FAZENDA LINDOYA.

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Lembro-me de quando eu era criança, do tempo em que eu morava em uma fazenda no interior de Minas Gerais, me recordo do cantar do galo logo nas primeiras horas da manhã, do orvalho fino na copa das árvores e nas pétalas das flores, gotas que aos poucos escorriam das folhas buscando o chão, como uma lágrima de despedida que se esvai de repente, lágrima da noite que se foi, gotas douradas silenciosas e solitárias.
       Lembro-me do enorme quintal de terra batida, e do cacarejar alvoraçado das galinhas no momento em que meu pai jogava o milho, asas se debatendo, galinhas disputando entre bicadas milho por milho; em poucos instantes os grãos desapareciam completamente e as galinhas iam cada uma para seu lado. Me recordo do fogão a lenha aceso, brasas vermelhas, o cheiro gostoso do café passado em coador de pano. Na cozinha uma mesa bonita, com queijo fresco, goiabada caseira, pães caseiros, manteiga, leite de vaca tirado na hora, milho assado e a doce voz da minha mãe nos chamando para tomar o café.
        Lembro-me que logo após o café, depois que meu pai saia para o trabalho, eu e meus irmãos corríamos para o quintal, brincávamos a manhã inteira, brincadeiras que eu costumo chamar de caseiras, nós não tínhamos vídeo games, mas nem por isso éramos menos felizes, brincávamos com simples bolinhas de gude, e era muito divertido. Não tínhamos Internet, vídeos do YouTube, não tínhamos whatsapp e nem face book, mas ainda sim éramos felizes, tinhamos boas amizades, conversávamos olho no olho, face à face; hoje tal coisa está em desuso, o avanço da tecnologia acorrentou essa geração; um comodismo perigoso e egocêntrico toma cada vez mais espaço na vida de milhões de pessoas afastando-as uma das outras. Lembro-me com saudade imensa e dor na alma da fazenda onde nasci.
         Naquele tempo as brincadeiras eram simples, porem, era as mais divertidas, brincávamos de pega, pega, queimada, futebol em campo de terra, e tantas outras brincadeiras que já nem existem. O que dizer dessa nova geração, que não conhece o que é acordar com o galo cantando as cinco da manhã, o que dizer de uma geração que não sabe o que é andar a cavalo, que não sabe o que é pescar de varinha de bambu, que não sabe o que é levar uma carreira de boi bravo. E depois de passado o susto ficar contando vantagens aos mais velhos. Havia algo de diferente no olhar de cada um, uma inocência gostosa que se perdeu com o passar do tempo, essa nova geração cresce escravizada da tecnologia.
        Lembro-me da fazenda chamada lindoya, dos colegas de infância, da velha fábrica de aguardente onde meu pai trabalhava, dos caminhões carregados de cana em época de moagem, do tempo em que a velha fábrica funcionava e do cheiro gostoso do melaço da cana. Esse tempo passou e não volta mais, tenho saudades  e me arrependo de não ter aproveitado o bastante, como disse certo colega: " Nós éramos felizes e não sabíamos. " O tempo passou e não volta mais, levou consigo o que havia de melhor, ficando apenas a saudade apertando e machucando o peito.
      Hoje somos escravos de nós mesmos, dos nossos interesses, de nossos caprichos modernos. Os anos voaram nas asas do esquecimento, e somos obrigados e viver em meio a uma sociedade de capitalistas selvagens, onde o maior dos interesses é no vil e desprezível pedaço de papel chamado dinheiro. Por ele muitos matam, muitos morrem e muitos se matam. Acabaram-se os sorrisos verdadeiros, ofuscou-se aquele olhar apaixonado pelas coisas simples do campo. Hoje é dia de recordações, de uma profunda reflexão sobre o rumo que nossas vidas tomaram. Como diz certo refrão de uma famosa canção: " Nada do que foi será, do jeito que já foi um dia."
        Dói muito tais recordações, muito mais do que vocês possam imaginar, somos como locomotivas desgovernadas que a qualquer momento irá descarrilar. Lembro-me com lágrimas nos olhos,  de coração partido e alma ferida, de uma fazenda chamada lindoya.

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