Capítulo 28 - Ele me espera

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Era um rapaz da igreja quem vinha acompanhando Teresinha.

- Ela passou um pouco mal mais cedo e achamos por bem trazê-la. Sou filho do pastor. Prazer.

- Oi, minha flor. Já estou melhor. – disse ela.

- Obrigada. – cumprimentei o rapaz.

- Deixe eu lhe ajudar, Dona Teresinha. – Disse Kauê pegando-a pelas mãos e conduzindo-a para dentro, enquanto eu pegava sua bolsa e um prato de comida com o rapaz à porta e colocava sobre a mesa.

- É mungunzá doce. – Ele disse. – Minha noiva que fez. Agora tenho que ir, ela me espera lá embaixo. Qualquer coisa pode nos falar, viu?! Dona Teresinha é muito querida lá na igreja.

- Tá, obrigada. – eu já fechava a porta e ele aguardava o elevador chegar ao andar. – Ah, acho que me lembro de você. Sua noiva é Emerenciana?

- Sim, Aninha.

- Sim, claro. Ok. Qualquer coisa eu aviso. E obrigada mais uma vez. Deus os abençoe.

- Igualmente. – o elevador chegou. Fechei a porta e fui tomar ciência do que havia acontecido com Teresinha.

- Mas a senhora, heim! – falei sorridente, com uma mão na cintura e de frente para ela, que sentara na cadeira de balanço. – Já me dando susto pela rua! – Abracei-a.

- Não foi nada. Nem precisava eles virem.

- Sei. – Sentei no sofá do lado direito e lhe fiz companhia. Pisquei para Kauê que estava à mesa observando a cena. – Agora me conte como foi lá. – acarinhei seus cabelos já grisalhos. Eu gostava de sentar com as duas pernas sobre o sofá, voltadas para o lado esquerdo ou direito.

- Foi tão lindo, minha menina! Tudo decorado com tanto carinho. Tudo tão mimoso. Teve um testemunho tão lindo de uma jovem assim como você. Você precisava ter ido.

- Eita, lá vem ela. – segurei sua mão direita. – A senhora me ama demais mesmo, que não pode mais ficar sem mim.

- Volte a ir à igreja comigo. – A senhorinha mais linda do mundo olhou-me serenamente. – É tão bom.

- Eu vou voltar. – prometi sorrindo. – Nas férias eu volto, quando tiver o retiro. Eu prometo! – cruzei os dedos e beijei-os.

- Uma pessoa na minha idade não pode esperar nada para as próximas férias não.

- Que isso! A senhora está vivinha da Silva! Mais viva que eu e Kauê juntos. – virei-me para ele – Num é?!

- Com certeza. – ele deixou os estudos e sentou comigo no sofá. Pegou o controle e ligou a TV. – A senhora quer assistir algo? – Sentei direito tirando as pernas de cima do sofá.

- Só se forem assistir também. – ela disse.

- A gente vai sim. – meu amigo colocou o braço em meu ombro, por trás do meu pescoço.

Assenti e levantei.

- Vou fazer chá!

- De camomila com erva cidreira. – Teresinha solicitou com afirmação.

Foi uma boa noite, mas sem estudos. E Kauê teve que voltar no domingo para colocarmos a matéria em dia.

Quando Pedro, o filho de Teresinha, veio buscá-la para o almoço em família, contei o que estava acontecendo. A falta de apetite, o aparente desânimo em alguns momentos, fraqueza nos membros, vista turva, e tantos outros sintomas sutis. E informei que viajaria na terça-feira. Ele não gostou, tenho certeza. Realmente não era um bom momento para eu viajar. Deveria oferecer meu apoio e gratidão na situação em que minha anfitriã se encontrava, mas poxa vida! Quase dois anos morando na capital e eu ainda não conhecia o mar.

*~*~*

A tão esperava terça-feira chegou. Eu estava ansiosa. Não pude ir à faculdade, visto que viajaria de carona às 19:30hs. Israel trabalhava em Camaragibe e passou na casa de Dona Shirlei para me pegar, umas 18hs. O trajeto até o apartamento de Letícia foi um tanto silencioso. Ainda não me sentia à vontade junto a ele e eu, desbocada que sou, preferi me conter a cometer alguma gafe. Conversamos o essencial.

Ainda não conhecia o apartamento, era a minha primeira vez ali. Não tinha elevador e a escada era estranha, tenebrosa por sinal. Paredes brancas texturizadas e escadas PRETAS! Sim, fiquei boquiaberta quando vi e notei o quão era parecida com a escada do prédio de Cássio.

- Jéssica? É aqui no terceiro andar. – Israel falou uma escada acima.

- Chego já. É que fiquei um pouco tonta, mas estou bem. – a verdade é que os degraus eram altos e me cansavam. Nunca que eu moraria num prédio daquele. Eu mal saíra da escada e a lâmpada logo apagava, por causa de um sensor idiota que deixa o hall em completa obscuridade.

Cheguei ao andar quando minha amiga já abria a porta.

- Jéssica! Finalmente conheceu nosso canto.

- Sim. É lindo! – que mentira! Mas dentro era lindo mesmo. Havia uma mesa de madeira bem grande logo de frente para a porta, e na parede um quadro com moldura em marfim e ilustração de arte abstrata. Chamou-me a atenção. Eram bolas coloridas que pareciam novelos de lã.

- Dona Wanda! – cumprimentei a mãe de Letícia, que estava à mesa tomando sopa com seu esposo. De frente pra ela havia mais um quadro de arte abstrata. Eles gostam de quadros! Admirei. Esse parecia uma obra do pintor pernambucano Adriano de Olinda.

- Jéssica! Que bom que vai conosco. – disse ela, sempre simpaticíssima. – Este é meu esposo, Edson. – Apresentou.

- Olá! – Falei um pouco envergonhada.

- Sente-se! Coma com a gente! – Deus do céu! Como eu diria àquela gente tão afável que sopa não é janta?

- Não, muito obrigada. Comi lá no trabalho. – Sentei de costas para o segundo quadro, propositalmente de frente para o casal e para a varanda. – Só não vou negar o café com queijo.

- Esse veio de Venturosa. Um compadre nosso sempre traz quando vem pra Recife. – disse o pai de Letícia. – Queijos, rapaduras, doce de leite...

- São muito bons os queijos de lá. – falei.

- Conhece?

-Venturosa? Não. Só os queijos. – eu poderia falar que trabalhava numa oficina às margens da BR 232 e que acabava ganhando esses mimos dos clientes rotineiros, mas não quis me estender em falar do meu passado. – Ganhava.

- Mas o estado do queijo é Minas. – Wanda assegurou. – Jonas tem vontade de morar lá. – Cada vez que alguém falava o nome daquele maravilhoso dos olhos verdes, borboletas dançavam dentro de mim.

- Já conhece? – Edson interpelou.

- Não. Nunca saí de Pernambuco. – assenti.

- Jonas.

- Ah, sim. Conheci um tempo atrás. Perdão, eu não entendi a pergunta.

- Vamos, gente. – Letícia nos interrompeu. – Olha a hora!

Acabamos o jantar e saímos já era quinze para as oito. Seria cerca de duas horas no mesmo carro com a família de Jonas e incisivamente tendo que ouvir sobre ele. Comecei a me questionar porque fui tão rude com ele, que sempre foi tão bom comigo. Que erro tão grande foi esse que me fez afastá-lo de mim?! Eu já não recordava com precisão. Qualquer motivo para tê-lo distante agora me parecia pequeno como poeira diante da imensidão de motivos chulos para nunca mais olhar na cara do Cretino da Silva.

À priori alegrei-me com a notícia de que Jonas não estaria conosco no feriado, pois agora me envergonhava de tê-lo dispensado com tanto desdém, como se ele de fato tivesse me causado algum problema. Mas não. Ele só me causou alegrias e frio na barriga. Sempre me quis o bem, nunca o mal. Seu cavalheirismo nunca fora forçado e sim resultado de uma digníssima criação. E eu, com meu puritanismo resultante de uma medíocre convivência com a igreja e apego à religião, o afastei de mim. Ouvir quatro pessoas dissertarem naquele momento tão frágil da minha vida sentimental, sobre aquele a quem tanto desejei, só me fazia querer vê-lo novamente.

Talvez meu sentimento por Jonas tivesse claro e romântico como o céu de São Caetano em noite estrelada. E eu não podia pensar muito nisso naquela noite. Quem me esperava em Porto de Galinhas era Kauê, que foi de ônibus mais cedo.

Sexta às OitoWhere stories live. Discover now