A manhã chegou devagar, quase sem pressa de existir. Um raio de sol atravessava as cortinas do quarto, riscando o chão com uma luz morna, pálida — uma daquelas luzes que parecem pesar tanto quanto o corpo. Lissie estava desperta há muito tempo, deitada de lado, o olhar fixo em algum ponto da parede. A insônia tinha vencido outra vez. O sono vinha em fragmentos, leves demais para descansar e pesados demais pra esquecer.
A noite anterior rodava na cabeça dela como um filme sem pausa. As palavras da Maggie, o cuidado na voz, a forma com que cada frase parecia tentar amortecer algo impossível de suavizar. Ainda assim, nenhuma delicadeza do mundo poderia mudar o fato: seu irmão estava morto.
Justin.
O nome parecia ecoar dentro dela de um jeito diferente agora — mais distante, mais cruel. O menino que ela lembrava, cheio de energia, com o sorriso travesso e o olhar brilhando de sonhos pequenos, tinha virado uma memória. E não era qualquer memória: era uma história interrompida por uma bala, por escolhas ruins, por uma vida que tentou mudar e não teve tempo de provar que poderia dar certo.
Ela virou na cama, puxando o lençol até o peito, tentando controlar a respiração. Era inútil. O peito doía, um nó espesso que subia até a garganta e não saía. Queria entender, mas não havia explicação. Queria ter raiva, mas o cansaço não deixava. Era como se estivesse presa entre a culpa e o luto, sem saber qual dos dois doía mais.
Justin tinha se perdido.
Mas, no fundo, ela também.
Fechou os olhos por um momento e viu o rosto dele — ou o que lembrava dele. O cabelo bagunçado, o jeito impulsivo, o riso alto que irritava e confortava ao mesmo tempo. "Eu cuido de você, tá?", ele dizia. E ela acreditava.
Agora, não havia mais ninguém para cuidar de ninguém.
Quando o relógio marcava quase nove da manhã, ela desistiu de fingir que podia descansar. Empurrou o cobertor pro lado e levantou. O chão estava gelado, o quarto silencioso, o mundo inteiro parecia suspenso. Caminhou até a cozinha, colocou a chaleira no fogo e ficou parada, observando o vapor subir, como se aquele movimento mínimo fosse a única coisa viva ali dentro.
O cheiro do café logo tomou o ar, familiar, quase reconfortante. Mas quando ela provou o primeiro gole, o gosto amargo pareceu certo — um reflexo exato do que sentia.
Pegou o celular na bancada. Olhou a tela por alguns segundos, sem saber bem o que fazer, até finalmente abrir os contatos e encontrar o número da Sra. Goodwin. O dedo hesitou sobre o botão de chamada. Não queria parecer fraca, mas também não conseguiria fingir normalidade naquele dia. Respirou fundo e apertou o botão.
A ligação atendeu logo.
— Lissie? — A voz da Sharon veio calma, mas com uma ponta de preocupação. — Está tudo bem, querida?
Lissie engoliu em seco.
— Mais ou menos, senhora Goodwin. — tentou soar estável, mas o tom saiu baixo, rouco. — Eu... queria pedir o dia de folga.
Houve um silêncio curto do outro lado da linha, seguido de um suspiro leve.
— Claro, não tem problema. Mas aconteceu alguma coisa?
Ela respirou fundo, os dedos apertando o celular com força.
— É sobre o Justin. — disse, enfim. — A Maggie me contou tudo ontem.
Sharon ficou muda por alguns segundos. Quando respondeu, a voz veio mais suave.
— Eu imaginei que ela falaria com você. Sinto muito, Lissie.
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Invisible String
Romance‧₊˚♡ "Something wrapped all of my past mistakes in barbed wire ‧₊˚♡ Chains around my demons Wool to brave the seasons...
