Capítulo 17 - Você acidentou meu coração

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"Eu nem pensei já estava te amando

Meu corpo derretia de paixão"

Acordei na boleia de um caminhão reboque, com Jonas e o motorista. Bem atordoada. Ele contou que nos acidentamos por causa de um motorista inconsequente. Quatro dias depois eu ainda pensava naquela viagem. E em Jonas. Na coincidência de conhecer aquele que vi uma vez no ônibus e várias outras em meus sonhos. Obviamente não chegamos a São Caetano, pois precisamos voltar para Recife. Na segunda-feira Juvenal veio à capital e trouxe meus documentos. Quanto ao carro, amassou a traseira.

Não ia conseguir trabalhar direito. Apesar de o acidente não ter me causado uma hemorragia interna por conta do impacto, acabei torcendo o pescoço, pois desmaiei antes da batida e ele ficou leve. Recebi um atestado de uma semana e aproveitei para resolver minha inscrição do supletivo.

Aconteceu tudo tão rápido! Fiz as provas que precisava e logo estava com minha ficha 19, que é o Certificado de Conclusão do Ensino Médio.

Uma vitória e um alívio, pois já estava cansada daquele trabalho na casa da madame Shirlei. No entanto, sempre trabalhei de bem com a vida, com um sorrisão no rosto. Nunca fui a favor da frase que diz que é melhor trabalhar no que te dá prazer. Prefiro acreditar que é possível ter prazer no que dá trabalho. Mas eu estava cansada de tanta cobrança desnecessária. Ela me cobrava além do meu serviço. Até tomada eu precisava trocar! Serviço de marceneiro? Era a mim que ela pedia. Serviço de pintor? Chama Jéssica... Cansei. E eu nem podia pedir ajuda a Maria Clara, pois sendo dona de uma loja em bairro nobre, nunca me ofereceu emprego lá.

Enfim, agora eu poderia procurar outro serviço, fazer um curso técnico, me inscrever em concurso, tentar vestibular... E foi o que fiz. Logo apareceu uma seleção para trabalhar de serviços gerais em um hospital. Era carteira assinada, com meus direitos tudo certinho. Vesti-me da melhor maneira possível e fui à entrevista.

Estava tão ansiosa pela vaga! Cheguei uma hora antes do horário marcado pela gestora de RH. Chegou um homem, uns trinta anos mais velho que eu, e sentou-se ao meu lado na recepção. Ele vestia calça jeans, camisa de botão, e calçava um tênis. Começou a puxar assunto.

- Você veio para a entrevista?

- Vim sim. Estava tão ansiosa que cheguei uma hora antes. – respondi sorridente.

- Que bom! Melhor que se atrasar.

- É verdade. – assenti nervosa.

- Já trabalhou em hospital?

- Não, nunca. Mas preciso muito desse emprego e já comecei a sonhar com meus avanços. Fiquei pensando até em fazer alguns cursos para me especializar em algumas áreas. – pronto, danei a tagarelar.

- Ah é? E o que pensa em fazer?

- Não sei bem. Penso demais! Não sei se tem a ver, mas pensei em cursos de hotelaria. Uma conhecida me falou que é muito bom pra quem trabalha em serviços gerais. Sou empregada doméstica e já sou bem vivida de muitas coisas...

- Como o quê?

- Ah, tanta coisa... – devaneei – Moço, eu trabalho desde que me entendo por gente. Quitanda, oficina... Já vendi muamba na feira de Caruaru. Acordava quatro da manhã pra me arrumar a tempo de não perder o transporte. Gostava muito, porque vivia muitas histórias.

Conversa vai, conversa vem, uma moça morena entra na recepção e diz que veio para a entrevista. Fiquei observando aquele cabelão, enorme e liso. Observei-a da cabeça aos pés. Assim que se virou e sentou ao meu lado, puxou assunto comigo.

- Bom dia!

- Bom dia! – respondi.

Perdi os minutos da nossa conversa. Ela comentou que naquele ano faria o vestibular para auxiliar de enfermagem. No ano anterior havia tentado medicina e não passou, e agora não queria correr esse risco de perder mais um ano.

- Mas faça a inscrição no ENEM. Não deixa de fazer não. É até agora, vinte de Maio. Esse mês!

- Eu vou tentar. Mas não quero cursar não. – respondi.

Uma mulher elegante, de saia lápis, camisa social e scarpin do salto fino, apareceu. Apresentou-se e chamou todos que ali estavam para ir à sala no final de um corredor. Fomos e lá ela explicou uma dinâmica que teríamos que fazer. Quando acabamos, informou para irmos, quando chamados, à sala mais próxima da recepção. Seria lá a entrevista individual.

Quando chegou minha vez, fiquei surpresa. O entrevistador era aquele homem que estava na recepção quando cheguei.

*~*~*

Dias depois. Chegou mensagem...

- Oi, Jéssica. Aqui é Janaína, da entrevista. Lembra?

- Oi, querida. Lembro sim. Tudo bem?

- Tudo sim. E aí, fez a inscrição do ENEM?

- Fiz sim. Pense numa agonia que foi. Quase que eu perdia o prazo.

- Oxe, mulher. O sistema trava muito quando está em cima da hora. Mas que bom. E o emprego? Alguém te ligou? Três semanas já e não me ligaram ainda.

- Eita, pra mim não ligaram não. Acho que a gente tá fora mesmo. Devem ter colocado alguém por indicação.

- É mesmo. – ela falou.

E veio um silêncio como de quem pensa em algo mais.

- Olha, vamos ao cinema. Hoje é mais barato. – ela disse.

- No Boa Vista? – perguntei, referindo-me ao shopping homônimo.

-Sim. Te encontro às 19hs?

- Beleza. Na frente da Riachuelo.

- Beleza.

Saí do trabalho direto ao shopping. Não ia dar tempo se ainda passasse em casa, devido à demora dos ônibus. E estava cheio, viu?! Um homem discutindo política, uma mulher com uma menina na 'pureza' dos seus sete ou oito anos gritando que queria 'cagar', uma moça discutindo pelo celular... Entrou pipoqueiro, vendedor de canetas, missionário, entrou de tudo que se possa ser capaz de cansar ainda mais o juízo de quem precisa do transporte público. Até que, já perto do shopping e o coletivo esvaziando, entrou uma dupla, um com uma flauta e o outro com um triângulo, tocando as melodias armoriais do grupo SaGrama. Esse grupo é responsável pela trilha do filme O Auto da Compadecida, do diretor Guel Arraes.

Pense numa saudade que me tomou dos pés à cabeça! Deu uma vontade danada de dançar. O São João já batia à porta e eu só queria estar na Capital do Forró.

Desci do ônibus e Janaína já me aguardava dentro da Riachuelo. Abraçamo-nos e eu não tive nem tempo de olhar as mensagens no celular. Compramos salgadinhos, fomos ao banheiro e logo fomos ver o filme. O shopping estava uma lindeza só! Tudo colorido, enfeitado de balões e bandeirolas, as vitrines já cheias de botas, sandálias rasteiras, camisas quadriculadas, chapéus de palha...

Era noite de lua cheia, sexta-feira, as paradas lotadas de gente cansada e animada. Fomos pegar o ônibus para irmos embora e passou uma carrocinha de CD pirata tocando a versão da Banda Labaredas da música Hotel Califórnia.

Acabou comigo! Janaína falava seus planos para as festividades juninas e eu devaneava pensando em Jonas e em como seria bom revê-lo.

- Jéssica?

- Jéssica?

- JÉSSICA!

- Oi? Desculpa. Eu, eu...

- Mulher, teu ônibus tá vindo ali. Corre!

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