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Depois de dar algumas voltas no quarteirão para se certificar que não estávamos sendo seguidos, Daniel finalmente estacionou em frente um prédio.

- Você mora aqui?

- muitas pessoas o tempo todo, dificulta qualquer tipo de invasão...

Era evidente que Daniel já estava familiarizado com a ideia de ser procurado, diferentemente de mim, uma pobre garota comum de Londres que abruptamente teve a vida virada de cabeça para baixo. O apartamento dele era totalmente diferente do que eu imaginava, não que eu estivesse esperando algo do tipo: garrafas de bebidas alcoólicas por toda parte, vídeo game e caixas de pizza, mas eu fiquei realmente surpresa quando passei pela grande porta de madeira e me vi dentro de uma sala perfeitamente e impecavelmente decorada com fotografias e miniaturas de cavalos. Me sentei no sofá de couro preto e fitei Daniel.

- Cavalos? - perguntei um tanto curiosa.

- é - ele sorriu - devo admitir que tenho uma queda por cavalos.

Dizendo isso se juntou a mim no sofá e me encarou, seus olhos estavam tão serenos e beiravam o castanho escuro, o que já era o mais claro que os olhos dele havia alcançado.

- Então... você é um demônio,

- uma hora você ia descobrir.

- devia ter me contado! e os cortes? disse que tinha se tornado um caído...

- Os cortes eram reais, só não me tornei um caído, mas demônios também tem asas... como as suas!

- não venha me comparar à você Daniel... eu não sou nada relacionado a essa coisa de demônio!

Seus olhos pareceram escurecer abruptamente.

- Então é isso que pensa? acha ruim ser essa "coisa de demônio"?- ele disse imitando meu tom de voz.

- Você sabe que não foi isso o que eu quis dizer!

- mas foi o que disse... - ele se levantou - nem todos os demônios são ruins, nimguem escolhe essas coisas, eu mesmo não escolhi! e se pudesse viver como um humano por alguns poucos anos eu viveria sem reclamar. Eu trocaria a eternidade por alguns anos como uma pessoa normal.

- Daniel eu sinto muito...

- Você é só uma criança Analu ! não sabe de nada da vida, de como ela é.

Aquilo me fez calar a boca, não por que ele estava certo, mas como ele podia me dizer aquelas coisas? principalmente após a perda de uma das pessoas mais importantes pra mim? após descobrir que era para mim estar morta e não ele? logo após eu descobrir que minha vida era uma mentira...

E ficamos assim, nos encarando por um bom tempo, até que seus olhos ficaram serenos novamente e ele se sentou ao meu lado enquanto me puxava para um abraço. Minha cabeça estava em seu peito, e ele acariciava meu cabelo, eu ouvia seu coração batendo, e ficamos assim até eu pegar no sono.

Quando acordei eu estava na cama de casal de Daniel, mas ele não estava por perto. Me levantei e o procurei pela casa, mas aparentemente eu estava sozinha.

Onde ele poderia ter ido? não que eu ligasse para isso ou coisa do tipo, mas ele havia me deixado sozinha na casa dele, o que não é uma coisa muito educada a se fazer. Voltei para o sofá e esperei impacientemente por ele, e depois de meia hora ele ainda não havia aparecido. Procurei por um bilhete (embora isso não fosse muito a cara de Daniel) e nada... Ele havia simplesmente saído sem dar nenhuma explicação, sem deixar nenhum sinal de vida.

Então esperar deu o que tinha que dar, eu não ficaria esperando Daniel por mais nenhum minuto sequer, eu podia me cuidar sozinha! E então algo inédito aconteceu, a porta de madeira estava trancada e as janelas eram altas de mais para pular. Chamei por alguém, mas por incrível que pareça ninguém ouviu, quer dizer, imaginei que não tivessem ouvido, por que quem em sã consciência ignoraria um pedido de ajuda?

- Ta tudo bem?

Me virei num pulo, e lá estava um garoto, seus olhos castanho claro me analisavam atentamente.

- Quem é você? - perguntei meio assustada, mas algo em seus olhos me traziam uma certa tranquilidade - e como entrou aqui?

Ele sorriu e olhou para a janela, isso estava se tornando algo normal na minha vida, pessoas entrando e saindo por janelas todo o tempo.

- Meu nome é Felipe... é um prazer conhecê-la - ele fez uma reverência - podemos ir?

- Ir? ficou louco? - dei alguns passos para traz - mas é melhor você ir... eu não.

- louca é você, ficar presa dentro do apartamento de um demônio é melhor do que ir comigo? estou lhe fazendo um favor... - ele sorriu - podemos ir agora?

- O que você quer comigo afinal?

- Eu? eu não quero nada, seu pai que deve querer... ah, principalmente por que ele pediu que eu buscasse você.

- isso... é verdade mesmo? - perguntei.

- Sua falta de confiança na minha pessoa dói. - um sorriso bobo brotou em seu rosto - Temos que ir agora...

Algo em Felipe me fazia ter confiança, seus olhos claros, aquele cabelo loiro jogado para o lado, eram tão fofos que era quase impossível dizer que ele me faria mal.

- Tudo bem, - respirei fundo - espero que eu não me arrependa disso!

- Relaxa... sou tão perigoso quanto uma flor.

- Algumas flores tem espinhos!

- bom... então sou uma flor sem espinhos!


Entre luz e TrevasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora