Capítulo 3 - Missa cancelada

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Ontem, após o jantar.

Elvira jogou a bolsa sobre o sofá, ouviu o barulho da TV no quarto de Juliano. Foi até lá, deu uma leve batida na porta. Ele disse que não estava trancada, então ela abriu parcialmente a porta e enfiou o rosto de modo que via seu sobrinho.

– Posso entrar?

– Claro tia – respondeu baixando o volume da TV.

– Eu só quero saber se o vovô Lalau comeu direito – disse Elvira sentando–se ao lado dele na cama.

Sr. Nicolau tinha 87 anos, era avô de Esperança e de Elvira, e claro bisavô de Juliano, mas todos na casa o chamavam carinhosamente de vovô Lalau. Até um mês atrás ele ainda estava bem disposto, andava com firmeza e fazia suas caminhadas matinais, mas depois de uma gripe forte, ficou bem abatido e ainda não havia recuperado suas forças. E uma tristeza brotou em seus olhos. Parecia que tinha desistido de continuar, mas todos daquela casa faziam de tudo para que ele recuperasse suas forças e voltasse a ser o velho e sorridente de antes.

– Ele comeu melhor do que no almoço tia.

– E você está melhor? Séfora...

– Se não se importa, eu não gostaria de tocar nesse assunto agora. Amanhã a gente conversa. Pode ser?

Elvira alisou os cabelos dele, depois deu–lhe um beijo na testa e disse:

– Vamos à missa amanhã comigo?

– Pode me acordar que eu vou.

Ela saiu e encostou a porta. Parou um instante e ficou pensando no jantar na casa do padre. Lembrou–se do garoto. Sentiu pena dele, mas também o achou estranho. Alguma coisa a incomodava e ela parecia ouvir vozes sussurradas no seu ouvido dizendo para não se aproximar deles. Estava aflita, preocupada com Padre Afonso. Em sua bondade acolheu aqueles estranhos.

Foi até a cozinha para tomar água antes de se deitar. Sua irmã estava descendo a escada.

– Ainda acordada Esperança?

– Não. Sou um fantasma! – Brincou. – Perdi o sono. Vou pegar um livro para ler.

Esperança passou a morar com Elvira logo após a morte do pai há dez anos. As duas sempre se deram muito bem, talvez pelo fato de não terem mais irmãos tornaram–se como costumam dizer a respeito delas na cidade, são unha e carne. Esperança tinha 49 anos e nunca se casou. Quando tinha 22 anos ficou noiva de um rapaz que trabalhava para o seu pai. Os dois estavam muito apaixonados um pelo outro, e formavam um belo casal. Tinha a aprovação de todos e já haviam marcado a data de casamento quando tudo aconteceu.

Ele chegou perto dela no supermercado e a beijou nas bochechas.

– Seu pai me liberou hoje para ir Valadares escolher o meu terno. E o seu avô Nicolau me emprestou o carro. Acredita?

– Vovô Lalau te emprestando o carro? Você conquistou mesmo o coração dele então hein? Tem mais ciúme do carro do que de nós...

Aquelas foram as últimas palavras que Esperança ouviu de sua boca. Nunca mais o viu. O carro fora encontrado no dia seguinte às margens da rodovia que liga Governador Valadares ao Rio de Janeiro. O banco do motorista tinha uma pequena mancha de sangue, mas estava intacto. A policia nunca encontrou seu corpo. Esperança esperou durante dias, semanas, meses, anos, pela sua volta. E talvez no fundo ainda esperava.

No início ela ficou depressiva, não saía de casa. Chorava o tempo todo e a revolta tomou conta de seu coração. Ela nunca se sentiu abandonada, pois tinha certeza que não tinha vivido uma mentira com ele. Tinha certeza que era amada, desejada.

A Luz e a SombraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora