As palavras saíram mais duras do que ela esperava, o ressentimento crescendo com cada frase.
— Ele devia ter te protegido, Justin. Devia ter sido o pai que prometeu ser. Mas, em vez disso, deixou você se perder. E quando você tentou mudar, quando finalmente tava tentando consertar tudo... ele deixou o mundo levar você embora também.
O rosto de Lissie estava molhado, mas ela não tentava mais esconder.
— Eu devia ter estado aqui. — disse, a voz trêmula. — Eu devia ter estado com você. Podia ter ajudado, podia ter te ouvido, podia ter lembrado você de quem a gente era. — Um soluço escapou. — Mas eu nem soube que você tinha morrido, Justin. Eu nem fui ao seu funeral. Eu nem chorei por você, porque eu nem sabia que tinha algo pra chorar.
Ela abaixou a cabeça, o choro vindo em ondas, o corpo curvado pela dor contida por anos.
— Você tinha um filho. — murmurou, entre lágrimas. — Eu sou tia, e nem sabia. — Um riso dolorido escapou. — Aposto que ele é lindo. E deve ter o seu sorriso.
Lissie passou a mão pelo rosto, tentando limpar as lágrimas, mas elas continuavam vindo.
— Eu teria adorado conhecer ele. — continuou, a voz rouca. — Teria adorado te ver como pai, Justin. Eu acho que você teria sido bom nisso. Você sempre cuidou de mim. Mesmo quando o papai gritava, mesmo quando as coisas ficavam estranhas em casa, você me fazia rir. — Um sorriso pequeno apareceu. — Você dizia que, enquanto a gente tivesse um ao outro, nada poderia nos derrubar.
Ela olhou para a lápide de novo, o olhar marejado, terno e devastado.
— Mas o papai derrubou a gente, não foi? — sussurrou. — Ele destruiu tudo o que a gente tinha. Me mandou embora, te deixou aqui... e quando tudo desabou, ele não teve coragem nem de me contar. — O tom ficou mais amargo, mais baixo. — Ele tirou de mim até o direito de sentir a sua falta no tempo certo.
O vento soprou outra vez, levando uma folha que pousou perto da lápide. Lissie se inclinou e a tirou com cuidado, ajeitando a grama ao redor como se fosse um gesto de carinho.
— Ele não tinha o direito de esconder isso de mim. — disse, com firmeza, a voz ganhando força. — Não podia me proteger de algo que já era parte de mim. Eu tinha o direito de chorar por você, Justin. O direito de saber.
Ela respirou fundo, tentando conter o pranto, mas a raiva misturada à saudade tornava impossível.
— Eu culpo ele. — admitiu, num sussurro quase inaudível. — Por tudo. Por ter desaparecido, por ter me deixado sozinha, por ter te perdido e nunca ter me contado.
Um instante se passou antes que continuasse, mais baixa, mais cansada:
— Eu não sei se algum dia vou conseguir perdoar.
O vento diminuiu, e o silêncio voltou a se espalhar.
Ela ficou ali ajoelhada, o corpo curvado, os dedos ainda apoiados na pedra fria.
Depois de um tempo, levantou devagar. Tirou da bolsa um pequeno arranjo de flores e ajeitou-as com cuidado ao lado da lápide. Ficou olhando o arranjo por longos segundos, depois sussurrou:
— Eu espero que você tenha encontrado ela. — Um sorriso fraco surgiu. — E que, de onde vocês estão, consigam me perdoar também.
O sol começava a se pôr, tingindo o céu de tons dourados e rosados. A luz atravessava as árvores, caindo sobre a lápide de Justin de um jeito quase suave.
Lissie respirou fundo, cruzando os braços contra o peito.
— Eu não sei o que vai ser daqui pra frente, Justin. — disse, com a voz ainda embargada. — Mas eu prometo tentar. Por mim, e por você.
Ficou ali por mais um tempo, observando o horizonte, como se esperasse uma resposta que o vento talvez carregasse.
E, de algum modo, o silêncio pareceu diferente.
Menos pesado.
Menos solitário.
Quando finalmente se virou para ir embora, olhou uma última vez para o túmulo.
— Te amo, irmãozinho. — murmurou. — E eu nunca mais vou deixar ninguém apagar o que a gente teve.
Caminhou pelo mesmo caminho de pedras, agora devagar, os passos leves, o coração exausto — mas diferente.
Pela primeira vez em muito tempo, a dor não era só dor.
Era também presença.
Era também amor.
O vento soprou outra vez, e Lissie olhou para o céu.
O sol desaparecia atrás das árvores, e o cemitério ficava tomado por uma paz silenciosa.
Ela sabia que ainda tinha muito o que enfrentar.
O pai.
O passado.
A si mesma.
Mas, naquele instante, algo dentro dela se aquietou.
Era como se uma ferida antiga tivesse, enfim, recebido o primeiro curativo.
E, mesmo que ainda doesse, era um começo.
Um começo que ela não esperava encontrar no fim de uma história.
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Invisible String
Romance‧₊˚♡ "Something wrapped all of my past mistakes in barbed wire ‧₊˚♡ Chains around my demons Wool to brave the seasons...
