Capítulo 20 - Lembranças: Parte 10

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Respirei fundo. Me preparei para falar tentando manter minha voz o mais normal possível, sem transparecer a pilha de nervos em que eu me encontrava. A bombinha já começava a fazer efeito, fato esse que ia me ajudar na interpretação.

- Oi mãe!? - Falei alto. Consegui um tom convincente de normalidade.

- Que grito foi esse? - Ela perguntou do outro lado da porta. Olhei pra Davi, que estava nervoso. Arregalei meus olhos numa expressão de "deixa comigo". Dei alguns passos apressados até a porta rezando para que meu rosto também estivesse normal.

- Não foi nada. - Falei abrindo a porta. - Tava contando uma história a Davi e me empolguei. 

- Ah... Davi está aí? - Ela perguntou.

- Tá sim. - Abri um pouco mais a porta para que ela o visse.

- Tia Laura! - Ele falou ao ver ela. Olhei pra ele, seu rosto não estava nada natural.

- Oi, meu amor. - Ela franziu levemente o cenho ao encará-lo. Então olhou pra mim novamente. - Certeza que está tudo bem por aqui?

- Tenho. - Falei um pouco mais tenso. - É que... - Pigarrei. - Davi tá com uns problemas. Eu tô tentando ajudar ele.

- Problemas? - Ela perguntou num tom um pouco irônico. - Sei. No mínimo tem alguma menina envolvida nisso. 

- Nossa! - Respirei aliviado. Aproveitei a deixa. - Tá tão claro assim? 

- Theo, olha só essas carinhas de vocês meu filho. - Ela apertou meu queixo. - Se tem uma coisa que vocês vão ter de sobra é problemas com mulheres. - Ela sorriu. Não tinha noção do quão enganada estava. Senti um leve enjoo só de pensar. - Enfim. Vim aqui pra lhe avisar que vamos sair pra jantar juntos hoje. Seu pai quer aproveitar que Frederico tá aqui. 

- Fred, mãe. - A interrompi para corrigir. Por mais que ele não gostasse de ser chamado pelo nome completo, ela insistia. 

- Que seja! - Ela falou com um leve bico. - Avise a Nanda. - Ela olhou para Davi. - Sinta-se convidado Davi. Se tiver se resolvido com a tal moça, leve ela também. Já está na hora de apresentar uma namorada à família. -Senti um leve constrangimento com o que minha mãe falou. 

- Obrigado, tia. - Ele respondeu.

- Vou deixar vocês resolverem o problema do Davi, agora. - Ela me deu um beijo na bochecha e se virou, puxando a porta atrás dela.

Quando voltei a ficar de frente para Davi, ele vinha em minha direção começando a erguer um braço e por um momento pensei que ele fosse me abraçar, mas sua mão ia em direção à maçaneta da porta. Tomado por um encorajamento, talvez vindo da música que começava a tocar, segurei seu pulso antes que ele alcançasse seu alvo.

- O que foi? - Ele perguntou me encarando. Seu rosto estava confuso.

- Espera. - Falei. Eu estava mais calmo. A conversa com minha mãe tinha permitido que eu respirasse e me tranquilizasse um pouco mais. - Eu tava nervoso. É que tudo isso... é muita coisa na minha cabeça ao mesmo tempo. Tem hora que mistura tudo... - Parei de tentar justificar e o encarei. - Desculpa! Fica. Por favor. - Só então ele recuou a mão, aceitando meu pedido. Coloquei um leve sorriso no rosto. - Eu lembrei agora, por conta disso. - Apontei com o polegar a porta atrás de mim. - Nem agradeci por ontem. Tu salvou minha pele.

- A nossa! - Ele me corrigiu, dando um leve sorriso também. - Assim como tu fez agora. Como nos velhos tempos, um salvando o outro. 

- Como nos velhos tempos. - Repeti. Respirei fundo, tentando me encher de calma. - Te interrompi em que parte da história?

- Eu tava falando sobre Gustavo. - Ele falou.

- Isso. - Concordei.

Ele apontou a cama, como se pedisse autorização pra sentar. Em seu rosto eu ainda notava certo receio. Pelo jeito eu havia realmente o assustado. Confirmei com a cabeça e, enquanto ele sentava na cama, peguei a cadeira da mesa de leitura, girei e me sentei de frente pra ele. 

- Então... - Ele iniciou. - Há uns dois anos, eu fui dormir na casa de Gustavo, por conta de um trabalho em dupla que tava com o prazo bem apertado. A gente já tinha uma intimidade legal e tal... Ele nunca escondeu de mim, nem de ninguém, que é gay. Aí eu tentei criar coragem pra falar com ele, sobre tudo que eu pensava. Até tentei, fiz uma ou outra pergunta falando que eram hipóteses, mas desisti. Ele deve ter percebido.

- Porquê? Ele comentou alguma coisa? - Interrompi ele, curioso.

- Ele fez melhor. - Ele respondeu. Seus olhos se moveram rapidamente para o lado e voltaram a me encarar. - Ou pior... Depende do ponto de vista. - Então apertou os lábios. Entendi o que ele queria dizer.

- Ele... - Não precisei completar.

- Sim. - Ele me interrompeu. Seu rosto ganhou uma expressão envergonhada. - Foi algo parecido com o que aconteceu com a gente. - Ele pausou. - E quando acabou ele veio falar comigo sobre aquilo. Cheio de perguntas, na maior naturalidade. Não sei explicar o motivo, mas eu tava tomado por um nojo, uma repulsa... a última coisa que eu queria ouvir era a voz dele. - Arregalei os olhos. Ele meneou positivamente a cabeça. - Foi por isso. Por isso não falei contigo Theo.

- Tu achou... - Tentei falar mais uma vez. E novamente ele completou me respondendo. 

- Que a última coisa que tu ia querer ouvir era minha voz. - Ele ficou me encarando por um momento, em silêncio. Então deu de ombros e continuou. - Eu tentei te evitar, dar espaço. Fingi que nada tinha acontecido. Quando bati contigo na cozinha foi inevitável falar, mas tentei agir da forma como eu queria que Gustavo tivesse agido comigo. Por isso voltei no carro de Igor. Pra te dar espaço.

- E tudo que eu queria era conversar. - Falei com uma expressão calma. Eu tinha compreendido o lado dele. - Inicialmente eu até fiquei um pouco aliviado com tua indiferença. - Dei um leve e discreto sorriso, então voltei a ficar sério. - Mas eu queria falar sobre aquilo. Eu queria que tu tivesse falado algo. Qualquer coisa.

- Eu percebi... - Ele falou. - Um pouco tarde, mas percebi que talvez eu tivesse agido errado. No meu caso eu evitei Gustavo por alguns dias, mas depois procurei ele. Conversamos sobre aquilo, ficou claro que entre a gente só tinha amizade. Então fiquei esperando tu me procurar. Mas tu tinha sumido completamente. Não te via na academia, tu mal falava nos grupos. Foi aí que percebi que talvez eu tivesse feito algo errado. Por isso te chamei no privado do Whatsapp. 

- E eu não respondi. - Falei.

- Aí tive certeza. - Ele disse. - Eu também tava uma pilha com tudo isso. Não quis forçar um encontro. Aí esperei a festa, onde ia ser inevitável a gente se ver. Eu ia analisar como tu me tratava e poder falar contigo. 

- Teu plano perfeito era falar comigo na festa? - Perguntei em tom levemente sarcástico.

- Não falar, assim como agora. - Ele explicou. - Falar contigo pra dizer que eu tava disposto a conversar. Como estamos fazendo agora. - Ele arqueou as sobrancelhas. - Mas eu vi tua cara. Aí tive que beber pra criar coragem. O resto da confusão tu já sabe.

Ficamos alguns minutos em silêncio. Eu refletia sobre tudo o que Davi tinha falado. Agora eu compreendia melhor a forma como ele tinha agido depois do acontecido. Isso diminuiu um pouco a raiva que eu sentia dele. Mas então pensei na outra questão que me fazia odiá-lo. Então resolvi quebrar o silêncio.

- Mas me diz uma coisa. - Eu me levantei e caminhei até a cama. Seus olhos me acompanhavam. Sentei me encostando na cabeceira. Ele girou o tronco em noventa graus para me encarar. - Porque eu? Como tu sabia que...

- Eu não sabia. - Ele me interrompeu. - Não tinha a mínima noção. 

- Então? - Perguntei. 

Davi pegou o travesseiro que eu havia o dado antes do meu ataque de stress e havia ficado na ponta da cama, colocou atrás de sua cabeça e jogou o corpo pra trás, deitando. Ele encarava o teto. Não sabia o que ele ia dizer, mas, pelo jeito, ele não queria me encarar enquanto falava.

Insônia (Romance Gay)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz