Primeiro Impacto

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    Depois da escola, Amanda chegou em casa, tomou um banho e mal engoliu o almoço para poder começar a leitura do diário de Catarina.
    Na escola, o grupo de amigas guardavam o segredo entre elas, sobre a aventura da noite passada. Invadir o colégio à noite, havia sido desafiador. Ouviram boatos da servente de serviços gerais sobre a bagunça que teve que arrumar na sala dos professores. Papéis para todos os lados, lâmpada queimada e por encontrarem a janela aberta, suas suspeitas eram que algum docente havia a deixado deste modo. No final, a professora Alice não passou a imagem de que algo a lhe desagradava, pois quando passou pelo corredor e cumprimentou suas alunas – que eram o grupo pelo qual confiscara o livro da capa vermelha- não deu a falta do objeto trocado. ''Quando seus pais virão me fazer uma visita, senhorita Amanda?'' ela havia perguntado à garota. E, Amanda, por sua vez, atuou perfeitamente ao implorar pelo diário mais uma vez. Porém, foi vencida novamente pela insistência da professora em querer a presença dos responsáveis da jovem à sua sala, caso contrário nunca mais veria a cor do tal livro. A aluna prometeu que levaria sua mãe ao colégio, mas seu foco era ler as páginas do verdadeiro diário que agora estava em suas mãos. Este problema, ela resolveria mais tarde.
    Então, no sofá de sua casa, ela deu início a leitura de uma vida passada misteriosa.
    Estava prestes a descobrir o passado do espírito que a perseguia.



 

'' 25 de Janeiro de 1880 – Rio de Janeiro, Brasil

   Estimado diário,
jamais havia pensado que me apaixonaria por alguém da maneira como me encontro.
  Decerto, devo começar desde o início de minha estória.
Lembras do tal homem da pele cor de ébano que me olhaste noutro dia pelas vielas da rua? Pois este és o mesmo homem que me revira a cabeça e invade minha mente todas as noites antes de dormir.
  Era um dia ensolarado de domingo e como todo domingo, todos vamos à igreja. Fomos mamãe, minha irmã Manoela e eu. Não sintas falta de meu pai, pois como és um homem ocupado estava à serviço neste dia andando por outras bandas.
  Meu corpo esguio adornava um belo vestido amarelo com babados e um corpete definia minha cintura e na cabeça eu usava um lindíssimo chapéu da mesma cor que o traje. Manoela usava o mesmo modelo de vestido, porém de cor diferente; ele era azul celeste.
   Entramos na igreja e nos sentamos nos melhores lugares bem em frente ao altar, onde o padre iria começar a missa. Com meia hora de início eu não me encontrava disposta a aguentar a homilia extensa do pároco naquele dia, então aleguei à minha mãe uma dor de cabeça e ela me deixou respirar um ar puro lá fora. Dispensei a companhia de Luzia e segui para a entrada do templo cristão.
   Retirei meu lenço e sequei minha testa que estava suada, quando meus olhos verdes depararam-se com o homem negro que mexera com minhas estruturas. Seu tronco forte, e músculos sobressaltados me incendiaram por dentro, mesmo que seu corpo também exibisse cansaço físico, ele ainda assim estava atraente.
Ele mirou-me nos olhos e seguiu passos para perto de mim, eu acabei me desequilibrando em um dos degraus da igreja, mal percebi quando senti a presença dele perto de mim e seus fortes braços me amparando da queda.

 - A sinhazinha estás bem? – perguntou-me com o português carregado por um dialeto desconhecido.
A presença de um homem tão perto à mim, nunca antes havia me acontecido. Eu não sabia como agir.

 - Estou bem – disse enquanto tentava recobrar minha compostura – Este sol estás a me tirar do eixo – disse enquanto me abanava com o lenço.
De repente, ele ficou apreensivo e olhou para os lados.

 - Ninguém pode sabê que eu falei com vosmecê – ele disse firme.
Franzi o cenho em incompreensão.

 - Ora pois, porquê não podem nos ver? – perguntei ingenuamente.
Foi então que senti seus braços me guiando para a lateral da igreja e fazia um sinal para que eu me calasse.

  - Os sinhô de engenho vão me açoitar se sabê que ti socorri.
No mesmo momento, minha função cognitiva se desvencilhou da falta de lucidez e se deu conta da tremenda barbárie: eu estava a prosear com um escravo.

  - Sinhá, estás bem? Estás se sentindo melhor? - perguntou-me novamente.
Tudo à minha volta girava, mas não era por um mal estar e sim, pelo que estava acontecendo.

 - Sim. Estou melhor, porém...

   Ele acenou com a cabeça e virou-se para partir, mas por um segundo de enlouquecia, algo dentro de mim fez-me cometer outra loucura. O puxei pelo braço e encostei meus lábios rubros nos lábios negros dele.
Nossos lábios se tocaram e meus olhos se fecharam. Meu coração palpitou rápido e senti-me flutuar pelo espaço. Os poucos segundos que duraram, para mim foram horas à fio.

 - A sinhá... – ele gaguejou com os olhos arregalados e espantados.
- Eu... – cobri minha boca com a luva de rende e senti minhas bochechas corarem.
- Devo ir – ele disse aflito.

  Antes, o puxei novamente e perguntei:

 - Me chamo Catarina. E qual és o teu nome?

  Com o olhar perdido e inquieto, me respondeu às pressas:
-Adofo Ashanti, mas agora me chamo José – ele disse cabisbaixo.

   Vendo-o partir em desespero, amparei-me no muro da igreja e meu peito subia e descia devido a respiração acelerada.
O nome ''José'' reverberava em minha mente e lembrança do simples beijo, me enlouquecia por completo.
Fora a partir deste dia que percebi que estava, pela primeira vez, amando alguém. E mal sabia o significado disto.'' 


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Perseguição SombriaWhere stories live. Discover now