sim.
E-I-TA! Ele tinha namorada e eu nem sabia! Mas agora ficou solteiro...
- Tudo bem! Estou aqui para o que precisar.
Fiz sozinha o trabalho de Introdução à Radiologia. Era para a aula da quinta, mas Kauê faltou segunda e terça-feira, e também não deu muito sinal de vida. Fiquei na minha. Na quarta-feira ele apareceu.
- Ei. Eu vou hoje! – dizia sua última mensagem no meu celular.
Já havia começado a aula de Química e nada de Kauê chegar. Alguma química muito estranha começou a acontecer dentro de mim, porque comecei a ficar ansiosa demais em pensar que seria praticamente a primeira vez que nos veríamos pessoalmente, duas semanas após o início do período. Nem consegui prestar atenção direito na aula, só pensando que ele chegaria a qualquer momento.
Quando o professor liberou para o intervalo e saí da sala, o loiro mais lindo da faculdade apareceu no final do corredor, vindo em minha direção e abrindo os braços. Abraçou-me.
- Boa noite! – Cumprimentou-me e beijou minha testa. – Tô péssimo. Só vim porque preciso resolver umas coisas.
Permaneci calada. Era uma situação tão esquisita que fiquei sem saber como falar, como reagir.
- Tá indo à cantina? – Perguntou-me.
- To sim. Vai? – Respondi.
- Vou, me espera. – Ele entrou na sala e colocou a mochila numa cadeira. Depois fomos juntos, tomar café e suco.
Alto, forte... Ninguém menos que o modelo da faculdade. Ou seja, praticamente toda garota queria ter o privilégio de estar na companhia daquele ser maravilhoso. Quem não? E a privilegiada era eu. Puxou a cadeira para eu sentar e quando foi sentando-se também, falou sério:
- Jéssica, não se apaixone por mim.
Ouvi aquilo e ouvi a saliva que engoli imediatamente.
- Nem tenho por quê. – Mentira, eu tinha sim. Quem não se apaixonaria por ele? – A última coisa que eu quero é me apaixonar. – Disse e isso era verdade. Nem queria, nem podia. Eu tinha um plano de vida e precisava segui-lo até poder voltar para minha cidade.
– Também não se apaixone por mim, Kauê. Por favor. Eu vim pra cá exclusivamente para estudar e não quero que nada me tire o foco.
Ele riu, mas havia verdade na minha fala.
- Gabi, minha ex, disse que foi um erro ter me conhecido.
Aquela foi a primeira noite de várias conversas com carinhos, abraços, beijos na testa, na mão, nos braços, no pescoço, no rosto, no cabelo... E o cabelo dele crescendo cada dia mais, a barba ficando por fazer, o corpo engordando, o rosto ficando pálido, até Kauê sumir de vez, lá pelo fim de Março.
Apenas um mês que nos conhecíamos e já estávamos tão apegados. Ele era meu grude e seu afastamento fez falta não apenas a mim, mas a todos que rapidamente se acostumaram a nos ver sempre juntos, como sombra um do outro. Se os professores o viam sem mim, perguntavam: "Cadê Jéssica?" Se me viam sem ele, perguntavam: "Cadê Kauê?". Se um entrava na sala sorrindo e gargalhando, o professor da aula sabia que o outro viria logo atrás morrendo de rir também. Até os corredores da faculdade sabiam que eu e Kauê já não conseguíamos mais nos desgrudar e andava solta a fofoca de que éramos namorados. E realmente era quase como se fôssemos. Até que abruptamente nos separamos depois que passei a lhe confidenciar meus casos.
Mas até que esse dia chegasse, foi de quatro a cinco finais de semana de muita convivência. Kauê indo comigo à casa de Maria Clara, ao banco, ao médico, ao aniversário de Paula. Qualquer coisa que eu ou ele íamos resolver, um estava com o outro. E mesmo que eu notasse que ele parecia cada dia mais estranho e introspectivo, não sabia como ajudá-lo. Acabei me afastando também, quando me vi extremamente desiludida e sem o direito de levar problemas ao meu amigo.
Era oito de Março, Dia da Mulher, quando recebi no celular uma mensagem de um número que eu ainda não conhecia:
- Oi menina bonita, boa noite! =)
- Boa noite!
- Feliz dia da Mulher! =)
- Obrigada. Quem é?
- É Jonas, irmão de Letícia. Lembra? Peguei teu número naquela viagem que fizemos.
ESTÀS LLEGINT
Sexta às Oito
Literatura romànticaA vida de Jéssica Medeiros Sabino nunca foi fácil. Com apenas 17 anos muda-se para a capital sem conhecer ninguém e durante mais de dois anos tem a sua vida transformada de um jeito que nunca imaginou. É clichê? Talvez, mas essa jovem mecânica muito...