Primeiro Sinal

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 Os dedos de Letícia folheavam um livro recém comprado quando as meninas foram pegas de surpresa por uma pergunta incomum.

 - Vocês sabem o que são íncubos? - Letícia perguntou com um olhar lunático na face.
 - Não e nem quero saber - disse Anna quando saboreava um cupcake de chocolate.
 - Pois eu quero - disse Amanda largando seu livro didático de física.

 - Íncubos ou súcubos são demônios que espreitam seres humanos enquanto dormem e fazem coisas com eles os deixando exaustos assim que acordam.

 Giovana que estava mexendo no celular sem dar muita atenção ao assunto, arregalou os olhos ao ouvir a palavra ''demônios''.
 - Quando você disse ''coisas'', quis dizer sexo? - Anna perguntou enquanto lambia resquícios da calda de chocolate do bolinho recém comido.

 -Pode-se dizer que sim - Letícia afirmou enquanto folheava o livro.
 - Que livro é esse? - perguntou Giovana cheia de curiosidade.
 - É um livro sobre pesadelos. Eu já o desejava há tempos - disse a menina com brilho nos olhos.
 - Letícia, você só lê livro estranho - comentou Amanda enquanto dava uma olhada em suas anotações de física.
 - Olha quem fala. Quem está segurando um livro de física é você!
 Todas riram juntas.

 - Falando nisso... Vocês estudaram para o teste de hoje?
 - É claro, Anna. Estou confiante nesta prova.
 - Que bom Amanda, pois eu farei esta prova na base do chute.
 - Nem me fale, Lê. Vamos mudar de assunto? - disse Giovana nervosa.
- Vamos sim, Gi. Que tal vocês elogiarem o meu anel ma-ra-vi-lho-so!? - Amanda colocou a mão sob a mesa exibindo o anel em seu dedo.

 - Não acredito que você realmente vai usá-lo!

 - Claro, Gi. Essa belezinha não foi feita para ficar guardada - ela balançava a mão e a pedra lilás reluzia refletindo a luz solar.

 - Mas uma coisa é certa: ele é lindo! - Letícia elogiou.

 Neste momento o sinal havia tocado.
 - Outra coisa também é certa; se não nos apressarmos vamos perder o maldito teste.

  Todas seguiram o conselho de Anna e foram à caminho da sala de aula.

***

 O professor já havia entregado os testes aos alunos há meia hora. Faltava pouco para o sinal tocar e anunciar o término. Giovana tamborilava o lápis na mesa. Anna revisava sua prova. Letícia fazia uni-duni-tê para escolher qual alternativa assinalar. Amanda roía as unhas em desespero e reclamava baixinho.
  Os minutos finais passaram-se e apenas três alunos permaneceram na sala. O sinal finalmente tocou e o professor recolheu as folhas.

  - O teste não estava tão difícil, não entendi a demora de vocês para entregá-los à mim.
 - Professor, é física! Não existe nada que seja fácil nessa matéria - reclamou um aluno gordinho e bagunceiro chamado João.

 - João, você não me surpreende. Tive que lhe conceder dois pontos para que não reprovasse em minha matéria no ano passado.

  O menino deu de ombros.
- O que me surpreende é você Amanda que sempre foi uma aluna aplicada em física. O que houve?
  O professor analisava as poucas respostas que ela tinha preenchido na folha e pela sua cara dava para perceber que a aluna não tinha ido muito bem.

- Eu juro que estudei professor, mas não sei o que houve. Deu branco em minha mente e eu esqueci de tudo o que havia estudado - ela disse desnorteada.
- Vou ver se consigo pelo menos lhe dar alguns pontos nestas respostas sem nexos. Mas agora podem se retirar para o intervalo.

  Os alunos saíram da sala e Amanda foi amparada pelas amigas no corredor.

 - O que houve? - perguntou Letícia.

- Que cara é essa? - questionou Anna.

- Fui péssima no teste, gente. Pelo visto será um milagre se eu não tirar zero.

- Mas como assim se você estudou pra caramba?
- Não sei, Anna. Eu sei que estudei muito  e me dediquei. Sabia as fórmulas e macetes de cór mas na hora deu branco total. Esqueci de tudo. Como sou burra! - Amanda reclamou dando um tapa na própria testa.
- Calma, amiga. Você vai conseguir se recuperar, agora eu...

- Nem me diga, Gi. Aquele teste parecia que estava escrito tudo em grego!

  Giovana consolou Amanda dando tapinhas no ombro.


***

   Depois do intervalo, as meninas foram ao banheiro antes das aulas retornarem.
   O banheiro era revestido com pisos brancos na parede e no chão. Havia cinco lugares privados com portas da cor azul. Cinco pias também estavam dispostas no local e o que mais as meninas amavam era o imenso espelho pendurado na parede acima das pias.
  Giovana lavava a mão e Letícia se apoiava de costas para pia esperando as duas outras amigas saírem do banheiro. De repente uma menina loira com cabelos compridos e com ego inflamado surge no banheiro deixando a porta bater atrás. Ela estava seguida por duas outras amigas tão esnobes e metidas quanto ela.

  - Nossa, o banheiro nunca foi tão mal frequentado - Fernando torceu o nariz ao fazer tal comentário.
  Letícia revirou os olhos e trocou de posição, ficou encostada na parede com os braços cruzados.

   - Realmente com a sua chegada só piorou mesmo. Meninas, já acabaram? - ela gritou.
  Fernanda deu de ombros e abriu a carteira cor-de-rosa e tirou um batom da MAC de dentro. Debruçou-se sob a pia e passou o batom lentamente.

  Amanda e Anna saíram do banheiro na mesma hora e foram lavar as mãos. Quando Amanda avistou a loira se sentiu incomodada e bufou. Fernanda era inimiga do grupo de amigas pois sempre fazia questão de desfazer de todo mundo e as meninas não suportavam este comportamento.
   Anna esfregou um sabão com cheiro de limão nas mãos. Amanda tirou o anel lilás do dedo mas resolveu intimidar a loira.
  - Fala sério, esse anel combinou tanto com o meu dedo.
   Fernanda parou de passar o batom e olhou de esguelha para a garota.
- Se exibindo por um mísero anel, Amanda?

- Este anel deve valer muito - disse a dona do anel enquanto ignorava o comentário da outra.
- Deve mesmo - disse Anna.
- Com toda a certeza deve ser uma joia.

- Será, Gi? Bom, a melhor parte é que ele é exclusivo. Não se pode encontrar outro como o meu em nenhum lugar.
  Ao ouvir a palavra ''exclusivo'', Fernanda virou-se para as meninas e pareceu ficar interessada.

- Exclusivo? Onde você comprou? Mandou fazer um em uma joalheria por acaso?
  Amanda chegou perto da menina e tirou  anel lentamente enquanto instigava a curiosa da fútil Fernanda.
 - Digamos que ele é valioso demais pois é raro. É muito antigo e qualquer leilão me dariam muito mais que cinco mil reais por ele. Pode ter certeza disso. Mas nenhum dinheiro me enche os olhos. Tê-lo em minhas mãos me faz sentir-me única e especial.
  Fernanda arqueou uma de suas sobrancelhas bem feitas e jogou o cabelo para o lado.

-  Nenhum consegue fazer você ser uma pessoa especial. Nem o dos mais caros do mundo - ela fechou a carteira e guardou o batom - Aliás, nenhuma de vocês são especias. Nem o vestido mais caro consegue fazer com que vocês fiquem elegantes. É algo que se nasce e não pode ser adquirido.

  Letícia ficou farta da exibição de Fernanda e chamou suas amigas para se retirarem do banheiro.
- Vamos, garotas? Deixem esta loira aguada falar sozinha, não vale a pena.

- Isso, nos deixe aqui no banheiro. Assim o astral daqui até muda!
   Amanda virou-se e disse algo antes de partir:
- Lembre-se Fernanda, nem um quilo da maquiagem mais cara do mundo consegue fazer você se sentir menos insegura. Humilhar os outros como você faz é uma amostra de fraqueza e insegurança de sua parte.
  Fernanda ficou boquiaberta e sua boca crispou-se. Ficou sem argumentos mas as meninas sabiam que não teriam paz nem tão cedo.

 - Ai, essa garota me irrita! - Giovana bufou.
- Deixa ela pra lá. Cobra ruim morre com o próprio veneno.
- Isso mesmo, Letícia. Vamos esquecê-la pois temos algo melhor para gastarmos nossas energias...
- Como assim, Anna?

  Anna tirou da mochila um convite de uma festa de um dos alunos mais populares do colégio.

- Espero que não tenham preparado nada para sexta-feira à noite - ela disse enquanto balançava o convite no ar e exibia um sorriso no rosto.


Perseguição SombriaWhere stories live. Discover now