Capítulo 15 - Salvador

11 2 0
                                    


Segunda-feira.

Hoje de manhã eu fui oferecer minha ajuda para a família do pastor Ruben. A pobre filhinha deles está desaparecida desde ontem. Eles tinham esperança de encontrá-la sã e salva. Coitados! Quanta esperança em Deus eles depositaram! E Ele nada fez por Ester. Nada.

Mas não quero falar sobre Deus. Quero falar sobre os filhos dele. De como são presas fáceis. Mesmo aqueles que se dizem mais apegados. Basta uma investida e eles ficam propensos a aceitar minhas sugestões. E é claro que o livre arbítrio facilita as coisas para mim.

O ser humano não está preparado para escolher. Na maioria das vezes escolhe errado. E depois colocam a culpa em mim. Nem tudo tem o meu dedo. Mas eles adoram fugir de suas responsabilidades e culpar alguém por seus atos. Se caem quando estão indo para a igreja dizem que fui que coloquei o pé na frente deles, se tem sono durante uma pregação religiosa dizem que sou eu que não quero que eles prestem atenção. Atribuem mais poder a mim do que realmente eu tenho. Se bem que eu gostaria de ter mais poderes, e é exatamente por causa disso que eu cai. Na verdade eu fui expulso, jogado fora.

Mas quanto a Ester se me atribuírem a culpa estarão certos. Em parte.

O pastor Ruben me serviu um café enquanto conversávamos. Ele estava muito agitado, mas eu disse que todos da minha casa iriam ajudar nas buscas.

Padre Afonso chegou logo depois. Eu vi o arranhão em seu rosto e fiquei esperando que o pastor Ruben fizesse alguma pergunta ou comentário, mas ele apenas olhou e não falou nada. Eu tive vontade de falar, mas me segurei. Não devia ser eu.

Sofia apareceu na sala ao lado de Calebe. Padre Afonso a abraçou afetuoso. Ela afastou-se dele e fitou-o. Parecia encabulada. Ficou olhando-o minuciosamente, depois esfregou os olhos como se tivesse acordando de um sonho.

– O que isso em seu rosto?

Ele ficou constrangido. Não teve uma resposta imediata. Aqueles segundos provocaram uma tensão entre eles. Por fim ele disse:

– Machuquei numa roseira no jardim.

Sofia não se convenceu com a resposta, tenho certeza, pois fez uma cara esquisita e o olhou atravessado.

– Padre, pelo amor de Deus, você tem certeza que não viu minha filha em sua casa? Será que ela não entrou e...

– Ela não está lá. Já revirei tudo. A porta estava trancada. Não teria como ela entrar. A Lúcia não estava lá.

– Taiana não podia ter deixado Ester sozinha lá – interveio Calebe.

– Mas vamos encontrá-la – eu disse – Não aqui parados. Vamos procurar. Já organizei um mutirão. Há pessoas procurando por toda a parte.

– Obrigado – respondeu Ruben. – Nando está patrulhando a cidade toda. Pediu ajuda a policiais de outra cidade. Eles já estão a caminho.

Depois desta conversa eu sai da casa dele. A cidade estava em clima de luto mesmo sem ainda ter encontrado o corpo da garota.

Eu acompanhei um grupo de homens pela floresta que fica logo acima da casa em que fiquei quando cheguei e que pegou fogo. Quer dizer, a casa que eu incendiei. Eu precisava fazer aquilo. E saiu como o planejado. Às vezes com a bondade, as pessoas acolhem anjos em sua casa. Ou demônios. E nem se dão conta disso.

Na floresta não encontramos nem sinal de Ester. Cachorros iam e vinham farejando por entre as árvores. Eu deveria ter levado Abril também, mas preferi deixá-lo com Dan. Logo que cheguei lá, Dan o segurou pela coleira e o levou para o quarto. Seria mais útil com o garoto do que naquela floresta.

Depois de algumas horas voltamos para a cidade. Aqueles homens estavam exaustos, mas determinados a encontrar a filha do pastor. Foram para as margens do rio que corta a cidade, mas eu não os acompanhei. Passei no supermercado para ver Arlete.

Ela como sempre ficou toda assanhada ao me ver. Segurei sua mão direita e a encostei em meus lábios molhados. Arlete abriu um sorriso eufórico. Eu pisquei o olho para ela e sai sem dizer nada. Quando eu cheguei à porta de saída eu virei para trás. Ela estava me olhando, então passei minhas mãos por sobre a braguilha da minha calça, como se estivesse ajeitando meus órgãos genitais. Arlete suspirou fundo e eu tive certeza que ela se molhou toda. Presa fácil, e tola, como a maioria das pessoas apaixonadas.

A Luz e a SombraWhere stories live. Discover now