Dois

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PERCBI QUE MEU grito havia chamado a atenção de todos para mim. Sorri envergonhada.
        — Nunca havia escutado a respeito dos Dragneel, Lucy? — indagou Mira.
        — Não, eu realmente nunca... — comecei a responder.
        — Como assim? De que lugar você veio? — intrometeu-se ele. Aproximou-se de mim, sorrindo maroto. — Não me diga que você é uma caipira?
        — O quê? — senti o peso daquelas palavras desabarem sobre mim. Realmente tentei evitar que me vissem assim, porém ele viu através de minhas tentativas. — C-claro que n-não!
        Ele riu. Boa parte da turma continuava nos encarando.
        — Então por que está gaguejando?
        — I-isso é porque você me pegou desprevenida com essa pergunta!
        — Hum... — murmurou. Não entendo o porquê, entretanto ele fez o mesmo que tantas outras pessoas fizeram: me avaliou. Não acho que dê para ver alguma diferença de status sendo que estava trajando o uniforme da escola, mas para ele aparentemente dava. E pareceu perceber algo que mais ninguém pôde: — Você é estranha — concluiu.
        Senti como se uma enorme pedra de cimento tivesse caído em minha cabeça.
        — O quê? — levantei-me, enervada com sua última frase. Todo o resto dos murmúrios da sala, que não eram muitos, cessaram. Erza, Mira e muitos outros encaravam-me chocados.
        O rosado encarou-me surpreso por algum tempo. Por fim, caiu na risada.
        — Você é interessante! — exclamou.
        — Huh? — o que esse garoto é? Um tsundere? Uma hora me irrita, na outra elogia?
        — Você é surda? — perguntou, sarcástico. Se aproximou-se um pouco mais: — Falei que você é interessante!
        — Não sou surda! — bronqueei. Ele continuou rindo. — Qual a graça? — perguntei irritada.
        — Como eu já disse: você é estranha.
        — Como eu já disse... — repeti. Aquele garoto me irritava. — O que isso significa?
        Ele abriu a boca para responder, no entanto neste momento a porta da sala abriu, dando passagem para o professor.
        — Bom dia... — lançou-me um olhar insignificante. — Todos sentados, por favor — ordenou.
        Percebi que ainda estava de pé e todos me lançaram um olhar acusador. Sentei, sentindo-me totalmente uma idiota. Pude ouvir Natsu rindo atrás de mim. Estava pronta para ralhar com ele, entretanto o professor me chamou, pedindo para me apresentar para o resto da sala.
        — Então essa é a nova aluna, Lucy Heartfilia. Sejam gentis com ela — comunicava o professor Laxus, que era bem jovem, diga-se de passagem. Seu cabelo era loiro e curto, a pele clara e, por mais estranho que seja, possuía uma cicatriz em forma de raio que passava sobre o olho esquerdo.
        — Olá — disse, levemente envergonhada. Por causa daquele idiota, minha imagem para a turma estava danificada. “A caipira escandalosa”, é como irão se referir a mim. — Sou uma pessoa muito reservada — fiz questão de olhar nos olhos de Natsu ao dizer isso, como se o desafiasse a provar o contrário —, então provavelmente irão me ver mais mergulhada em um livro do que conversando. Bem... é isso. Espero que possamos nos dar bem.
        Inclinei-me, como de costume ao se apresentar em uma nova classe, e fui até meu lugar. Ao chegar lá, Dragneel sorriu sarcasticamente para mim, como se me chamasse para um desafio.
        Lancei-lhe um olhar nervoso. Esperava não ter tantos problemas com ele. Primeiro porque odiava não me dar bem com alguém, e ele era alguém importante naquela escola.
        Infelizmente, não seria tão fácil assim.

✩✩✩

        O resto do dia fora bem entediante. Tive que conversar com todos os professores, procurando uma solução para a matéria que havia perdido e todos pareciam concordar que deveria pedir ajuda para uma de minhas novas amigas.
        Sai da sala dos professores suspirando exasperada. Aquilo era um saco.
        Continuei minha caminhada lenta até a sala de aula, aonde peguei minha bolsa e saí da escola, atravessando os enormes portões negros. Já havia passado da praça há muito tempo quando lembrei que em casa não havia nada e tive que voltar o caminho todo. Graças ao moço da padaria encontrei facilmente um dos mercados vinte e quatro horas da cidade, pois ele havia me indicado o caminho mais cedo. Comprei alguns pacotes de salgadinhos, pocky, latas de refrigerantes e sucos, e alguns obentos prontos. Teria que sobreviver daquilo até ter colocado tudo em ordem no apartamento.
        No caminho de volta, andei calmamente, observando a cidade que ficava linda ao crepúsculo. O rio que atravessava aquela rua refletia a luz alaranjada que o sol jogava pelo céu, e as ruas continuavam calmas mesmo levando em conta o horário.
        Aos poucos as luzes dos postes iam acendendo, indicando o início da noite. Avistei meu apartamento ao longe e fiquei feliz pelo fato do mercado não ser tão distante, pois as sacolas estavam pesando um pouco. Estava pronta para correr até os portões quando algo puxou uma de minhas sacolas para trás — um enorme cão ruivo.
        Ele ficou ali, me encarando com os olhos negros e com a boca ainda prendendo a sacola, como se quisesse algo.
        É claro que, qualquer pessoa em meu lugar sairia correndo em uma situação assim, mas cresci no campo, rodeada de animais. Agachei-me e passei a mão lentamente em sua cabeça.
        — O que foi? — perguntei gentilmente, como se ele fosse responder. — Você quer alguma coisa que está na sacola?
        — Lector! — gritou um garoto loiro correndo em nossa direção. O cão largou a sacola e correu até ele, pulando animado em seu colo e o derrubando. — Cara... Não fuja assim!
        O loiro então notou minha presença. Levantou, tirando a poeira da roupa e caminhou em minha direção sendo seguido de perto pelo animal.
        — Desculpe — pediu. Pegou uma das latinhas que haviam caído da sacola, me fazendo perceber que ela havia rasgado. Droga! — Tudo bem?
        — Ah! — levantei-me. — Sim. É seu cachorro?
        — É. Sinto muito. Ele tem essa manias de às vezes sair correndo assim — olhou para as latas espalhadas pelo chão e depois para mim. — Acho que vai precisar de ajuda para carregá-las. — abaixou-se e começou a empilhá-las em seus braços.
        — N-não precisa! — exclamei surpresa. Ainda existiam pessoas gentis mesmo em Magnolia...
        — Claro que precisa! — afirmou. — Você está cheia de sacolas! Além disso, ela rasgou por causa do meu cachorro, então veja isso como uma forma de me desculpar.
        Ele sorriu para mim e acabei devolvendo o gesto. Concordei com a cabeça. Ele estava certo em todos os pontos afinal.
        Caminhamos calmamente até os portões da hospedaria conversando. Lector em nosso encalço.
        — E chegamos! — exclamou animadamente, dividindo as latas nas sacolas que eu segurava.
        — Obrigada — agradeci, sentindo meu coração esquentar pelo ato de gentileza.
        — Então nos vemos outro dia! — despediu-se, colocando uma coleira em Lector.
        — Claro! —exclamei feliz. Só então percebi que não sabia seu nome. — Er...
        — Sting — apresentou-se. — Me chamo Sting Eucliffe. E você é...?
        — Lucy — respondi. — Lucy Heartfilia.
        — Então até uma próxima, Lucy!
        Ignorei ele ter me chamado informalmente e entrei no apartamento. Tive algumas dificuldades para subir com aquelas sacolas pesadas, mas consegui dar um jeito. Arrumei as compras nos armários até então vazios e fui tomar um banho.
        Naquela noite repassei o dia todo, revendo minhas impressões sobre todos que havia conhecido. O atendente da padaria era legal e prestativo. Erza podia assustar um pouco, porém era uma boa amiga. Mira era a fofura em pessoa! O professor Laxus parecia ser bem indiferente em suas aulas... Natsu era um grande imbecil — e não creio que minha opinião quanto a ele vá mudar.
        E Sting parece uma boa pessoa... Entretanto não vou esperar nada de especial dele. As aparências enganam, como dizem muitos por aí.
        Suspirei desistindo de pensar sobre aquilo. Sem perceber acabei adormecendo, jogada de qualquer jeito na minha cama mal-organizada rodeada por caixas de papelão lotadas de objetos, posicionadas de qualquer forma pelo espaço do local.

Meu Estranho MafiosoWhere stories live. Discover now