Capítulo 17

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Tate

Elan não estava falando comigo também.

Akila quase aplaudiu quando eu disse que Elan havia tirado a feérica da cela e lhe dado tratamento para a infecção.

E enquanto meu primo velava a feérica, médicos, enfermeiras e criadas corriam para dentro e para fora do quarto e ela vomitava as tripas ao lhe darem a primeira dose do remédio, eu permaneci no canto.

Depois que tudo se acalmou, eu a observei.

Ela poderia realmente ter morrido se não fosse por Elan.

Akila a visitou também. Ele parecia ter se afeiçoado a ela, como um irmão.

Mais tarde fui chamado para organizar a guarda do rei, já que ele resolvera ir para Naliry, seu palácio de inverno, mesmo que o frio só chegasse em algumas semanas.

Resolvi que mandaria Devlon para chefiar a guarda, já que eu queria ficar de olho na feérica e sabia que Akila provavelmente se recusaria a me deixar sozinho com ela.

No fim do dia, fiquei sabendo que ela havia acordado, já que Elan havia ordenado um pequeno banquete para seu quarto.

Deixei um de meus homens de guarda perto do quarto dele. Mandei que me avisasse quando Elan saísse do quarto.

Estava andando por corredores aleatórios quando me avisaram que ele havia saído.

Peguei alguns atalhos até o corredor de carpete grafite.

Quando entrei no quarto dele, estava vazio. Ouvi água vinda do banheiro e me aproximei com cautela.

Abri a porta sem fazer barulho e espiei lá dentro. Eu só conseguia ver a pia e o espelho, onde refletia um pedaço da banheira, que estava cheia e espumando.

Abri mais um pouco a porta e entrei.

Meu estômago caiu e eu tive vontade vomitar.

Ela estava de costas para mim, sentada na metade da banheira e abraçando as pernas. Seu cabelo curto estava preso no topo da cabeça e ela parecia alheia a tudo.

Mas o que realmente chamou minha atenção foram suas costas.

Uma tatuagem enorme de asas marcava suas costas. As asas iam até o fim da lombar e uma pequena parte das asas ficava à mostra nos ombros. Mas era no começo da tatuagem que meus olhos ficaram. As bases das asas começavam em duas cicatrizes profundas. A pele dela ali estava funda, como se faltasse algo para preencher aquela parte.

Eu já havia visto centenas de cicatrizes, inclusive tinha algumas muito feias, mas nada como a dela. Como se tivessem arrancado a carne ali.

Eu encarei suas costas durante vários segundos, sem sequer respirar.

Ela se virou para pegar alguma coisa e congelou ao me ver. Ela agarrou a toalha verde que estava perto dela e se enrolou enquanto saía.

" O que está fazendo aqui?" Ela disse, com medo.

"O que aconteceu com suas costas?" Perguntei antes que pudesse me parar.

Ela parou, o medo hesitando, e franziu as sobrancelhas. " O que você disse?"

Pigarrei, juntando coragem. " Suas costas. As cicatrizes. O que aconteceu? "

Ela me encarou por alguns segundos, como se tentasse ver deboche por trás das minhas palavras. Mas não havia.

Eu me sentia vazio.

" Minha mãe nasceu com asas. E eu também. Cresci andando entre as nuvens com ela e sentindo o vento em meus cabelos. Mas quando chegávamos em casa, meu pai bêbado nos espancava por termos saído sem permissão. Um dia, ele a bateu tanto que ela...ela não aguentou." A voz dela diminuía a cada palavra e eu quis me aproximar mas tinha medo de que ela parasse de falar.

" Meu pai não sabia como lidar comigo e meu irmão, então ele arrumou algo que o beneficiasse em dobro." Ela estava com raiva agora. "Ele nos vendeu numa feira perto dali. Eu e meu irmão fomos separados e eu fui para dois homens extremamente cruéis com as piores intenções possíveis. Eles queriam me revender para um bordel por um preço alto, mas as asas, eles acharam, eram um impecilho. Então eles as arrancaram. "

Eu dei um passo na direção dela mas ela não pareceu notar. " Eu gritei de dor. Foi como se arrancassem um braço ou uma perna puxando. Andreas chegou tarde demais. Ele matou os dois homens e me levou embora. Mesmo que eles tivessem conseguido curar a ferida, nenhum curandeiro conseguiu fazer outras asas crescerem."

Ela chorava silenciosamente, os olhos desfocados, provavelmente em outro continente.

" A tatuagem..." Eu disse.

" Um jeito de fazer a dor diminuir. Embora eu não possa mais voar, eu ainda tenho asas." Ela riu amargamente da piada.

" Quantos anos você tinha?"

Ela me olhou nos fundo dos olhos, a dor ali era profunda e infinita. " Seis."

A palavra me atingiu com força. Mais força do que qualquer tapa poderia.

Me virei e saí do quarto. Passei quase correndo por todos e até por Elan.

Eu sabia que não sentia aquela raiva há anos e aquilo me consumia a cada respiração e enlaçava cada pensamento meu.

O Reino de AçoOnde histórias criam vida. Descubra agora