RETALHOS DA MEMÓRIA.

O MISTÉRIO DE ESCREVER.

      No ofício da escrita, usamos muito mais do que tinta e papel, ou melhor,  usamos muito mais do que as teclas de um computador e sua tela em branco para escrever. Nesta manhã fiquei a refletir sobre esse assunto, que nós escritores, principalmente nós cronistas, vamos sempre um pouco além da simples e pura imaginação, eu e muitos que compartilharam do mesmo ofício solitário, nos acostumamos a irmos sempre um pouco mais longe com as nossas palavras, reavivando as nossas lembranças, enxergando o mundo por uma ótica única e diferenciada, somos como pintores, Da Vinci, ou talvez Picasso das palavras, assim nos vejo ao pincelar com palavras simples as nossas crônicas, retratando as cenas de um dia a dia que nem todos enxergam.
        Escrever é mesmo um mistério, é muito mais do que colocar palavras em um papel em branco, escrever é muito mais que discorrer sobre determinado assunto, escrever é se perder em pensamentos que não querem ser encontrados, escrevemos com a alma e com o coração, e o colocamos na ponta dos dedos, as vezes choramos com as nossas palavras, as vezes sorrimos, as vezes voltamos a um passado distante de vidas que foram esquecidas, as vezes abrimos com palavras portas de um passado que a muito foram fechadas, as vezes relembramos memórias alegres, as vezes nem tão alegres assim, causando sensações e sentimentos em nossos leitores que nem sequer imaginamos, escrever é o mais solitário de todos os ofícios, e o escritor talvez seja de todos os profissionais, o mais misterioso.
       As vezes eu escrevo com muita dor no coração, e com muita angústia na alma, com um desespero sem tamanho,  as vezes escrevo com lágrimas nos olhos, as vezes escrevo sem ter uma fagulha de esperança, mas ainda sim, diante de tanta dor, eu escrevo, por paixão, por amor, por loucura, as vezes recebo críticas pelas palavras que coloco no papel, as vezes recebo alguns elogios, mas esses são tão escassos, que quase não os percebo quando eles surgem. As vezes meus horizontes são acinzentados, com nuvens pesadas em dias de tempestades fortes, e quando isso acontece;  eu escrevo, e o faço com todo o gosto, com todo o esforço que é exigido por essa nobre arte incompreendida, vivemos por dizer é denunciar as mazelas que estão ao nosso redor, imperceptíveis aos olhares dos cidadãos comuns, porém, gritantes a de um escritor.
         Outro dia uma pessoa me perguntou o porque eu escrevo, fiz das minhas palavras as palavras de Fernando Pessoa, quando ele disse que escreve para salvar a alma, da mesma forma sou eu, escrevendo para aliviar o peso da vida na minha alma sofredora, penso que todos os escritores fazem o mesmo, também tentam aliviar o peso de suas vidas através da leveza das palavras, mas talvez eu esteja sendo dramático demais, escrever também é um ato de prazer, é uma forma de arte, imaginamos o papel como uma tela e as palavras como tintas, e os textos que produzimos é a nossa obra retratada; cada um apresenta o seu estilo, alguns contemporâneos, alguns são modernistas, outros são realistas, e assim por diante, já eu, não sei o que de fato sou, talvez a mistura de todos, talvez um pouco de tudo em um pingo de nada.
         Os dias acabam por nós ensinar coisas que os anos nunca souberam, e cabe a quem escreve, transmitir esses ensinamentos através da simplicidade das palavras. Rúben Braga, grande crônista e escritor brasileiro, que fez o seu nome unicamente escrevendo crônicas nas perecíveis páginas dos jornais, disse certa vez, que se sentia muito diferente dos demais escritores, ele os comparou a construtores de grandes mansões, enquanto ele, se considerava um cigano, que armava  sua tenda pela noite e a desmontava pela manhã, achei magnifica aquela definição,  as vezes me sinto da mesma maneira, como um cigano aventureiro, que não tem destino certo, e nem morada fixa, as vezes sou crônista, as vezes sou romancista, mas também fui poeta, e me arrisco como contista, enfim, sou apenas um catador de palavras que são jogadas ao vento, apenas isso, nada mais.