Capítulo 25 - Cretino da Silva

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Kauê melhorou da sua fase deprimida. Cuidou do visual, voltou a surfar com frequência, parou de faltar as aulas. Comecei a suspeitar que estivesse apaixonado por mim, mas não quis tocar no assunto em momento algum. Eram apenas suspeitas, e não queria estragar a nossa amizade por causa de uma suposição. O ajudei com as provas e ele conseguiu recuperar o tempo perdido. Logo ficamos de férias.

Maria Clara passou um tempo sem aparecer, sem ligar. Deixei-a à vontade, imaginando que ainda fosse o mesmo problema familiar de sempre. Que ela nunca me contava, mas ao que parecia, envolvia a saúde de seu marido, e outra mulher. Não sei se amante dele, filha, sobrinha... Pouco sabia da vida dela. Paula sabia bem mais, já que era a amiga mais próxima, mais íntima. Mas eu já não a via desde aquele sábado que na sexta eu dormi em seu apartamento e depois veio comigo passar a manhã no apartamento de Teresinha, o dia que queimei o arroz. A propósito, ela se mudou. Não sei ao certo o porquê, se Maria Clara precisou do apartamento de volta ou se Paula finalmente teve condição financeira de alugar um.

Já Letícia, ficou mais presente. Empenhara-se na escrita de seu livro sobre abandono, adoção, as crianças do abrigo; e me pediu ajuda para ler seus escritos e comentar com alguma crítica construtiva. Sabia que eu gostava um pouco de ler e que também queria contribuir com a minha experiência de vida. Numa tarde um comentário pegou-me de surpresa sem que fosse sua intenção.

- Preciso ir embora cedo. Só vou tomar o café e vou.

- Mas ainda dá tempo de escrever e revisar mais um ou dois capítulos. É bom aproveitar que essa é a minha última semana de férias.

- Eu sei, mas tenho que ir. Hoje é aniversário do meu irmão e vou com Israel buscar meus pais para comemorar.

- Ah. Ok. - falei, sem saber muito o que falar. Não queria dizer que desse os parabéns, mas precisava continuar no assunto. - Fico feliz que esteja feliz com Israel, que ele seja um namorado tão presente nos seus projetos e se dá bem com sua família.

- Ah eu estou feliz mesmo, viu?! Deus me abençoou demais. Sabe, Jéssica, quando a gente se apega a Deus e às coisas boas desta vida, Ele nos abençoa quando menos esperamos. Não precisa nem ter paciência. Quem vive buscando ter paciência geralmente é alguém totalmente impaciente. Os pacientes talvez nem saibam que assim são. Só são e pronto. E as coisas boas chegam.

- Eita. Foi muita filosofia. Entendi nada isso aí de paciência. - gargalhamos juntas com meu comentário. - Preciso de mais café pra entender.

- Eu entendi o que ela quis dizer - falou Dona Teresinha, que também estava à mesa - As pessoas que buscam a paciência ou que se dizem pacientes agem como se estivessem na sala de espera de um hospital, apenas paradas, sentadas, esperando. E esperar em Deus não é isso. Pelo contrário. Não é ficar parada, é agir. Mas também não como os impacientes, que são as pessoas da sala de espera que levantam de instante em instante para reclamar da demora do médico, do calor do ambiente, da falta de água para beber... Esperar em Deus é estar neutro no que se refere à paciência, porque o esperar não tem a ver com ter paciência, mas com esperançar.

- É. Acho que entendi. Talvez com uma cerveja eu entenda melhor do que com café.

As duas sorriram.

- Acho que a gente precisa orar mais, Dona Teresinha. - Letícia falou.

- É verdade, minha filha.

Certifiquei-me que cansei de ser a pessoa que espera sentada. Se tinha algo falho na sala de espera da minha vida, eu precisava resolver logo. Eu merecia isso, um momento de felicidade com alguém.

Depois que Letícia foi embora, meu domingo foi a mesma coisa dos últimos meses; em casa fazendo os serviços domésticos, me dedicando ao livro e recebendo os familiares de Dona Teresinha. À noite ela ia à igreja com uma vizinha que começou a frequentar também. Acabei deixando de ir. Chamavam-me, mas sei lá, fui perdendo a vontade e percebi que nenhuma daquelas pessoas se importava muito com a minha ausência. A verdade é que não era a minha prioridade.

Sexta às OitoWhere stories live. Discover now