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Alice
Observando Gabriel se afastar em passos largos, percebi que eu gostava de fazer aquilo. Observa-lo. Não consegui esconder o sorriso bobo em meus lábios.

"Para com isso Alice. Para com isso. ", pensei.

Amanda ria sozinha e sua súbita alegria tornava a cena anterior cômica. A brisa suave bagunçava ainda mais seu cabelo e, se não fosse pela maquiagem borrada e escorrida ou seus olhos vermelhos com pupilas dilatadas, ela até passaria por sóbria. Ficamos uns bons minutos sentadas, somente rindo como retardadas.

– Eu odeio o Matheus, Alice. Odeio, odeio, odeio. Ele é um idiota. Um idiota super fofo, que fez eu me apaixonar. Eu, que pegava garotos lindos, mas incrivelmente burros, que a diferença entre eles e uma porta é nula, que beijava e beijava mas não tinha vontade nem de vê-los cinco minutos depois de voltar a realidade. Mas quando eu fico com um garoto incrível, inteligente, carinhoso e que eu me apaixonei perdidamente... Sim, eu me apaixonei senhoras e senhores. - ela gritou, entre risadas levemente sarcásticas - Eu me apaixonei. - Amanda deitou no chão de madeira, com as mãos na barriga, sem controlar o riso - Ele é um completo idiota, que beija a ex na minha frente.

Respirei fundo, sem saber o que dizer, ou pensar.

A menina parou de rir e começou a encarar o teto mal cuidado. Deitei ao seu lado, sem dizer nada. Não havia o que falar. Amanda era uma pessoa muito fechada. Mesmo que fosse muito carinhosa, não se abria com facilidade. Não falava de seus sentimentos nem que a pagassem. Dos dez anos que a conhecia, foram poucas as vezes que ela falou sobre o que sentia, quando falava era porque estava a ponto de explodir. E a maioria de seus problemas compartilhados eram sobre preconceitos e injustiças.

Eu lembrava do dia que a vi pela primeira vez. Uma menininha bem arrumada, com presilhas coloridas por toda a cabeça para controlar o cabelo rebelde. Eu comecei a mexer em seus lápis de cor e ela me fuzilou com o olhar.

"Não vou quebrar nada", disse eu.

Ela continuou parada, me olhando duro, sem reação, fira como gelo.

"Você não vai falar nada? Para com essa cara menina. Desse jeito você me assusta. Parece fantasma. "

A garota abriu um pequeno sorriso, mostrando os pequenos dentes brancos.

"Eu sou Amanda e você é minha nova melhor amiga."

Com o passar dos anos, ela continuou com os olhos duros e frios. As únicas pessoas que a garota permitia, raramente, que vissem um pouco mais do que a grossa camada de gelo em seu coração eram eu e sua mãe. 

A primeira vez que a vi chorar foi na noite de seu aniversário de 11 anos, quando uma garota mimada falou que o pai de Amanda, senhor Gonzales, só estava com a senhora Gonzales por pena, já que uma preta daquelas nunca conseguiria alguém descente. Mas ela só chorou depois de dar um bom tapa na cara da menina. Os cinco dedos de Amanda ficaram estampados no rosto da outra por uns bons dias. Foi hilário.

Mas vê-la agora, desabafando chapada, não era legal. Ouvi-la gritar que havia se apaixonado por Matheus e saber que ele quebrou seu coração era difícil. Não combinava com Amanda.

– E se na próxima briga ele fizer mais do que um beijo? - perguntou ela, mais para si mesma, como se não lembrasse da minha presença ali - Ele devia ter me procurado depois da nossa briga. Mas não procurou. Também, quem procuraria uma louca que desconta os próprios problemas no namorado daquele jeito. Ou melhor, quase namorado. Nem tínhamos oficializado nada. Ele tinha todo o direito de beijar quem quiser. Eu que fui burra de pensar que não.

– Não Amanda, nada disso. Não pensa assim, não. Vocês podiam não ter oficializado nada, mas estão ficando há meses. E você é uma garota incrível. Ele não tem o direito de sair beijando qualquer uma na primeira briguinha besta.

Ela respirou fundo e alto. 

– Eu devia ter imaginado que estava tudo muito bom para ser verdade.

– Vai ficar tudo bem Amanda. - eu não sabia o que dizer, mas eu tinha certeza que tudo se ajustaria no final. 

– Eu não gosto de me apaixonar, Alice. Mas tenho certeza que você me entende nessa parte. - ela riu suavemente, debochando da minha cara.

Que droga, até chapada Amanda lembrava do que acontecia comigo.

Semicerrei os olhos para garota, fingindo não entender o que ela disse por último.

– O que?

Ela soltou uma risada de escárnio.

– Você me entendeu muito bem dona Alice. Eu posso estar chapada, mas não estou cega. Pensa que eu não vejo como você muda perto do Gabriel? Como seus olhinhos verdes brilham quando fala dele e das coisas que aconteceram? Como está sempre irritada quando ele faz algo errado? É até bonitinho sua preocupação com ele.

– É tudo parte do plano Amanda. - afirmei, tentando esconder a hesitação em minha voz. Eu sabia que aquilo não era verdade.

– Você realmente sabe interpretar em Alice. - ela riu sarcasticamente - Devia ganhar um Oscar, sabia?

– Para com isso Amanda. Ele é um saco.

– Imagina se a Sol soubesse do quão apaixonada você está. Ela ia surtar. Até você ama ele. - sua risada começou a pesar em meu coração. Um peso morto começou a se formar bem, mas bem, la no fundo. 

– Eu não amo ele Amanda.

– A Sol ia surtar. - ela repetiu como se não me ouvisse.

Ia mesmo. É por isso que eu não contava o que acontecia entre eu e Gabriel para ela.

– Eu sabia que esse plano não ia funcionar. Desde que vocês brigaram naquele estacionamento, eu sabia que ele gostava de você. - Amanda confessou, sem prestar atenção no meu desconforto. 

Eu queria sair dali, daquela conversa.

– Você não está com fome Amanda?

– Morrendo de fome.

– Vamos entrar, então.

Ajudei Amanda a levantar. Meio cambaleante, entramos na casa, onde Gabi assistia "As Meninas Super Poderosas", agarrada à seu brinquedo rosa.

Deixei Amanda pegar o que ela quisesse, enquanto verificava a ausência de minha mãe em seu quarto. Gabi tinha razão, ela nunca estava lá. Então, para que me preocupar em verificar?

Comemos, conversamos e rimos o resto da noite, sem nem ver a sombra de minha mãe. Mesmo depois de colocar Gabi para dormir e o efeito da maconha passar, não falamos mais de Sol, planos ou nossos interesses amorosos. Foi uma noite agradável, mas eu sabia que assim que o sol nascesse, minha pequena trégua com o Universo e com todos os problemas que tinha que enfrentar, acabaria.

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⏰ Last updated: May 25, 2018 ⏰

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