— Obrigada por não me pressionar. — Ela murmurou, a voz ainda baixa. — E por... simplesmente estar aqui.

— Sempre. — Ele respondeu, firme, mas suave. — Você não precisa passar por nada sozinha. E... eu não vou a lugar nenhum, Lissie. — Um pequeno sorriso surgia nos lábios dele, mas os olhos permaneciam sérios, cheios de cuidado.

Ela fechou os olhos, sentindo o cansaço e a dor do dia finalmente se misturarem com uma sensação estranha de alívio e segurança. Pela primeira vez em muito tempo, não sentiu que precisava esconder tudo ou suportar a dor sozinha.

— Eu sei. — disse ela baixinho. — Eu sei que você entende, mesmo sem saber de tudo.

— E eu vou entender, Lissie, passo a passo. — Ele murmurou. — Você me deixa perto, e eu não vou te desapontar.

Ela respirou fundo, sentindo as mãos dele apertarem levemente as suas, quase como uma âncora. Um silêncio confortável voltou, e pela primeira vez naquela noite, Lissie sentiu que talvez, apenas talvez, ela não precisasse lutar sozinha contra o passado.

O silêncio que se seguiu era denso, mas não desconfortável. O tipo de silêncio que dizia mais do que qualquer palavra. Lissie continuou encostada no ombro de Jay, o olhar perdido no vazio, sentindo o coração bater devagar — pesado, mas um pouco menos sufocado.

A xícara de chá na mesinha à frente já estava fria. A noite lá fora, espessa e quieta, parecia ter parado no tempo.

Jay manteve o braço ao redor dela, respeitando cada segundo. Havia aprendido a reconhecer quando alguém precisava apenas de presença, não de conselhos. E ela, que sempre parecia pronta para lutar contra tudo e todos, agora apenas... deixava-se amparar.

Depois de um tempo, ele falou, a voz baixa, quase um sussurro:

— Você dormiu um pouco hoje?

Ela soltou um riso fraco, sem humor.

— Não. — respondeu, sem se mover. — E acho que não vou conseguir tão cedo.

— Posso ficar até você conseguir. — disse ele, sem hesitar.

Ela virou o rosto, fitando-o de perto, e por um instante pareceu medir se aquilo era certo, se devia aceitar. Mas não havia julgamento no olhar dele. Nenhuma tentativa de se aproximar por pena — só aquela calma firme que parecia segurar o mundo quando o dela desabava.

— Você é teimoso, Halstead. — murmurou ela, num tom quase carinhoso, mas ainda com a rigidez de costume.

Ele deu um pequeno sorriso.

— Só com as pessoas que valem a pena.

Lissie desviou o olhar rapidamente, mordendo o lábio para conter algo que nem ela sabia nomear.

— Não sei se sou uma delas. — respondeu, sincera, sem ironia.

— Eu sei que é. — disse ele, simples, sem precisar justificar.

Por alguns segundos, ela só ficou olhando para o chão, como se aquelas palavras ecoassem num espaço que ela não queria abrir. Depois, levantou-se devagar, andando até a janela. A vista mostrava a cidade em miniatura, os faróis, os prédios, a vida que continuava apesar de tudo.

— Eu pensei nele o dia inteiro. — disse, olhando lá fora. — No meu irmão. E em tudo o que ficou pendente. Ele era... complicado, mas era meu irmão. E o pior é que eu não posso nem sentir raiva dele. Não de verdade. Porque quem eu culpo mesmo é o meu pai.

Jay ficou em silêncio, atento.

Ela continuou, a voz trêmula:

— Eu passei anos tentando entender por que ele me mandou embora daquele jeito. Eu era só uma garota. — virou-se, encarando o vazio entre os dois. — Eu esperava que ele viesse atrás de mim, que me explicasse, que dissesse qualquer coisa. Mas ele não veio. Nem quando o meu irmão... — a voz falhou, e ela respirou fundo. — Nem quando ele morreu.

Ela segurou o parapeito da janela com força, como se precisasse se apoiar em algo físico para conter o que vinha de dentro.

— Eu descobri sozinha. — disse, amarga. — Uma notícia antiga, enterrada no meio de tantas outras. Nenhuma ligação. Nenhuma mensagem. Nada. — O tom dela endureceu, mas as lágrimas vieram mesmo assim. — E ele ainda tem a coragem de andar por aí agindo como se tivesse perdido tudo. Ele me perdeu também. Só que nunca percebeu.

Jay levantou-se devagar, sem pressa, aproximando-se apenas o suficiente para que ela soubesse que ele estava ali — perto, mas sem tomar o espaço dela.

— Lissie... — começou, mas ela levantou a mão, sem olhar pra ele.

— Eu sei. — murmurou, enxugando o rosto. — Não é justo colocar tudo nele. Mas eu não consigo não sentir raiva. Eu passei a vida tentando ser forte, tentando não precisar de ninguém, porque ele me ensinou assim. E olha onde isso me trouxe. — Ela soltou uma risada curta, amarga. — Sozinha num apartamento, falando com um fantasma.

Jay deu um passo mais perto, hesitou um instante e então colocou a mão no ombro dela. Ela não recuou.

— Às vezes, ser forte é saber quando não dá mais pra ser. — disse ele, com calma. — E... você não está falando com um fantasma. Tá falando com seu irmão, do seu jeito. Isso também é força.

Lissie respirou fundo, o peito tremendo.

— Você fala como se entendesse.

— Eu entendo um pouco. — ele respondeu, olhando pra ela. — Eu perdi pessoas também. E já me culpei por coisas que não estavam nas minhas mãos. — Fez uma pausa curta. — Mas eu aprendi que guardar o que a gente sente só faz o peso crescer.

Ela ficou em silêncio, os olhos marejados fixos nele. Aquelas palavras ecoavam num lugar onde nada entrava havia muito tempo.

— Você acha... que dá pra perdoar alguém que nunca pediu perdão? — perguntou, sem esconder a dor.

Jay pensou por um instante antes de responder.

— Eu acho que dá. Mas não pra libertar o outro. Pra libertar você.

Ela engoliu em seco, desviando o olhar. As lágrimas voltaram silenciosas, escorrendo sem que ela as impedisse. Jay ficou ali, quieto, até que ela finalmente se virou pra ele — os olhos vermelhos, o rosto cansado, mas com um ar mais leve.

— Eu não sei o que eu faria se você não tivesse vindo. — confessou, num fio de voz.

Ele deu um meio sorriso.

— Eu sabia que você ia dizer que não precisava de ninguém, então vim mesmo assim.

Ela soltou um riso fraco, misturado a um soluço.

— Você devia ter avisado.

— E você devia ter atendido o telefone. — respondeu ele, de forma leve.

O silêncio seguinte foi diferente. Menos pesado, mais humano. Ela voltou a se sentar no sofá, e ele a acompanhou. Por um instante, ficaram só ali, lado a lado, sem planos, sem pressa.

— Halstead... — ela disse, olhando pra frente, sem encará-lo. — Eu não sou boa nisso.

— Nisso o quê?

— Deixar alguém ficar.

Ele virou o rosto pra ela, o olhar suave.

— Então me deixa tentar. Um passo de cada vez.

Ela ficou quieta, respirou fundo e, sem pensar muito, deixou a cabeça encostar no ombro dele novamente. Ele sorriu de leve, fechando os olhos por um instante.

O relógio marcava 1h27 da manhã quando ela adormeceu, finalmente. O corpo cansado, o rosto tranquilo — como se, pela primeira vez em muito tempo, ela tivesse se permitido parar de lutar.

Jay ficou ali, imóvel, o olhar perdido no nada, sentindo o peso da dor dela ainda pairando no ar. Passou a mão de leve no cabelo dela, afastando uma mecha do rosto.

— Você não tá sozinha, Lissie. — murmurou, baixo o suficiente pra que só o silêncio ouvisse.

Invisible StringWhere stories live. Discover now