Capítulo 03 - Confiança

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Eu que sempre segui a vida de um jeito tão normal que nunca parei pra pensar se eu era alguém forte ou frágil, não estava me reconhecendo. Ora sentia-me forte, ora com receio do futuro. Eu confiava muito em Dona Lourdes, minha vizinha, mas mesmo assim era tão estranho chegar à capital e já ser tão bem recebida por essa estranha.

- Onde estamos indo? – perguntei à Maria Clara. A desinformação estava me preocupando. Desnecessariamente, pois eu deveria confiar na moça, mas não estava conseguindo evitar o nervosismo.

- Falei com o pessoal de uma igreja aqui perto. Parece que alguém de lá vai conseguir um lugar pra você passar um tempo. – Clara olhou-me com pesar – Perdoe-me, Jéssica, mas você não poderá ficar em meu apartamento. Meu marido é um bom homem, mas moramos com mais três adolescentes. Fica complicado.

- Tá, eu entendo. Já estou muito grata. E quanto aos meus estudos e trabalho? O que acha que posso fazer? – Eu não sabia bem o que conversar com aquela mulher, mas já que eu precisava de ajuda e só ela poderia me ajudar, decidi me render um pouco e perguntar o que eu precisava saber.

- Bem, eu não conheço ninguém que possa te dar um emprego agora. Na minha loja você não pode trabalhar, pois não terminou a escola ainda. É uma situação difícil. Você já cuidou de crianças?

- Não senhora. Acho que não tenho muita paciência. – baixei um pouco a cabeça e depois olhei pela janela, para onde meus pensamentos quisessem olhar... – Mas enfim, eu estou precisando de qualquer coisa. O que conseguir, eu topo.

- Não conheço ninguém que tenha uma boa oficina pra te colocar. Nem como recepcionista.

Eu não queria, nunca mais, precisar trabalhar numa oficina. Só Deus sabe o que eu vivi lá em São Caetano e eu não queria viver novamente toda aquela dor. Por mais que eu amasse viver entre carros e ferramentas, eu agora era uma nova Jéssica e precisava descobrir novos sonhos. Então, inevitavelmente, fui até um pouco grossa com a moça.

- Eu não quero mais em oficina, Clara. Pode ser qualquer coisa, menos em oficina. – falei ríspida.

Chegamos à igreja que ela falou. Gilberto estacionou o carro em frente ao templo e nós duas subimos alguns degraus. Parecia um castelo de tão linda. Gilberto foi embora em seguida. Ainda era cerca de nove horas da manhã e eu já sentia como se tivesse passado horas desde que cheguei.

- Paz do Senhor, Clarinha. Selma está te procurando.

- A gente marcou de resolver um assunto agora de manhã. Muito obrigada. Sabe dizer pra que lado ela foi?

- Acho que ela está no gabinete pastoral.

Eu me senti invisível enquanto aquela conversa sucedia, mas estava tão deslumbrada com a grandeza daquele lugar que eu só conseguia ficar admirando cada detalhe. Lembrou-me um pouco a igreja católica que eu frequentava e me deu saudade.

- Você vem pra essa igreja há quanto tempo? – perguntei curiosa.

- Não congrego aqui. Conheço muitas pessoas, mas não frequento.

- Por quê? É de outra igreja? Tem outra religião? – pura curiosidade minha.

Maria Clara sorriu envergonhada – Não sou de outra não e sou evangélica mesmo. É um assunto que não quero falar agora. – em seguida abriu a porta de uma sala e entramos.

- Oi, Selma. Bom dia.

- Oi, minha querida. Paz do Senhor! – Selma levantou-se e veio em nossa direção nos abraçar.

- Essa é a menina que te falei.

- Seja bem vinda. – Selma me abraçou e fomos à mesa – sentem-se, por favor, vamos conversar.

Maria Clara explicou minha situação para aquela mulher e juntas pensavam um jeito de me ajudar. Pegaram papel e canetas, fizeram anotações, conversaram um pouco comigo... Mas sempre respeitando minha intimidade e meu desconhecido passado. Selma confiava em Clara, que confiava em Dona Lourdes, que foi quem deu o primeiro passo em auxílio ao meu futuro. Enquanto as duas mulheres conversavam sobre a minha vida, eu refletia no enorme valor que carrega a palavra 'confiança'. Se eu não podia mais voltar ao passado, precisava confiar nas pessoas que viriam ao meu presente. Só assim poderia transformar meu futuro.

- Você concorda? – Clara questionou-me.

- Han? Perdão, eu estava pensando noutras coisas. Estou bem ansiosa com tudo isso.

- Selma deu uma ideia. Quando é que você faz aniversário?

- Em Dezembro, dia dezesseis. – respondi mais atenta.

- Você não pode ficar aqui, por que não somos uma ONG e você ainda é menor. Vamos entrar em contato com um abrigo pra você ficar só até fazer dezoito anos. Mas não se preocupe, vamos cuidar bem disso, pra ser um local seguro pra você.

- E quanto aos meus estudos? Quero muito estudar, porque preciso de emprego, de dinheiro.

- Sabemos, mas hoje é só seu primeiro dia aqui. Vamos com calma. Tenha fé e vai dar tudo certo. – Maria Clara falou carinhosamente. Sorrimos.

Suspirei. – Estou muito ansiosa.

- Vamos orar um pouco? – sugeriu Selma.

Assenti. Não era evangélica, mas cria em Deus. E se aquelas pessoas queriam me ajudar, não me custava confiar. Demos as mãos e elas oraram por minha vida.

Sexta às OitoWhere stories live. Discover now