"43"

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Congelei... tudo o que eu conseguia sentir era meu coração, me mostrando que eu ainda estava viva, me mostrando que aquilo era real. Mal me despedi dos meus "pais", iriamos nos encontrar outra hora, eu tinha coisas mais importantes com o que lidar no momento.

Daniel dirigiu extremamente rápido para minha felicidade.

- tem que se acalmar... - ele disse.

- o que ta acontecendo? - Iris perguntou pela décima vez.

Ignorei os dois e fitei a rua por um momento, quando paramos em frente o hospital, tirei forças de onde nem sabia que tinha e corri para dentro... Uma enfermeira me acompanhou até a sala de espera, Megan estava chorando muito, e Dominic conversava com o médico, ambos estavam arrasados, por um momento fiquei com medo de entrar , eu não queria saber, seria mais fácil se eu não soubesse.

Assim que Megan me viu, correu para me abraçar, e ela me abraçou verdadeiramente, suas lagrimas molhavam meus ombros.

- como ele está? - consegui perguntar por fim.

Ela se afastou o suficiente para eu poder olhar em seus olhos, estavam inchados e vermelhos, a maquiagem que hoje de manhã estava perfeita, agora estava borrada e havia manchado seu rosto, deixando-o com uma coloração cinza escuro.

- Eu sinto muito... - ela disse e caiu aos meus pés chorando, seu corpo tremia como um terremoto, e foi exatamente isso que aconteceu comigo naquele momento, um terremoto em meu coração.

Eu sabia o que significava aquele "sinto muito", eu sabia que não queria viver com ele, não podia ser verdade.

- Não Megan... está brincando! - sem que eu notasse eu já me encontrava no chão abraçada com Megan, as lagrimas rolando como pedras em meu rosto, pensamentos variados passavam em minha cabeça.

- Eu sinto muito! - ela repetiu.

E ficou assim por um bom tempo, repetindo- eu sinto muito, eu sinto muito, eu sinto muito- e a cada palavra que saia de sua boca, algo dentro de mim desmoronava.


O enterro de papai acabou sendo no dia seguinte, estava cheio de pessoas chorando, e sempre vinham me dizer a mesma frase que já estava cansada de ouvir. " eu sinto muito".

Mamãe chegou a tempo de assistir a pior parte, a parte que eu não iria aguentar ver, eu não iria conseguir jogar um pouco de terra em sima do caixão dele, eu não iria conseguir sair dali sabendo que eu jamais o veria novamente.

Quando eu era pequena, estive em vários velórios, de tios e avós, e quando acabava, antes de irmos para casa, papai me levava até uma sorveteria e me contava histórias de sua infância, histórias para me distrair e fazer esquecer... Ele fez isso no enterro da própria mãe, ele contou histórias engraçadas e sorriu, mas hoje eu sei o quanto deve ter sido difícil. Eu era apenas uma criança! não entendia essas coisas, não podia ajuda-lo! e eu nunca terei essa chance... nunca poderei agradece-lo com ações...

E então o episódio da manhã do dia anterior invadiu minha cabeça, nossa ultima conversa havia sido uma discussão! eu... sequer me importei com a possibilidade de machuca-lo, e agora meu pai estava morto. E ninguém nunca mais iria me chamar de garotinha com a mesma doçura e carinho que papai me chamava, e ele nunca mais me colocaria na cama e beijaria minha testa, fazendo com que eu tivesse uma ótima noite...

Mamãe e eu ficamos abraçadas o tempo todo, ela não chorou como Megan e eu, mas eu podia ver em seu rosto o quanto estava magoada, e o quanto choraria quando estivesse sozinha. Minha mãe nunca chorava na frente de ninguém, ela é forte! eu queria um dia conseguir ser como ela.

Foi horrível, tudo, as pessoas me olhando com cara de pena, os vestidos e ternos pretos, o cheiro de rosas que sempre esta presente em enterros, a geladeira cheia de pequenas porções feitas por amigos e vizinhos, o silêncio que permaneceu na casa e o pior, a culpa e o vazio que se recusavam a partir... eu sequer sabia o que havia acontecido, saberia mais tarde com certeza, mas no momento eu não estava preparada.

Eu voltaria para Londres dai a uma semana, " e tudo voltaria a ser como antes ", Lucy e Lucinda vieram me ver novamente, mas passei a maior parte do tempo na cama... Daniel não apareceu e nem mandou mensagem.

Numa das noites em que os pensamentos me torturavam o tempo todo, entrei furtivamente no quarto de Megan ( antigo quarto de papai ) e procurei no guarda roupas algo dele, por sorte encontrei um suéter laranja, me joguei na cama dele com o suéter entre os braços e pela primeira vez desde o enterro consegui dormir.

Entre luz e TrevasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora