A Última Página

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 Ela olhou para os lados e conferiu se havia alguém a espreitando e por sorte não me viu.
 Acompanhei os passos apresados de minha irmã mais velha e a segui. Foi então que percebi o que ela estava fazendo. Estava fugindo de algo. Fiquei boquiaberta quando racionei e cheguei a conclusão que ela estava fugindo do próprio casamento.
  Minha intuição foi confirmada quando ela se encaminhou para os fundos de nossa casa em direção à cozinha. A segui quando a vi fechar a porta atrás de si. 
 Os cabelos ruivos deixavam um rastro ao vento como uma chama de luz. A visão de minha irmã correndo com aquele vestido branco como as asas de uma pomba era realmente linda. Ela era como um anjo com cabelos chamuscados de fogo correndo ao léu.
 Correndo em direção ao seu verdadeiro amor. Era como nos livros que havia lido. As mocinhas nunca amavam seus noivos destinados. Sempre tinham um amor proibido. Eu sabia intrinsecamente que minha irmã era como minhas heroínas da literatura. Mas eu sabia que na vida real tudo era diferente, então eu senti que deveria dar um fim naquilo.
  No meio do caminho eu voltei à minha casa e gritei meu pai. Ele não fora para a igreja, pois iria entrar com Catarina no altar assim como todo casamento.
''Papai, papai! Me ajude a impedir que Catarina cometa o maior erro de sua vida!'' eu gritei.

 Meu pai levou um susto e perguntou o que aquilo significava.

'' Ela está fugindo do próprio casamento. Ela está fugindo do próprio destino''
 Papai, ficou enfurecido. Com seus passos pesados e rápidos me seguiu até à porta da cozinha.
''Por onde esta rapariga foi, Manoela?''
''Por lá!'' apontei para a direção em que Catarina havia corrido. Ao longe ainda podíamos observá-la. Ela era uma mancha branca e vermelha em um gramado verde esmeralda. Como uma pintura de Monet.
'' Ora pois! Por onde andas a cabeça desta tola? Quem pensas que és para fugir do próprio casório?''  meu pai gritou.

 Antes dele persegui-la, foi em seus aposentos e pegou sua espingarda. Nunca havia visto meu pai a usando. Apenas a adornava em mãos para obter respeito. Meu coração bateu forte naquele instante. Parecia que era um aviso. Uma premonição de que algo não iria terminar bem, mas era impossível impedi-lo.
'' Vá para a igreja, Manoela. Clame por sua mãe e diga-lhe o absurdo que sua irmã estas a cometer!''
   Eu deveria ter feito o que ele dissera, mas nunca fui de obedecer ordens tão fácil.

 Observei meu pai correndo com a espingarda na mão e o segui.
 Talvez aquele fora o meu maior erro. Ter dedurado minha própria irmã.

***

  Corremos até chegarmos em uma área repleta de árvores. Me escondi atrás de uma das árvores e observei meu pai com a espingarda na mão olhando para os lados. Estava à procura de Catarina.
  Os olhos de papai miraram então onde ela estava. Bem escondida entre um círculo de árvores com troncos grossos e galhos esguios. Ela não estava sozinha. Foi quando meu pai gritou com Catarina e ela saiu do esconderijo com as mãos para cima. Começou a chorar e implorar para que papai a deixastes em paz. Papai gritava e disparava palavras com raiva.
   Tentou puxar minha irmã pelo braço, mas ela era teimosa e recusava voltar para casa e ir se casar com o seu noivo.
   Dentro do círculo de árvores eu pude ver um escravo. Cavando na terra e escondendo a caixa de madeira de Catarina. Ele então saiu do esconderijo e com as mãos levantadas implorou ajoelhado no chão para que meu pai os deixassem em paz.
 As mãos de papai seguraram firme na espingarda. Os olhos verdes de Catarina se arregalaram e o casal virou às costas e começou a correr.

 Era uma caçada. Meu pai era o caçador mas a caça não era uma lebre. A caça era minha irmã e seu amor secreto. Levei às mãos ao rosto pois sabia o que viria a seguir.

  Minutos depois ouvi o disparo da espingarda.

 Pensei que avistaria o corpo do jovem negro ao chão, mas foi o oposto que vi. O inesperado.

Quem jazia no chão era minha irmã. Com seu vestido longo e agora manchado de vermelho.

  Catarina havia sido atingida pelo próprio pai.

  Não queria acreditar no que meus olhos avistavam.
 Minha irmã estava morta. Bem diante de mim.
 E minha última visão foi o bando de almirantes que trabalhavam para meu pai arrastarem o escravo que roubara o coração de minha irmã, pelos braços e o açoitaram ali mesmo. O espancaram até a morte bem perto do corpo de minha irmã.
 Foi a pior visão que tive em toda minha vida e saber que talvez eu havia contribuido para que aquilo tivesse acontecido fora o meu fim.
 Sinto falta de minha irmã como nunca antes.

 E a culpa é um peso que sei que sempre irei carregar em meus ombros.
Até mesmo depois de minha morte me sentirei culpada pelo que fiz.''

 Nem Anna, nem Amanda ou Giovana e muito menos Letícia achavam que seriam atingidas pela história de Catarina daquela maneira. Ler o último capítulo daquela história as deixou devastadas. Era como se estivessem revivendo a morte de Catarina. Por mais que aquilo havia acontecido há muitos anos, relê-lo as antigiram em cheio.

 A linda história de amor ao fim tornou-se um pesadelo.

Mas ainda assim, as jovens ainda tinham muito o que resolver para dar a paz que o espírito de Catarina merecia. E agora as meninas sentiam algo diferente. Elas sentiam um misto de compaixão e pena pelo fim que a jovem ruiva tivera. 

Perseguição SombriaOnde histórias criam vida. Descubra agora