— Você parece bem concentrada. Tudo certo com o paciente? — perguntou, a voz baixa para não quebrar o silêncio.
Lissie ergueu o olhar para ele, o rosto cansado, mas sereno.
— Ainda em risco, mas melhor do que quando chegou. Por enquanto, ele está estável. — fez uma pausa e acrescentou, com leve ironia: — O suficiente para eu respirar sem culpa por cinco minutos.
Ele entrou devagar, respeitando a distância.
— Obrigado de novo. Aquilo foi rápido... parecia que você já estava aqui há meses.
Lissie fechou o prontuário e girou lentamente a cadeira para encará-lo de frente.
— Primeiro dia só nesse crachá. O treinamento foi mais longo do que parece.
— Aposto que sim. Você veio de fora? — indagou ele, com um meio sorriso, tentando entender de onde vinha aquela compostura.
— Morei em outras cidades, estudei longe... mas nasci aqui. — Ela deu de ombros. — Chicago tem esse hábito de puxar a gente de volta, queira ou não.
Halstead refletiu sobre as palavras dela. Ele conhecia bem aquele tom. A cidade natal nem sempre era sinônimo de lar.
— Chicago está cheia de histórias mal resolvidas. Às vezes, voltar é mais complicado do que sair.
Ela inclinou a cabeça, como se reconhecesse o acerto do comentário.
— Não discordo. Mas eu estou aqui para cuidar de quem aparece naquela porta. O resto... não é problema médico.
Jay compreendeu o recado. Não havia agressividade em suas palavras, apenas limites claros. Ainda assim, o jeito seco dela tinha um leve toque sarcástico que o fez sorrir. Ele respeitava isso; afinal, também tinha os seus.
— Então vou deixar você voltar para o que importa — disse, se erguendo. Antes de sair, virou-se mais uma vez. — Foi bom te conhecer, doutora Carter.
Ela arqueou uma sobrancelha, um sorriso mínimo no canto dos lábios.
— Então a formalidade vai além da cena do crime. Bom, igualmente, detetive Halstead.
Ele saiu pelo corredor, mas não conseguiu evitar olhar para trás por um instante. A figura dela, sozinha na sala, digitando no computador, tinha algo de familiar e enigmático.
Do lado de dentro, Lissie respirou fundo. Por enquanto, ninguém havia perguntado mais do que deveria. E era exatamente isso que ela queria: trabalhar em paz, longe das histórias antigas — pelo menos até onde fosse possível.
Jay, caminhando pelo corredor, sentiu um incômodo parecido com curiosidade. Não era apenas sobre o caso ou sobre a médica competente que conhecera naquele dia. Era sobre um pressentimento. Algo nela dizia que seus caminhos voltariam a se cruzar — e que Chicago, como sempre, teria algo a ver com isso.
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Já mais tarde, o relógio do corredor do Med marcava quase oito da noite quando Jay Halstead deixou o hospital. O vento frio de Chicago batia no rosto dele enquanto atravessava o estacionamento. No bolso do casaco, o celular vibrava com mensagens do distrito, mas a imagem que insistia em voltar à mente não era a da vítima do tiroteio, e sim da médica que o atendeu.
O jeito dela de comandar a sala, a voz calma, as instruções firmes. Não era comum ver isso no primeiro dia de alguém. Ele já tinha visto médicos veteranos perderem o ritmo no caos, mas Carter não. Não levantava a voz à toa, não se perdia no excesso. Sabia exatamente onde está e o que pedir. Profissional até o último gesto — e com aquele sarcasmo discreto que deixava claro que ela não era de se intimidar.
E, apesar de tudo, não dava para ignorar outro detalhe: aqueles fios dourados semi-presos emoldurando o rosto, os olhos verdes atentos como se não perdessem nada. Jay afastou o pensamento rápido demais, como se tivesse sido pego em flagrante dentro da própria cabeça.
Chegando ao Distrito 21, o ambiente era outro: café morno sobre a mesa, telefones tocando, papéis empilhados. Kevin Atwater estava inclinado sobre um relatório, enquanto Hailey Upton digitava algo rápido no computador. O sargento Voight não estava no andar; a porta do escritório dele permanecia fechada e escura.
— E aí? — perguntou Ruzek, se aproximando de Jay. — O cara do beco sobreviveu?
— Por enquanto, sim. Tá na UTI — respondeu Jay, largando a jaqueta na cadeira. — A médica nova lá do Med foi rápida. Salvou a vida dele.
Hailey ergueu uma sobrancelha, sem tirar os olhos da tela.
— Médica nova?
— Lissie Carter. Primeiro dia e já no meio de um tiroteio. — Jay disse isso num tom quase neutro, mas havia uma admiração escondida ali. — Não se intimidou nem por um segundo.
Ruzek riu de leve e olhou para ele com aquele sorriso malicioso.
— E... ela é bonita?
Antes que Jay pudesse responder, Kim, passando por perto, lançou um olhar reprovador:
— Ruzek! Concentre-se no trabalho.
Ruzek riu baixo, levantando as mãos em rendição, enquanto Jay deu de ombros, um pouco constrangido. Ele voltou a organizar suas coisas, mas a imagem de Lissie continuava firme na mente dele, misturando profissionalismo e aquele charme sutil que era impossível ignorar.
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Enquanto isso, no Med, Lissie terminava de revisar o prontuário da UTI. O paciente ainda estava instável, mas tinha chances reais agora. Ela encostou as costas na parede fria da sala de apoio e respirou fundo. O hospital tinha aquele cheiro agridoce de adrenalina e cansaço que ela já conhecia de outras cidades, mas aqui havia um detalhe diferente: era a mesma cidade onde tinha lembranças antigas que poderiam aparecer a qualquer momento.
Maggie entrou silenciosa, trazendo duas canecas de café.
— Vai precisar disso — disse, estendendo uma para ela.
Lissie aceitou, arqueando uma sobrancelha.
— Café? Essa é sua forma delicada de dizer “você está com cara de quem vai cair dura”?
Maggie sorriu de canto.
— Se servir, também funciona como elogio.
— Então eu aceito como os dois. — Lissie soprou o vapor antes de beber um gole. — Obrigada. Acho que meu corpo ainda não decidiu se está correndo ou parando.
Maggie se apoiou na mesa à frente, observando-a com atenção.
— Você foi muito bem hoje. Não é fácil chegar no meio de um caos desses e manter o controle.
Lissie deu um sorriso discreto, quase irônico.
— O segredo é simples: finge que sabe exatamente o que está fazendo, e no final todo mundo acredita.
— Não tente tirar o seu mérito, Lissie. Não foi fingimento.
Ela desviou o olhar para a borda da caneca, os fios dourados caindo um pouco sobre o rosto.
— Faz parte do trabalho. Eu tô aqui pra isso. — A voz saiu firme, sem hesitação, mas havia algo implícito no tom: limites claros, como se dissesse que nada além do paciente importava.
Um silêncio breve se instalou, até que Lissie ergueu os olhos para Maggie.
— Preciso te pedir uma coisa.
Maggie franziu a testa, surpresa pelo tom mais sério.
— Claro.
Lissie respirou fundo antes de falar, escolhendo bem as palavras:
— Não comenta com ninguém… sobre quem eu sou. — fez uma pausa curta. — Nem aqui no hospital, nem fora. Principalmente com o Voight.
Maggie a olhou, compreendendo mais do que Lissie dizia em voz alta.
— Ele não sabe que você voltou?
— Não. — Lissie balançou a cabeça, firme. — E eu não tô pronta pra isso. Então, por favor… você e a Sra. Goodwin, mantenham isso em silêncio.
Maggie hesitou por um segundo, mas depois assentiu.
— Pode confiar em mim. Ninguém vai ouvir nada de mim, nem da Sharon.
A médica deixou escapar um suspiro aliviado, disfarçado com uma ironia leve:
— Ótimo. Segredo médico-administrativo. Deve entrar em alguma cláusula de confidencialidade, né?
Maggie sorriu, cúmplice.
— Mas é claro, querida.
As duas ergueram as canecas quase como um brinde silencioso. Quando Maggie saiu da sala, Lissie ficou sozinha, olhando para o líquido escuro na caneca. O café estava quente, mas a sensação por dentro ainda era fria. Não por falta de afeto — mas porque, em Chicago, distrações e revelações fora de hora podiam custar caro.
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Invisible String
Romance‧₊˚♡ "Something wrapped all of my past mistakes in barbed wire ‧₊˚♡ Chains around my demons Wool to brave the seasons...
