Capítulo 18 - Como um filme

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De repente a vida começou a ficar meio vazia e sem sentido. Eu tinha um propósito, um objetivo, mas me parecia que eu andava caminhando pra mais longe dele a cada dia. Ainda fazia sete meses morando em Recife e eu já vivia como se tivesse tudo muito bem! Como se a vida fosse só ir trabalhar, voltar pra casa e sair com as amigas. Era época de festas juninas, a festa que eu mais gostava, e eu não estava parando em casa.

Sabe quando a pessoa não está namorando e nem mesmo apaixonada, mas tá curtindo sair com alguém só pra ter com quem sair? Eu não precisava disso, mas era o que estava fazendo. Não marcava as saídas com Formiga, mas sempre que coincidia de estarmos no mesmo ambiente, acontecia. A gente ficava junto. Um relacionamento vazio, sem assunto, sem interesse mútuo. Um nada. É como se eu tivesse tentando preencher-me de algo que nada tinha a ver com aquele cara, mas eu não podia reclamar. Era bom e conveniente para ambos. Curtição.

Em Julho Clara fez 27 anos e comemorou com um jantar chiquérrimo. Chamei Letícia, mas ela não quis ir. Ela começou a se afastar demais e fiquei sem entender. Chamava-a pra sair, e ela recusava. Não aparecia mais para me ver e eu não sabia onde ela morava. Acabei me apegando a companhia de Janaína, que topou estudar comigo para o vestibular e, no quesito balada, substituiu um pouco a falta que Paula me fez durante os meses que esteve viajando.

Jornalista e vocalista da Soul On Fire, minha amiga cantora era como se fosse uma irmã. Já havia morado em São Paulo por três anos, mas logo após o aniversário de Maria Clara viajou pra lá novamente. Era ela minha companhia pra barzinho, shows, farras na casa do pessoal da banda... A Soul On Fire faria uma turnê, então os meninos também viajariam. E já que vivíamos de farras, foi assim que comemoramos a viagem, com um churrasco.

- Teresinha, estou indo e não tenho hora pra voltar. Acho que vou dormir por lá mesmo. – Peguei minha bolsa e me despedi.

- Certo, minha filha, mas me avise para eu não ficar preocupada. – falou Teresinha, sentada na cadeira de balanço assistindo TV.

- Aviso sim, minha flor. – Abracei-a e dei um beijo na testa. Ela me olhou muito carinhosamente.

Eu amava aquela senhorinha. Ela cuidava de mim como se fosse uma mãe, uma avó. Quando eu chegava de madrugada, sempre tinha um sanduíche pronto. Mas era raro porque eu preferia não chegar tarde. Era meu dever passar a noite com ela ou não deixá-la preocupada. Morar com Teresinha envolvia a obrigação de ser companhia, mas era sempre tão agradável que nunca foi um peso, mas um prazer.

Íamos juntas ao mercado, igreja, médicos, e festas de sua família. Mas apesar da boa convivência, não os tratava como sendo meus amigos ou parentes, pois eles não me tratavam assim. Era notável o carinho maternal entre nós duas, mas eu sabia me colocar no meu lugar de criada, porque era isso que eu era. Morava com ela em troca de ser companhia.

Bem, ser mesmo criada eu não era. Não fui contratada pra nada. Mas eu tenho semancol.

As idas aos cultos nos domingos à noite passaram a ser meu momento de descanso, pois com a proximidade das provas, as saídas com Janaína diminuíram bastante. As noites de sexta e sábado passaram a ser para estudar e não mais para a curtição. Quando dei por mim, já começava o domingo cantando louvores e fazendo estudo bíblico com aquela senhora que me abraçou em sua vida. Em poucos meses a vida mudou tanto de novo...

Até a saudade de casa diminuiu muito. Eu realmente me adaptei àquela vida e as ligações para Dona Lourdes e Juvenal passaram a ser esporádicas. Mas como será que estava minha casa em São Caetano? Eles me contavam, mas eu queria poder voltar e ver. No entanto parecia que aquela era a vida de outra pessoa e não a minha. A vida de Jéssica Medeiros Sabino agora era em Recife, com Dona Teresinha, Shirlei, Clara, Paula... E tudo o que ainda tinha por vir. Eu precisava seguir meu plano para poder voltar às origens.

Esse filme me passou à mente enquanto estava sentada à espera da minha prova do ENEM numa das salas de aula da UNICAP. Era fim de Novembro. Um ano que eu estava ali. Um ano que conheci Letícia. Pensei em visitá-la de surpresa no abrigo assim que passasse a agonia das provas, mas minha patroa, Dona Shirlei, me fez uma proposta.

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OBRIGADA POR SUA VISITA!


Sexta às OitoWhere stories live. Discover now