Dentro, uma coleção de pequenos fragmentos de vida: fotos antigas, lembranças, objetos que contavam histórias que o tempo não conseguiu apagar. Fotografias de aniversários com velas tortas, sorrisos desajeitados, o parque no verão em Chicago, o lago refletindo o sol e o pai rindo enquanto segurava o pequeno Justin pela mão. Ao lado, a madrasta — que, apesar de tudo, sempre tivera um sorriso doce — e ela mesma, de tranças, os olhos brilhando de alegria.

Lissie passou os dedos pelas bordas de uma fotografia, traçando as silhuetas congeladas ali. Era como se pudesse sentir, por um instante, o calor daquele dia, o som das risadas, o cheiro de sorvete de baunilha misturado ao perfume das flores. Mas a lembrança vinha acompanhada de uma pontada aguda no peito — a saudade do que foi e do que nunca mais seria.

Entre as fotos, havia pequenos objetos: um ursinho de pelúcia de orelhas gastas, uma pulseira trançada com fio colorido, um bilhete de aniversário amarelado. Cada item carregava uma emoção diferente, um pedaço da infância que resistira ao tempo. Lissie pegou o ursinho nas mãos, apertando-o contra o peito. Lembrou-se de tê-lo recebido de Justin, numa noite em que ela chorava porque tinha medo de dormir sozinha. Ele tinha cinco anos na época, e mesmo tão pequeno, tentara consolá-la da melhor maneira que sabia — oferecendo o próprio brinquedo favorito. “Ele vai te proteger”, ele dissera. E por um tempo, ela realmente acreditou que sim.

Uma lágrima escapou, silenciosa. Lissie a enxugou com o dorso da mão, mas outra logo veio, e outra, até que desistiu de conter. Deixou que as lágrimas corressem, salgadas e quentes, enquanto olhava para a fotografia de Justin sorrindo — ainda criança, o cabelo bagunçado, os olhos cheios de vida. O mesmo sorriso que, anos depois, se tornaria mais contido, mais duro, até desaparecer completamente.

Agora, tudo que restava era essa imagem — e a certeza de que ele não voltaria mais. A verdade recém-descoberta, cruel e definitiva, se misturava à saudade e à culpa, criando um peso que parecia impossível de carregar.

Lissie deixou a caixa aberta no chão e se sentou, abraçando os joelhos. As lembranças espalhadas ao redor formavam um círculo quase ritualístico, como se ela estivesse sendo cercada por fragmentos de si mesma. Por um tempo, ficou ali, apenas chorando — um choro contido, sem soluços, mas cheio de dor. Murmurou o nome dele baixinho, como se ele ainda pudesse ouvi-la. Pediu desculpas, talvez por não ter entendido antes, por não ter estado tão perto quanto deveria. Pediu perdão também a si mesma, por ter tentado seguir em frente rápido demais.

O tempo passou de forma imprecisa. O relógio na parede marcava minutos, mas para Lissie, pareciam horas. Aos poucos, o choro foi se tornando mais brando, e o peso, embora ainda presente, começou a se espalhar, diluindo-se em uma tristeza mais suave.

Ela olhou novamente para a caixa e, em meio aos objetos, encontrou uma menor, de papelão, escondida sob as fotografias. Abriu-a com cuidado. Dentro, havia recortes, ingressos antigos de cinema, bilhetes dobrados, e um cartão colorido. O cartão chamava atenção: era de Justin. A caligrafia infantil, torta e confiante, estava ali, com letras grandes demais e rabiscos coloridos.

“Lissie, não se esqueça de me deixar ganhar no jogo de tabuleiro hoje, ou vou contar pra mamãe!”

Ela riu baixinho — uma risada curta, trêmula, que logo se transformou em um suspiro. Pôde ouvir a voz dele ecoando, quase viva, cheia de energia e travessura. Era típico dele provocar, brincar, sempre tentando arrancar uma reação dela.

Encostou a cabeça na parede e fechou os olhos, deixando que a lembrança a invadisse por completo. Por um instante, ela se viu novamente na sala da antiga casa em Chicago, o sol da tarde entrando pelas janelas, o tabuleiro espalhado sobre o chão, os dois brigando por causa das regras. Lembrou-se do pai rindo ao vê-los discutir, e da madrasta trazendo limonada, fingindo ser a juíza imparcial. Tudo tão simples, tão distante.

As lágrimas voltaram, mas agora havia algo diferente nelas — uma ternura, uma gratidão silenciosa. Ela chorava não apenas pela perda, mas por ter vivido aquilo, por ter tido alguém como Justin em sua vida, mesmo que por tempo curto demais.

Quando abriu os olhos novamente, o apartamento estava mergulhado em penumbra. Apenas a luz amarelada do abajur iluminava as fotos espalhadas pelo chão. A poeira flutuava no ar, dançando devagar, como se o tempo se movesse de forma diferente ali dentro.

Lissie respirou fundo. Sentia-se exausta, mas também estranhamente mais leve. Ainda doía — doía muito —, mas a dor parecia mais suportável, mais humana. Era como se, ao reviver as lembranças, tivesse resgatado algo que pensava ter perdido para sempre: uma parte de si.

Com cuidado, começou a juntar as fotos, uma por uma, como quem recolhe pedaços de um espelho quebrado. Guardou o cartão, o ursinho, a pulseira, o bilhete. Fechou a caixa devagar, prendendo o fecho de metal, e a colocou novamente no canto do quarto. Ficou um instante com a mão sobre a tampa, em silêncio.

— Eu não vou esquecer, Justin — murmurou, quase num sussurro. — Prometo.

Arrumou o apartamento rapidamente, como se o movimento pudesse ajudá-la a reencontrar o controle. Dobrou uma manta, empurrou a bolsa para o lado do sofá, passou a mão pelo rosto, tentando apagar o inchaço dos olhos. O corpo estava pesado, mas a mente começava a se aquietar.

Desligou as luzes e seguiu para o quarto. O chão frio sob os pés a fez estremecer. Deitou-se devagar, sentindo o colchão afundar sob o peso do próprio corpo. Ficou olhando para o teto por alguns instantes, escutando o som distante do vento lá fora.

Respirou fundo. O ar frio encheu seus pulmões e, ao soltá-lo, veio junto um suspiro longo e cansado — como se, naquele exato momento, estivesse liberando parte do que vinha carregando desde o hospital.

As lembranças de Justin ainda estavam ali, vivas, presentes, mas não mais como feridas abertas. Eram agora parte dela — cicatrizes que contavam uma história, que testemunhavam um amor que nem a morte nem a verdade poderiam apagar.

Fechou os olhos e deixou-se envolver pela escuridão tranquila do quarto. O silêncio, antes sufocante, agora parecia acolhedor. Pela primeira vez em muito tempo, Lissie não tentou fugir dos pensamentos, nem preencher o vazio com ruído. Apenas sentiu — a dor, a saudade, a presença sutil do irmão em cada lembrança que pulsava dentro dela.

Invisible StringWhere stories live. Discover now