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O caminho até o apartamento parecia mais longo do que o habitual. Talvez fosse o frio, ou o fato de o vento cortar a pele como uma lembrança insistente de que o mundo continuava girando, indiferente à dor que pesava em seu peito. Lissie decidiu ir andando dessa vez — precisava de tempo, de espaço, de algo que a ajudasse a colocar os pensamentos em ordem. Cada passo ecoava pelas ruas silenciosas, o som das solas contra o asfalto molhado misturando-se ao farfalhar distante das árvores. A cidade parecia suspensa, presa entre a noite e o amanhecer, observando-a com uma quietude incômoda, como se tivesse consciência da tristeza que ela carregava.

O coração ainda latejava, apertado, e o rosto trazia o rastro úmido das lágrimas que haviam teimado em cair durante todo o trajeto de volta. Lissie tentou respirar fundo, mas o ar entrava aos solavancos, pesado, denso demais. As luzes dos postes lançavam sombras alongadas no chão, e em certos momentos, ela quase teve a sensação de estar sendo seguida — não por alguém, mas pela própria lembrança do que acabara de descobrir.

O hospital ainda estava impresso nela: o cheiro de antisséptico, o zumbido dos monitores, os sussurros apressados no corredor. Aquele instante em que tudo desabou, quando a verdade veio como um soco. Era como se o mundo tivesse se tornado mais silencioso depois disso, como se até o som dos próprios batimentos tivesse se calado por um momento. Agora, cada passo que dava parecia ecoar dentro desse silêncio interno, cheio de dor e incredulidade.

Quando chegou ao prédio, as luzes do hall estavam fracas, meio amareladas, e o barulho distante de uma televisão em algum dos apartamentos vizinhos lhe pareceu quase reconfortante — uma prova de que havia vida ali fora, mesmo que ela se sentisse esvaziada. Subiu as escadas devagar, os dedos trêmulos roçando no corrimão frio. Quando alcançou a porta do apartamento, por um instante hesitou antes de girar a chave. Não queria entrar. Não queria se deparar com aquele vazio que sabia que a esperava lá dentro.

Mas entrou.

O silêncio a envolveu de imediato — um silêncio diferente do hospital, mais profundo, quase palpável. Ali não havia zumbido de máquinas nem passos apressados; havia apenas o eco dos próprios pensamentos, se debatendo em sua cabeça. Jogou a bolsa no sofá e ficou parada por alguns segundos, encarando o espaço ao redor. Tudo parecia igual, mas nada era o mesmo. A pequena planta no canto da sala, as cortinas leves, o cheiro familiar de lavanda no ar — tudo parecia testemunhar, em silêncio, o que ela havia perdido.

Lissie se sentou no sofá, e o corpo cedeu ao cansaço. Os ombros tombaram, o peito pesou, e ela fechou os olhos. A mente era um turbilhão — culpa, saudade, raiva, confusão, incredulidade. Tudo se misturava em um nó impossível de desfazer. Ela apertou os olhos com força, como se pudesse, com o simples esforço da vontade, fazer o nó se desfazer, fazer o coração parar de doer. Mas a dor persistia, latente, viva, como uma ferida recém-aberta.

Por um tempo, ficou apenas ali, imóvel, sentindo o silêncio vibrar. Lá fora, o vento batia contra as janelas, e um ruído distante de um carro passando pela rua lembrava-a de que o mundo continuava existindo. Dentro do apartamento, porém, era como se o tempo tivesse parado.

Quando finalmente se levantou, o fez devagar, como se os movimentos estivessem sendo aprendidos novamente. Andou até o canto do apartamento onde havia algumas caixas empilhadas, cobertas por uma fina camada de poeira. Se ajoelhou diante delas. Então pegou uma que sabia ser especial — uma caixa de madeira, antiga, com um fecho de metal ainda intacto. Ela hesitou, a ponta dos dedos repousando sobre a tampa. Aquela caixa era um portal para uma parte dela que andava esquecida, adormecida sob camadas de dor e de tempo.

Respirou fundo antes de abri-la, quase como quem precisa pedir permissão às memórias. Ao levantar a tampa, uma fina nuvem de poeira se ergueu, e o aroma doce e levemente mofado de papel envelhecido invadiu o ar. O cheiro de algo que pertenceu a outro tempo, a uma versão dela que ainda acreditava que o amor era eterno e que o futuro seria gentil.

Invisible StringDonde viven las historias. Descúbrelo ahora