— Eu vou voltar quando eu quiser e espero não encontrar sua amante aqui — digo as palavras amargamente. Ele fica atordoado por alguns instantes e quando vai me retrucar, prossigo. — Nem adianta tentar negar, a Nelly sabia. Ela estava indo embora com o nosso dinheiro como forma de vingança.

— Isso não é verdade — ele começa, mas faço minha voz sobressair a sua.

— Às vezes me pergunto se você também traia minha mãe, mas não consigo encontrar respostas porque não o conheço. Você adora julgar, Robert, somente para se sentir melhor e não admitir o quão miserável é. A partir de hoje você não tem mais filha.

Não espero por respostas, apenas saio e Lean me segue; as lágrimas irrompem novamente enquanto entro no carro. Ele não questiona, apenas entra do lado do motorista e se estica para me abraçar. Sinto que preciso desse abraço para continuar inteira, contudo... não é só isso. Lean tem feito muito por mim, e jamais vou poder agradecer de forma adequada.

— Eu sinto muito por ter que passar por isso — ele diz, acariciando meus cabelos.

— Não imaginava que meu pai era assim, sério, ainda estou horrorizada.

— Você pode ficar lá em casa até tudo se abrandar — oferece.

— Por que está sendo tão legal comigo? — Afasto-me um pouco. — Não precisa fazer isso.

— Eu não preciso, mas eu quero — responde firme, olhando-me nos olhos.

Sinto um calafrio percorrer toda minha espinha. Nunca pensei que alguém que eu mal conheço seria meu apoio em um momento tão delicado. Estou fragilizada, emocionada, mil coisas se passam em minha mente. Lean coloca as duas mãos em meu rosto, e toda minha pele queima. Ele me segura como se eu fosse de vidro e neste momento sinto que realmente posso quebrar diante de seu toque. Não estou preparada, sei que quando isso acontecer, tudo entre nós poderá mudar, mas não tenho forças para impedir. De repente, os lábios dele encontram os meus e é diferente de tudo o que eu já experimentei antes.

Se me dissessem que eu beijaria o meu chefe há alguns meses atrás, eu ia rir e dizer que era loucura, mas agora tudo parece fazer sentido.

Percebo uma urgência entre nós; movemos a cabeça freneticamente, como se buscássemos explorar um ao outro enquanto a sanidade não nos alcança novamente. Após alguns instantes, ele finda o beijo dando selinhos em meus lábios, que ainda estão formigando por conta de sua investida urgente. Ninguém diz nada. Não é preciso dizer.

Lean se endireita em seu assento um tanto constrangido e arranca o carro em seguida. Ele mal pisca enquanto olha para frente. O trânsito está um pouco agitado. Gostaria de confrontar seu olhar para poder decifrá-lo. Eu quero decifrá-lo. Quero entendê-lo. Quero entender o que é que foi esse beijo. Será que Lean... não, não. Não posso me achar a esse ponto. Foi apenas um momento de fraqueza.

— Eu vou sair da sua casa em breve, vou achar um flat, qualquer coisa... agora que as aulas estão acabando, vou trabalhar mais e fazer minha vida. Não vou dar o braço a torcer ao meu pai — informo após um tempo em que permanecemos em completo silêncio. Percebo um sorriso terno se formar em seus lábios.

— Conte comigo.

Não digo mais nada. Pego o carregador do meu celular na mochila e retiro a parte de conectar à tomada, transformando-o em um cabo USB. Conecto-o ao som do carro de Lean e ao celular, assim consigo ligar o aparelho. Começo a mexer nele, ver se está tudo em ordem, se recebi alguma ligação e sim, tem dez chamadas perdidas de um número privado. Deve ser Jayden. Meu coração palpita de ansiedade, pois não posso retornar. Isso me deixa extremamente aflita.

Verifico as mensagens e não há nenhuma importante, apenas da minha operadora ofertando promoções. Ligo a internet móvel e então o celular começa a vibrar, alertando-me que tenho mais de 100 mensagens no aplicativo instantâneo.

— Alguma novidade? — Lean pergunta, entrando agora na via que nos leva ao seu bairro.

— Vou saber isso agora — respondo, apertando para abrir as mensagens.

Não estou enganada... há 54 mensagens piscando no contato de Jayden, as outras são aleatórias de Holly, Karen e de um grupo do colégio onde fui adicionada sem saber.

"Charlie, espero que esteja bem", "Charlie, pegue o seu celular e verifique os áudios", "Por favor, me diga se está bem", "Terei que me livrar desse número em breve, então, por favor, mande noticias...", "Charlie?", "Charlie, cadê você?", "Conseguimos fugir, eu e meu tio, mas estamos sendo seguidos, irei me livrar do celular agora... porra, Charlie, eu queria notícias suas", "Será que você está bem?", a maioria das mensagens diz o mesmo. Ele chama por mim, me manda verificar os áudios do meu celular mais de uma vez e depois encerra dizendo que não é para eu ligar para esse número.

Fico aliviada por eles terem conseguido fugir, mas não saber onde Jayden está me desespera, ainda mais porque ele diz em uma das mensagens que estão sendo seguidos. Por fim, como não posso respondê-lo, decido fazer o que me pediu: vasculhar os áudios do meu celular. Há uma gravação do dia em que Nelly morreu e ela tem mais de vinte minutos! Meu coração palpita e eu clico nela sem nem pensar.

"Deixe-me contar a você a minha história, Charlie... Eu era um garoto normal até pouco tempo atrás. Você iria gostar muito mais de mim naquela época, mas o meu pai tratou de foder com a nossa vida...", meu coração acelera, é uma gravação do que aconteceu naquela noite! Lean me lança um olhar curioso enquanto a gravação continua rodando e meu Deus, quase dou um salto de alegria quando ao fundo soa o disparo de um tiro e os barulhos de passos pelas escadas. Essa parte do áudio é ruim, mas dá para ouvir os homens dizendo que devem nos matar, bem baixinho, mas dá.

Jayden realmente é um gênio! Ele deve ter pegado meu celular e colocado para gravar embaixo da cama, o celular captou tudo até a bateria acabar. A sorte é que ele estava programado para salvar automaticamente. O sorriso em minha face aumenta. Não porque é bom ouvir tudo isso, mas sim porque é uma prova de que eu não matei Nelly! Preciso entregar isso o mais rápido possível aos investigadores.

— Charlie, isso é o seu álibi — Lean sorri, agora estacionando na garagem do condomínio.

— Sim, preciso levar isso para a Laoghaire o mais rápido possível. — Minhas palavras se atropelam, estou ansiosa, não consigo me controlar. É só que Jayden tinha acabado de me salvar, mais uma vez.

— Vamos só guardar suas coisas e voltar para a delegacia.

— Você tem que abrir o consultório, deixa que eu vou.

— Sozinha? Pode ser perigoso.

— Relaxa — digo com um sorriso de orelha a orelha. — Prometo ser cuidadosa.

— Neste caso, não é questão de cuidado, sabe disso. Eu vou levá-la e não vamos discutir sobre isso.

Reviro os olhos, o senso protetor de Lean é algo a ser estudado, contudo, prefiro não discutir. Perderíamos tempo.

Subimos para o seu andar e eu jogo minha mochila no sofá enquanto procuro uma tomada próxima para conectar o celular. Como a bateria ainda está fraca, peço o computador dele emprestado e transfiro o áudio, depois o passo para um pen drive que ele também me empresta. Assim é mais seguro.

— Mande esse áudio para as nuvens, não podemos correr o risco de ele sumir — Lean me avisa antes de eu desligar o computador.

— Acha mesmo que é preciso?

— Mas é claro, hoje em dia todo cuidado é pouco.

Ele tem razão, por isso abro meu e-mail e carrego o áudio para o drive online. Desligo tudo e pego minha carteira. Meu corpo está possuído por uma adrenalina sem tamanho. Pensar que posso provar minha inocência é extremamente satisfatório, tanto que sequer cogito ligar e dizer para Laoghaire que estou a caminho, ou lhe perguntar se posso enviar o arquivo por e-mail... Muito mais simples.

Sou descuidada.

Talvez mereça minha sina.

O Quarto ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora