A Solução

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O dia estava ensolarado, os pássaros cantavam empoleirados nas árvores mas para Letícia o dia não está tão pleno e feliz como ela queria. Apesar de estar na presença de alguém que ela gostava e tomando o seu sorvete preferido, ainda assim a situação em que ela e suas amigas haviam se metido a deixava aflita.
- Então foi assim que eu acertei sem querer a bola na cara do meu irmão. Saiu sangue e tudo. Foi engraçado mas na hora ele chorou muito e eu me senti culpado.
Rodrigo tagarelava como sempre fazia enquanto tomava sorvete com Letícia na sorveteria que todos frequentavam. No Otto havia diversos sabores; dos originais como chocolate e creme como os mais inesperados como blue ice, abacaxi e amarena.
- O que houve, Lê? Não achou engraçado?
A menina remexia o sorvete que estava derretendo no pote enquanto exibia um sorriso amarelo para o garoto à sua frente.
- Não é isso, é que estou preocupada e não consigo relaxar...
- O que houve? Você e suas amigas ainda não conseguiram dar um fim na história da caixa?
- Exatamente isso, Rodrigo – ela suspirou – Já o enterramos de novo e desenterramos e nada desse encosto da fantasma desaparecer de nossas vidas. Eu não aguento mais!
Ela desabafou enquanto dava colheradas do sorvete de pistache misturado com flocos que estava derretendo.
- Calma! Se desesperar não vai ajudar em nada. Vocês já enterraram e ela continua perseguindo vocês?
- Sim. Enterramos aquela porcaria e um monte de coisas estranhas aconteceram.
- Que tipo de coisas estranhas? – ele perguntou curioso.
Rodrigo era fascinado pelo mundo paranormal.
Antes de contar a história, Letícia olhou para os lados para conferir se alguém por perto os ouvia e em seguida começou a falar bem baixinho.
- Amanda foi matar a sede com um suco de laranja e acabou encontrando um exército de baratas no lugar – o ouvinte fez cara de nojo – Já Giovana foi tomar um banho e a luz apagou sozinha diversas vezes e no final ela leu a mensagem escrita no espelho que dizia: ''devolva-me''. Nós não aguentamos mais isso. Estou com medo de algo pior acontecer, mas não sabemos mais o que fazer.
- Caramba... Bizarro mesmo – sua expressão facial era pensativa – Deixe eu ver... Vocês tentaram devolver ao lugar original, certo?
- Sim, mas não adiantou como eu lhe disse.
- Pois então... – ele terminou o sorvete azul de blue ice enquanto seus neurônios queimavam ao tentar ter uma ideia – Uma vez li que caso a pessoa que seja dona de algo estivesse morta, os objetos ou o que quer que fosse, deveriam ser devolvidos à última linhagem dessa pessoa.
Letícia arregalou os olhos e engoliu rápido o sorvete e quase se engasgou em desespero.
- Última linhagem seria os últimos descendentes?
- Exatamente! – ele lambeu os beiços sujos.
- Mas como iremos saber quem é o descendente vivo mais recente de Catarina neste planeta?
- Ué... E aquela amiga de vocês que é historiadora e bibliotecária?
- A Lourrane?
- Essa mesmo! Ela pode ajudar vocês construindo uma árvore genealógica. Como Catarina e sua família eram importantes, não deve ser tão difícil de mapear a hereditariedade assim.
- Você é um gênio!
A menina fez algo que ele não esperava. Beijou na boca de supetão e o deixou paralisado.
- Onde você vai? – ele perguntou ao ver a moça sair correndo da mesa com pressa.
- Vou contar para as meninas e falar com a Lourrane.
- Me espere! – ele correu de encontro à ela e segurou uma de suas mãos.
- Então vamos.
Eles seguiram apressados para longe da sorveteria.

***

Horas depois as quatro amigas, o menino intrometido -que agora também fazia parte do grupo- e a caixa misteriosa estavam diante da grande biblioteca do centro do Rio de Janeiro.
Após contar toda a novidade de uma suposta solução para a perseguição, eles não perderam o tempo e foram encontrar com a bibliotecária que havia lhes ajudado anteriormente com o diário de Catarina.
- Então, Lou... você acha que é possível sabermos quem é o último descendente de Catarina? – Anna perguntou afoita enquanto respirava com dificuldade.
- Olha... É possível sim – eles comemoraram – Porém isso vai levar alguns dias, pois traçar toda a árvore genealógica não é simples como parece.
- Estava bom demais para ser verdade... – lamentou-se Giovana.
- Calma! – Amanda disse – Quantos dias você acha que demora?
- Se eu conversar com uns amigos meus que entendem disto e começar a trabalhar agora mesmo, deve levar uns sete dias ou mais.
- Tudo isso? – Anna questionou.
- Vocês têm sorte, pois poderia demorar meses ou quem sabe anos! Ainda bem que temos tecnologia aqui na biblioteca e contato com pessoas especialistas nesse assunto.
- Entendi – Anna assentiu.
- O que estamos esperando, pessoal? Vamos deixar a Lou trabalhar.
- Isso mesmo, Lê. Assim que eu tiver alguma resposta lhes aviso. Esta história é tão importante para vocês como para mim também. Conhecer ao fundo a vida de Catarina pode me servir como trabalho de mestrado.
- E para nós a solução disto é: as nossas vidas!
Lourrane franziu o cenho sem entender muito bem o que havia sido dito por Amanda, mas sorriu e se despediu do grupo.

Fora da biblioteca, eles conversavam com a esperança de por um fim naquela história de uma vez por todas.

- Eu sinto que dessa vez nós vamos conseguir.
- Deus, o Cosmos, os gnomos, fadas e duendes te ouçam! – Letícia enfatizou.
- Vamos sim, Giovana. Essa é a nossa última saída. Nossa última carta na manga.
- Realmente, Anna. Só nos resta isso – suspirou Amanda que chutou uma pedra para longe que desceu a ladeira da rua.
- Claro que vão, garotas! Pensem positivo!
Com as palavras de Rodrigo, eles se afastaram da biblioteca e foram para casa com a esperança no peito de que tudo daria certo. Tinha que dar certo, pois elas mereciam a paz.

***

7 DIAS DEPOIS

No banheiro feminino do colégio, as garotas discutiam sobre a festa de formatura no final do ano.
- Eu não sei qual cor de vestido escolher. Me ajudem? - Anna pediu.
- Eu já sei a minha cor e o modelo e mandei pra costureira ontem – Letícia estava encostada na pia do banheiro de costas para o espelho – Qual cor você vai usar? O roxo é a minha cor, hein!
- Pode ficar com o roxo, pois eu quero o vermelho.
- Eu vou de azul! – Giovana disse animada.
- E o Gustavo, Gi? Tem falado com ele? – Amanda perguntou curiosa enquanto passava batom nos lábios.
- Nos falamos ontem...
Anna, Amanda e Letícia se entreolharam enquanto exibiam um sorriso.
- Giovana e Gustavo. Eu shippo esse casal! – Anna disse.
- Calma, gente... – Giovana falou envergonhada.
- Sei... Mas gente, vocês ainda não me responderam: qual cor devo escolher?
- Não acredito que vocês vão para a festa – Fernanda, a metidinha do colégio, abriu a porta do banheiro onde estava escondida fazendo xixi.
- Ninguém pediu a sua opinião, querida – Amanda guardou o batom no bolso e disse com sarcasmo.
- Claro que não, pois jamais seria consultora de moda de vocês. Nem com um vestido da Prada vocês ficariam bonitas.
Giovana ficou boquiaberta.
- Cala a boca, garota! – Anna disparou.
- Não acredito que ela estava ouvindo nossa conversa no banheiro! – Letícia disse surpresa.
- Eu não estava, vocês que são mal educadas e falam alto demais.
A loira lavou as mãos e retocou o batom enquanto admirava a sua imagem no espelho.
Letícia revirou os olhos, Giovana bufou, Amanda e Anna se entreolharam fingindo que iam vomitar levando um dedo na boca.
- Podem voltar a falar dos vestidos bregas que vão usar, agora já sei quais cores não irei escolher para o meu vestido. Adeus, fracassadas.
Batendo a porta do banheiro e jogando o cabelo para o lado, Fernanda as deixou sozinhas novamente.
- Eu já falei que detesto essa garota?
- Só um milhão de vezes, Anna. Mas ela é insuportável mesmo.
- Coloca insuportável nisso, Giovana – Anna declarou.
- Meu Deus do Céu! – Letícia deu um grito e se segurou na bancada da pia do banheiro para não cair – Leiam está mensagem.
Repassando o próprio celular para as meninas, a mensagem foi lida em voz alta. Era uma mensagem de Lourrane sobre a linhagem hereditária de Catarina.

'' Meninas, depois de horas e dias em pesquisa para descobrir os descendentes de Catarina, chegamos à duas conclusões. Atualmente, duas mulheres estão vivas e levam no sangue o vestígios que comprovam que são parentes distantes... bem distantes de Catarina.
Uma mora nos Estados Unidos e se chama Luísa Albuquerque de Bragança e tem trinta e oito anos. A outra descendente mais nova tem dezessete anos de idade, reside no Rio de Janeiro e se chama Fernanda Ferraz de Bragança. Espero ter ajudado e quando estiverem disponíveis podem comparecer no meu local de trabalho que lhes mostro a árvore genealógica completa.''

Depois de lerem duas vezes a mensagem, todas se entreolharam e Amanda constatou algo.

- Fernanda Ferraz de Bragança não seria a... Não. Não é possível! – ela se sentou no chão do banheiro incrédula.
- Sim, Mands. Essa Fernanda é a garota que tanto detestamos e tivemos que aguentar por anos nesse colégio.

Com a confirmação de Anna, as garotas ficaram sem fala, olhando para o nada, para o teto ou para o chão. A verdade lhes atingiu em cheio e a ironia do destino havia lhes dado um bofetão no rosto.
A última descendente de Catarina, a fantasma que as perseguia e a dona dos pertences da caixa misteriosa era nada mais e nada menos que a inimiga número um delas.

Perseguição SombriaWhere stories live. Discover now