Maggie a observava com atenção, sem interromper. Depois de alguns segundos, perguntou com calma:

— Isso tem a ver com o seu pai, né?

O nome não precisou ser dito. Bastou a pergunta.

Lissie ficou em silêncio, os olhos vagando pela parede branca à frente. Quando falou, a voz veio mais baixa.

— Quando eu era criança, meu pai era tudo pra mim. Ele era policial, e eu achava que ele era o maior herói do mundo. — Um sorriso nostálgico cruzou seu rosto por um instante. — Eu e meu irmão brincávamos de polícia e ladrão. Eu sempre queria ser policial, claro, e ele... bom, ele sempre tinha que ser o ladrão.

Maggie deu uma risadinha suave, mas não disse nada.

— Eu me lembro de ficar na sala, ouvindo meu pai falar sobre o trabalho. Ele dizia que ser policial era sobre proteger as pessoas, sobre fazer o certo. Eu acreditava em cada palavra. — Lissie fez uma pausa, o olhar se perdendo no vazio. — Mas, com o tempo, ele foi ficando estranho. Passou a chegar mais tarde. Ficava dias fora. Às vezes voltava irritado ou muito quieto e distante. Eu não entendia o porquê.

Ela respirou fundo antes de continuar: — Até que um dia, sem muita explicação, ele me mandou pra morar em Portland. Disse que era pra minha segurança. Que eu precisava ficar longe. E... foi isso. Me deixou com uma família que eu mal conhecia, e de repente, sumiu.

— Sumiu?

— Sumiu. — Lissie assentiu. — No começo ele ligava de vez em quando, mandava algumas cartas. Depois, nem isso. Um dia as ligações simplesmente pararam. Nenhum bilhete, nenhuma visita, nada. Eu passei meses achando que ele ia aparecer naquela porta. Depois de anos, tentando entender o motivo, tudo o que eu descobri foi que ele se envolveu em alguma coisa que o departamento preferiu esconder. E então eu só... desisti.

Maggie ficou quieta por um tempo, absorvendo aquilo. — E foi aí que você decidiu ficar longe do mundo policial.

— Foi. — Lissie passou uma das mãos pelo rosto. — Eu tinha prometido pra mim mesma que nunca mais me envolveria com nada disso. Nem profissionalmente, nem pessoalmente. Eu achei que, mantendo distância, as lembranças não iam me alcançar. Mas toda vez que eu olho pro Jay... — ela fez uma pausa longa — é como se uma parte desse mundo voltasse. Só que de um jeito diferente.

— Diferente como?

— Ele não me lembra o meu pai. Mas lembra o que eu perdi por causa dele. — disse, num tom quase sussurrado. — Jay tem aquele mesmo senso de dever, aquele instinto de proteger todo mundo. Ele parece carregar o peso do mundo nas costas, e eu... eu sei o que isso faz com uma pessoa.

— Então o seu medo é de que ele acabe como seu pai. — completou Maggie, sem julgamentos.

Lissie assentiu, os olhos marejados. — Medo de perder alguém assim. Medo de ver tudo se repetindo. Eu não sei se conseguiria lidar com isso outra vez.

Maggie se aproximou, pousando a mão sobre o braço dela. — Liss, você não pode se culpar pelas escolhas que o seu pai fez. Ele errou, e isso não apaga o que ele foi pra você, mas também não define quem você precisa ser agora.

Lissie respirou fundo, tentando conter a emoção. — Eu sei. Ou tento saber. Mas é difícil. Parece que, se eu me permitir me aproximar do Jay, eu tô traindo aquela promessa que fiz pra mim mesma.

— Às vezes, promessas que fazemos pra nos proteger acabam se tornando muros. — disse Maggie, suavemente. — E você construiu muros altos demais. Só que ninguém aguenta viver atrás deles pra sempre.

Lissie soltou um pequeno riso cansado. — Você e o Halstead são parecidos, sabia? Os dois acham que tudo dá pra consertar, que é só tentar o suficiente.

— E alguém precisa equilibrar o seu pessimismo, doutora Carter. — respondeu Maggie, divertida, arrancando dela um sorriso breve.

Depois de um momento em silêncio, Maggie continuou, mais séria: — O Jay é alguém que respeitaria seus limites. Ele é um bom homem, eu sei disso. Talvez você só precise deixar ele ver um pouco mais de quem você é, mesmo sem contar tudo. Um passo de cada vez.

Lissie olhou pra amiga, o olhar ainda carregado, mas mais calmo. — E se eu me arrepender?

— Então você lida com isso quando, e se, acontecer. — Maggie apertou o ombro dela. — Mas não deixa o medo decidir tudo por você. Nem todo policial é o seu pai, Liss. E nem toda história precisa terminar como a dele.

As palavras ecoaram em silêncio.

Por um instante, Lissie ficou apenas olhando para o chão, sentindo o peso e o conforto daquelas verdades coexistindo. Depois, respirou fundo e assentiu devagar. — Eu vou pensar nisso.

Maggie sorriu vendo a loira se levantar para sair. — Já é um começo.

— Talvez... talvez eu possa começar com o meu irmão. — Lissie acrescentou antes de sair.

E quando ela voltou ao corredor iluminado do Med, com o som dos monitores e das vozes voltando a envolver tudo ao redor, percebeu que, pela primeira vez em muito tempo, o passado não parecia mais algo a ser esquecido — mas algo que, talvez, ela pudesse aprender a perdoar.

Invisible StringWhere stories live. Discover now